OS NOSSOS ESCRITOS

TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS ELABORADOS PELAS ALUNAS DA DISCIPLINA
POESIA ELABORADA PELAS ALUNAS
POESIA, CONTOS E OUTROS TEXTOS TRABALHADOS NA AULA

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

OS ANOS DA LÚCIA

Ontem, dia 11 de Dezembro a Lúcia Cóias fez 79 anos. Não parece a idade que tem, pois a sua alegria, a sua boa disposição e a sua capacidade de comunicação dão-lhe o aspecto jovem que tem. Por isso os anos não contam. É a professora de bordados da Academia Sénior de Estremoz. Tem uma classe enorme, de alunas muito interessadas, habilidosas e muito prendadas, das suas mãos saem  obras primas, dignas de exposição.
As alunas organizaram um almoço. Éramos muitas e os pézinhos feitos pela Bia de S. Bento do Ameixial estavam uma delicia. Os doces todos eles eram deliciosos.
Depois do almoço leram-se poemas dedicados à aniversariante e entregou-se a prenda. Já quando a festa estava quase a terminar, aparece a Lúcia, vestida de homem das limpezas que dramatizou os versos que ela fez, a que deu o nome Miguel, Miguel,  pondo toda a gente a rir. A sua capacidade de fazer versos sobre os temas mais diversos sempre é elogiada por todas nós, assim como a sua veia de actriz que vem ao de cima nessas ocasiões. Finalmente, com a orientação da Lúcia,  todas cantámos, com a música da canção Mocidade, Mocidade, cantada por António Calvário, os versos que se transcrevem abaixo  feitos pela Lúcia, .
I
Mocidade, Mocidade
Nunca fugiste de mim
Que nos importa a idade
Temos n'alma a mocidade
Somos felizes assim

II
Nunca perdemos a esperança,
Nem c'o as maleitas da vida
O trabalho não nos cansa
Há cá dentro uma criança
Nesta aula divertida

III
Vamos cantando e dançando
O teatro é um prazer
De vez em quando bordando
E uma telas pintando
Poesia e contos escrever

IV
Sabemos ser generosas
Não temos tempo a perder
É um canteiro de rosas
Estas mulheres tão formosas
que ninguém deve esquecer

V
Como lá diz o ditado
Há sempre muito a'prender
Fazendo o nosso bordado
Vai-se lembrando o passado
Pois recordar é viver

Lúcia Coias    Estremoz, 4/12/2013


terça-feira, 26 de novembro de 2013

A "ANEDOTAS" DA AMÉLIA

AS ANEDOTAS DA MARIA AMÉLIA
(Mãe da professora Zuzu)

A Maria Amélia, conhecida apenas como Amélia, viveu desde sempre em Casa Branca. Ainda esteve algum tempo em Lisboa quando dirigiu um supermercado na Brandoa. Assim que pode regressou à sua terra onde se sentia bem e onde tinha familiares e amigas.
Tinha um daqueles estabelecimentos de aldeia onde se vende de tudo e mais alguma coisa. A par da mercearia também tinha salsicharia. Loja bem afreguesada pouco tempo lhe restava para descansar. Sempre muito apressada não tinha um minuto a perder e, mesmo a conversar connosco, arranjava sempre alguma coisa para fazer, marchando à nossa frente quase parecendo não nos estar a ligar.
Justamente por este seu feitio há vários episódios engraçados que  dela se contam repetidamente em reuniões familiares.

Quando apareceram as primeiras máquinas de lavar roupa achou que era mesmo o que precisava para a aliviar na sua vida atarefada. Era ainda uma máquina semi manual que tinha um depósito para meter a roupa que, depois de lavada, era espremida num rolo. O detergente era caro e, por vezes, pouco eficiente. Tinha eu e a Adélia uma máquina igual. Calhou estarmos em Casa Branca quando ela ia meter a roupa a lavar. Dissemos-lhe nós como grande novidade:
-Sabes que apareceu agora um sabão às falhinhas que é muito mais económico e lava muito bem?
Nem nos deixou terminar e de sabão azul e branco e faca em riste, diz enquanto o faz:
-Aí filha, eu cá, falho, falho, falho, falho!


Um a noite já a acabar o jantar aparece uma cunhada. Depois dos cumprimentos e no meio de uma conversa sai-se a Amélia:
-Ó Maria Emília! Tu não gostas de um chocolatinho quente no fim do jantar?Ao que a outra logo assentiu vendo ali um convite.
 - Mas       olha, responde rapidamente a Amélia, hoje não tenho!

Ia frequentemente à sua loja um senhor que lhe fornecia os porcos para a salchicharia. Era um homem avantajado de uma altura pouco usual a quem tinham posto merecidamente a alcunha de "Alturas".
Um dia em que esperavam a visita do dito senhor advertiu-a o Vitalino:
-Amélia quando chegar o Alturas trata-o pelo nome não se vá ele zangar!
Chegado o homem logo a Amélia o foi receber muito pressurosa:
-Boa tarde senhor Alturas. Aí desculpe senhor Alturas, o meu marido preveniu-me que não o tratasse por Alturas porque o senhor não gosta que lhe chamem Alturas. Desculpe mais uma vez senhor Alturas . E lá foi tratar do negócio como se nada fosse com ela.
Vitalino e Amélia

Ia frequentemente à sua loja um senhor que lhe fornecia os porcos para a salchicharia. Era um homem avantajado de uma altura pouco usual a quem tinham posto merecidamente a alcunha de "Alturas".
Um dia em que esperavam a visita do dito senhor advertiu-a o Vitalino:
-Amélia quando chegar o Alturas trata-o pelo nome não se vá ele zangar!
Chegado o homem logo a Amélia o foi receber muito pressurosa:
-Boa tarde senhor Alturas. Aí desculpe senhor Alturas, o meu marido preveniu-me que não o tratasse por Alturas porque o senhor não gosta que lhe chamem Alturas. Desculpe mais uma vez senhor Alturas . E lá foi tratar do negócio como se nada fosse com ela.

A casa tinha frequentemente algum amigo ou toda a sua família para almoçar. O Vitalino tinha muitos amigos mas desconfio a maior parte apreciava acima de tudo a mesa farta que ali sempre encontrava...
Ora num dia de piquenique no campo, talvez Páscoa, apareceu um amigo que também os acompanhou.
A Amélia com a sua pressa habitual pôs a mesa e logo começou a distribuir as iguarias:
-Vai um croquete senhor Abelha? E também vai provar um pastelinho senhor Abelha.  Senhor Abelha, e que tal acha a nossa paia? Está boa não está senhor Abelha?
Depois de algum tempo a ouvir, diz-lhe o amigo:
-Mas dona Amélia , eu sou Mosca não sou Abelha . Ao que ela responde muito apressada:
-Ah pois, eu bem me parecia que era um bichinho desses com asas!, diz ela num repente, correndo logo a servir uns pastelinhos mais além.


Quando apareceram as primeiras máquinas de lavar roupa achou que era mesmo o que precisava para a aliviar na sua vida atarefada. Era ainda uma máquina semi manual que tinha um depósito para meter a roupa que, depois de lavada, era espremida num rolo. O detergente era caro e, por vezes, pouco eficiente. Tinha eu e a Adélia uma máquina igual. Calhou estarmos em Casa Branca quando ela ia meter a roupa a lavar. Dissemos-lhe nós como grande novidade:
-Sabes que apareceu agora um sabão às falhinhas que é muito mais económico e lava muito bem?
Nem nos deixou terminar e de sabão azul e branco e faca em riste, diz enquanto o faz:
-Aí filha, eu cá, falho, falho, falho, falho!


Uma noite já a acabar o jantar aparece uma cunhada. Depois dos cumprimentos sentaram-se ao lume de chão e no meio de uma conversa sai-se a Amélia:
-Ó Maria Emília! Tu não gostas de um chocolatinho quente no fim do jantar?
Ao que a outra logo assentiu vendo ali um convite.
 - Mas olha, Maria Emília ,responde rapidamente a Amélia, hoje não tenho!


Outro episódio também engraçado mas não tendo directamente a ver com ela.
Mesmo com uma vida de muito trabalho, o casal sempre  gostou de fazer umas viagens de vez enquando. Nesse dia fomos convidadas eu, a Adélia e a Maria José para irmos com eles a Fátima. Ainda madrugada batem-nos à porta com ordem de partida. Vinha a Amélia muito arreliada  porque se tinha esquecido de trazer qualquer bazaréu para servir de penico durante a noite, despejando- se de manhã depois de feitas as necessidades...
Eu tinha chegado na véspera da praia e tinha ainda na sala os brinquedos da Guida. Logo que viu o balde que até era de um tamanho maior que o normal, concluiu que era mesmo daquilo que precisávamos.
Tinham uma grande camioneta com uma cobertura de lona. Levava tudo o que nos faria falta, desde colchões, almofadas, cobertores, fogão, tachos, pratos, copos e talheres e mantimentos,tudo, enfim, para que não tivéssemos que gastar para além do necessário para encher o depósito de gasóleo.
Foi uma viagem divertidíssima com várias peripécias pelo caminho e uma noite mal dormida, não por culpa do colchão, mas porque toda a noite se ouviu chamar de um acampamento para outro como se ali não houvesse mais ninguém além deles...Nesta altura tudo isso era motivo de riso e assim se passou a noite.
A afluência ao Santuário era enorme e a Adélia ainda apanhou um belo susto num dos túneis de acesso. Eram tantas as pessoas que durante alguns minutos foi no ar sem que os pés tocassem no chão. Com a sua claustrofobia, gritou até que lhe deram um espaçozinho para chegar ao outro lado.
Enfim, uma viagem que nunca esquecerei.
Chegados à  Casa Branca apenas tiveram tempo de jantar e ir descansar da viagem.
No outro dia, para o almoço,  fez-lhes a Tita umas sopas de tomate e para acompanhar, à moda do Alentejo, uns belos figos acabados de colher no quintal.
Ora o que havia ela de desencantar para trazer os figos para a mesa? O nosso penico que tão boa serventia nos tinha dado...
Assim que viu aquilo grita a Amélia muito enojada:
Ó Tita, que nojo! Não tinha outra coisa pra trazer os figos?Ao que a outra respondeu, não percebendo todo aquele espanto:
-Não tenha nojo senhora, foi a primeira coisa a ser lavada ontem na loiça do jantar!

Acho que tudo isto não será para publicar, mas quis que ficasse registado para não se perder.
Nem tudo se terá passado como escrevo mas os escritores, mesmo quando relatam feitos históricos, metem sempre alguma fantasia romanceando a seu belo prazer. Dá a ler à tua mãe e ela que faça as emendas que achar necessárias se não gostar do meu relato. Beijinhos para ela que nos proporcionou belos momentos de risota.
Dei à minha mãe a ler e ela concorda com tudo. Achou muita graça e ainda se lembrou de mais algumas "gaffes" que eu irei escrever outro dia. A minha mãe é única!!!

-Milena Falcato

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O FILHO DA GALINHA VAIDOSA

Olá, sou o pintainho amarelo. Sou o segundo filho de uma ninhada de treze, porque as donas das galinhas não querem números pares vá-se lá saber porquê? Dizem que dá azar!
Mas eu cá estou e sou um pintainho feliz. A minha mãe traz-me sempre debaixo da asa e procura comida para mim  e para os meus irmãos. Quando encontra uma minhoca é uma festa: ela faz cócórócócó e nós vamos todos a correr. Um destes dias apanhei um susto, vi um tigre, e fui logo para o pé da minha mãe a chorar, mas ela disse-me: - " Não sejas parvo, aquilo é um gato, quando fores crescido é ele que tem medo de ti!"
Eu sou daqueles pintos pica no chão, não nasci numa incubadora, isso é para os frangos de supermercado que só comem ração e nunca vêem o sol, coitados!
Eu ando no campo com as outras galinhas e galos e quero crescer depressa para ter na cabeça um enfeite que parece borracha vermelha e está cheia de biquinhos, mas parece que isso demora uns seis meses, isso para mim é uma vida!. Também quero que as minhas penas sejam brilhantes, quero ficar um belo galo para ter muitas galinhas à minha volta, mas vou fugir com elas para não ter o destino do galo preto que partiu sem deixar rasto - acho que acabou numa bela tomatada.
Eu quero melhor destino para mim, quero viajar e as galinhas que tratem dos filhos que eu só me quero divertir. Vou ser um galo egoísta e com um grande par de esporões para me defender da raposa e brigar com outros galos que me queiram roubar as galinhas.
Isto de viver no campo é muito bom e todas as aves deviam viver assim!


Eglantina

A GALINHA VAIDOSA

Era branca e tinha a crista vermelha, bela como uma romã e uma belas meias amarelas. Era jovem e estava apaixonada pelo lindo galo preto de penas de veludo brilhante.
Pensou: - " Sou bonita e quero ter filhos com este galo!"
Passou a desprezar todos os galos da capoeira porque apenas aquele era o galo; cantava bem todas as melodias, era um cócórócócó a todas as horas do dia e da noite. Que maravilha de galo! Os outros galos bem queriam namorá-la, mas ela nada... O tempo foi passando e a galinha não casou, pois só queria aquele galo preto de penas amarelas no pescoço, mas ele só queria comer e cantar. Cada vez estava mais gordo ... que belos pintos daria!
Os outros galos bem lhe ofereciam milho e fruta boa, mas a galinha vaidosa não lhes ligava nenhuma.
Um dia... oh que susto! A dona entrou na capoeira com um objecto brilhante na mão e inspeccionou todos os galos. Pegou no galo preto que nunca mais voltou. Aquele projecto de belos pintos esfumou-se. Nunca teria filhos. Os galos já todos tinham namorada e ela ficou sozinha, pensando sempre no seu galo preto da crista vermelha, mas que nunca lhe ofereceu sequer um bago de milho, apenas lhe deixou a triste recordação do desprezo. E a galinha pensou: - " Fui parva, a beleza não é tudo na vida, os valores morais são muito mais importantes e o galo pedrês também não era assim tão feio e bem podia ter casado com ele...
Mas o galo preto é que era o amor da sua vida!!"

Eglantina

PRIMAVERA

Represento a Primavera
A mais bela das estações
É o tempo das flores
E do amor nos corações

Os pássaros fazem os ninhos
As andorinhas chegaram
As cegonhas já cá estão
Pr'a sempre cá ficaram

Com este belo clima
Há flores por todo o lado
Mas elas estão no campo
Que o jardim está depenado

As rosas e os malmequeres
As violetas e os amores
A alfazema e o rosmaninho
Enchem o espaço de odores

Os nossos campos estão verdes
Há lírios por todo o lado
Mas mal a Primavera chega
Já o Verão está apressado

Chega o Outono também
Com o seu tom acastanhado
E lá caindo a folha
Que o Natal está chegado

E tudo passa a correr
É chegado o Ano Novo
Mal nós nos distraímos
É Primavera de novo

Nós somos as bordadeiras
Isto é tudo a brincar
Vamos mas é divertir
Que o tempo está a passar.

Eglantina

NATAL

O Natal já chegou
Oiço os sinos a tocar
E as estrelas no céu
São os anjos a dançar

Oiço música suave
E campainhas lá ao longe
É o Pai Natal que chega,
Mas ainda não é hoje.

Chega dia vinte e cinco
Puxado pelas suas renas,
Com tantos anos que tem
Já não tem força nas pernas

Com as suas campainhas
Vai anunciando o dia
Em que as nossas criancinhas
Estarão cheias de alegria

Com o seu fato vermelho
E o saco cheio de prendas
Passa pelo mundo inteiro
A distribuir oferendas

Quando Jesus nasceu
Segundo diz a lenda
Cada Rei Mago levou
Orgulhoso a sua prenda

Mas a Maria era bem simples
Deu á luz na manjedoura
Que em nada se parecia
Com as maternidades de agora

Festejemos o Natal
Erguendo os olhos ao céu
Mas não podemos esquecer
Quem não tem nada de seu

Desejo tudo de bom
Tenham Paz e Harmonia
Desejo-vos um Bom Natal
E um Ano Novo cheio de alegria!

Eglantina


QUERO MUDAR O MUNDO

Quero mudar o mundo
Quero viver melhor
Quero que todos tenham
Muita paz e amor

Quero divertir-me
Andar sempre em festa
Quero ter outra vida
Que esta não presta

Quero que todos cantem
Uma canção de amor
E que todos brinquem
Sem nenhum pudor

Façam asneiras
Tudo o que quiserem
E ninguém se importe
Com o que disserem!

Eglantina

NATAL

24 de Dezembro

Véspera de Natal. Mal posso esperar.
Não sei porque gosto tanto do Natal. Talvez pela ceia, os doces e as prendas.
Cá em casa somos 10 irmãos . Só há prendas muito pequeninas e são só para as meninas.  Este ano somos só 3 que a Natália está em casa do tio Carreço.
Antes de virmos dormir lá alinhámos os sapatos na chaminé.
Avistámos no escritório uma grande caixa de cartão muito bem fechada mas tivemos medo de a abrir.
Subi de má vontade para o quarto com as minhas irmãs e preparo-me para uma noite sem sono.

25 de Dezembro

Nunca me vou esquecer deste Natal.
Depois de uma longa espera, alguma claridade assoma pela janela e diz-me que está a nascer o dia 25. Só aí temos ordem de descer até à cozinha. Acordo as minhas irmãs e precipitamo-nos escada abaixo, atravessamos o quintal (está um frio de rachar e nós em camisa de dormir...) e ali estão, alinhados na chaminé, 8 ou 9 sapatos todos com alguma coisa dentro:
Nos sapatos enormes dos meus irmãos há apenas umas cascas de laranja muito enroladinhas ou uns carvões roubados aos tições da lareira.
E nos nossos? Umas miniaturas de tabletes de chocolate num atado apertado por uma fitinha de seda colorida e uns brinquedos que nos enchem os olhos. Estava ali a explicação da caixa mistério. Brinquedos e jogos a que faltavam peças e que vêm da loja do meu tio Chico porque já não têm venda. Mas no meu sapatinho está mais qualquer coisa do que nas minhas irmãs.
O dono da farmácia Costa, que gosta muito de mim, deixou-me uma prenda de Natal.
Perante a inveja das minhas irmãs desembrulhei o pacote e de lá saíu a mais linda boneca que eu já vi.
Não cabia em mim de contente e durante todo o dia não mais a larguei.
Depois do jantar reunimos-nos todos à chaminé à volta do lume de chão. E lá estou eu com a minha prenda de Natal preferida. O quentinho da lareira sabe- me bem, aquece-me as faces. Embora proibida de o fazer, agarro a tenaz para mexer as brasas. Gosto de ver as fagulhas que se levantam logo que lhes chego. A minha mãe ralha, largo a tenaz e levanto-me. Um clarão enorme, chamas azul esverdeadas levantam-se e só após alguns minutos percebo que já não tenho boneca... Era de celulóide e bastaram uns segundos para ser consumida pelas chamas. Choro desesperada . Sei que por muitos anos que ainda viva, nunca mais terei desgosto comparado com este que estou sentindo agora.



-Milena Falcato

domingo, 24 de novembro de 2013

MULHER

Aquela rosa vermelha
Que estava no jardim
Como vivia sozinha
Chorava mágoas sem fim

Toda a mulher merece
Uma flor bem bonita
Seja ela nova ou velha
Vista de seda ou de chita

Sê tudo o que quiseres ser
E faz o que te apetece
E dá todo o teu amor
A quem achares que merece

As mulheres e as plantas
São parecidas, sim senhor
Umas precisam de água
Outras precisam de amor

Foi lá longe na América
Onde havia preconceitos
Que queimaram trinta operárias
Que lutavam pelos seus direitos

A mulher merece tudo
Tratem-na bem que afinal
Ela é o que melhor existe
Neste nosso Portugal

Toda bela e perfumada
Lá vai passando na rua
Toda mulher é formosa
E tão bela como a Lua

Eglantina

A MINHA AVENTURA CASEIRA

Quando vivi num 1º andar da Rua 31 de Janeiro, tinha um lindo gato, de olhos verdes e pêlo comprido, que estava sempre à janela.
Um belo dia, seriam uma sete horas da manhã, eu estava na cozinha a fazer o pequeno almoço, quando ouvi um barulho estranho: era o estore da sala que caía com um enorme estrondo. O meu pensamento foi logo para o gato e corri para a janela, só para ver uma enorme cauda branca que virava a esquina.
Corri escadas abaixo em aflição, a pensar apenas em apanhar o gato. Este assustado, refugiou-se debaixo de um carro e até que eu o conseguisse agarrar e segurar no meu colo apenas emitia um estranho barulho, como um uivo. Finalmente, reparei nos olhares estranhos que os passantes me dirigiam: na minha urgência de apanhar o gato nem reparava que estava de cócoras, na rua, em camisa de dormir.
Este gato era muito mimado e esperto. Fazia xi-xi na sanita, sem que tal o tenhamos ensinado e dormia na cama da minha filha, que na altura ainda vivia connosco. Quando a minha filha se ia deitar, levava-o escondido no casaco, mas eu sempre via a sua cauda pendurada ... era gato escondido com rabo de fora...
Depois deste gato, tive uma cadela preta, pequenina, que um certo dia se escondeu no roupeiro e me fez andar à procura dela durante uma manhã inteira.
Eglantina

EPITÁFIO DA TINA


  • Aqui jaz uma mulher que viveu à pressa e não teve tempo para fazer tudo o que queria.
  • Sempre teve ânsia de liberdade, finalmente o seu espírito libertou-se.
  • Aqui repousa a melhor amiga dos animais.
  • Temos saudades tuas e das tuas gargalhadas.
  • Que o teu espírito tenha paz, já que a tua vida foi um constante desassossego.
  • Repousa em Paz e Descansa, pois toda a vida trabalhaste muito

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O CORREDOR

Em jovem vivi numa casa grande com grandes divisões, ao meio tinha um corredor com portas para quase todas elas.
Imagine-se uma casa de campo nos anos cinquenta, onde tudo era iluminado à luz das velas, candeeiros de petróleo e candeias de azeite. O corredor tinha alguns metros e era dividido ao meio por um arco.
Quando se entrava pela porta das visitas havia um espaço decorado com quadros e um grande espelho sobre uma mesa com uma jarra com flores. Ao meio do arco havia uma imagem de Rainha Santa Isabel para nos abençoar e, no chão, vasos com plantas. Era um espaço bem bonito que dava acesso à sala de visitas.
Do outro lado do arco era a parte pobre do corredor, só com um cabide para pendurar casacos e a porta de acesso à cozinha, onde se encontrava uma grande chaminé, onde à noite ardia uma grande lareira e onde se fazia o serão, à luz do candeeiro a petróleo, e se contavam anedotas e histórias de feitiçarias, em que muita gente acreditava. Terminado o serão, voltava-se ao corredor com as velas a iluminar o percurso até aos quartos. À passagem pelo corredor, as velas projetavam sombras, como se de fantasmas se tratasse e também se ouvia o ranger do soalho, o que era assustador.
Eglantina

terça-feira, 19 de novembro de 2013

CARLITOS

Éramos 10 irmãos na nossa casa. A minha madrinha, que não podia ter filhos, pediu aos meus pais que me deixassem ir morar com eles. Nunca soube ao certo que idade teria mas devia ser ainda bebé.
Vivi em casa dos meus padrinhos até aos seis anos e meio como filha única muito mimada principalmente pelo meu padrinho. O pior mesmo era ser filha única e não ter companhia para a brincadeira.
A certa altura descobri, duas ou três portas abaixo na minha rua, a única criança que ali morava além de mim. Carlinhos era o seu nome  e ainda hoje o recordo com imensa saudade e uma raiva enorme de o ter deixado morrer sem o tentar rever.
O Carlinhos, um ou dois anos mais velho, tinha o dom especial para inventar brincadeiras que nos habilitavam a uns bons açoites.

História número um :
O pai era dentista e precisava de sossego, a mãe não nos queria a atrapalhar na cozinha e,  para nosso deleite,  mandava-nos para o quarto de casal que era a maior divisão da casa e onde podíamos brincar à vontade.
Assim que entrava queria logo saber qual era a brincadeira do dia .
Nesse dia, como sempre aliás, já a tinha estudada.
- Hoje vamos brincar aos circos. Ora os circos têm um teto de pano e ele já tinha estudado como o fazer. Tirou  colcha da cama e tentou estendê-la nos quatro ferros mas era pesada e caía. Tirámos as bolas de cobre que encimavam cada um mas escorregava na mesma. Então, com muito esforço, tentámos furar os ferros nos quatro cantos da colcha e acabámos " a obra " com o auxílio duma tesoura...
O que nós nos divertimos! Houve acrobatas, malabaristas, palhaços e muita muita risota que acabou por chamar a atenção da mãe e calcula-se o que foi .
Cada um para sua casa para lhe ser aplicado o respetivo castigo...
Para nós era igual porque se repetia todos os dias...

História número dois:
Eu tinha umas lindas tranças que o meu padrinho adorava. A minha madrinha
era grande admiradora da Shirley Temple e do seus  caracóis. Não descansou enquanto não me cortou as tranças e me encheu  a cabeça de caracóis.!
Para melhor os moldar, apartava-me grande parte dos cabelos no cimo da cabeça e, com um gancho que se usava na altura,  enrolava-o todo muito bem fechando depois o gancho a prender todo o rolo.
E foi neste preparo que cheguei a casa do Carlinhos. Logo ali teve a brilhante ideia de irmos brincar aos cabeleireiros.
Foi à cozinha tirar uma toalha que me atou ao pescoço  e uma tesoura que conseguira surripiar.
Com uma mão agarrou no gancho e õcom a outra, ainda que com alguma dificuldade, cortou rente todo aquele cabelo que estava preso no gancho. Calculo hoje o susto e desgosto da minha madrinha quando me viu aparecer em casa com uma careca que apanhava todo o cimo da cabeça...
Lá se foi, e da pior maneira, o sonho de ter em casa uma Shirley Temple

História número três:
Eu tinha brinquedos caros e o meu padrinho já não sabia o que me dar.
Naquele dia fora a Lisboa e trouxera-me uma boneca de cartão muito grosso.
Teria uns 40 cm de altura e  um pedestal em Madeira que a mantinha de pé. Os olhos muito grandes mexiam e apertando a barriga chorava. Tinha depois vestidos, sapatos, chapéus, roupa interior, enfim toda a espécie de acessórios que se possa imaginar.
Mal tive tempo de desembrulhar o presente corri a casa do meu amigo pois naquele dia teríamos um brinquedo que nos manteria activos por muito tempo porque havia muito que vestir e despir à Bonecao
Depressa se cansou e surgiu-lhe uma idéia melhor:
- Hoje vamos brincar aos jantarinhos!
Foi buscar uma panela, umas tesouras, umas facas, umas toalhas a fazer de aventais e estavam os chefes cozinheiros prontos a começar o dia...
Começou pelo fato que, como era de cartolina ainda que forte, conseguíamos cortar com a tesoura. Com muito trabalho lá conseguimos enfiar tudo em bocadinhos dentro da panela.
Até aqui tudo bem (mal) ! Mas hei-nos chegados à boneca propriamente dita que era muito grossa para a tesoura. Teve que ir buscar uma faca de serrilha e, mesmo assim, foi com um enorme  esforço que juntámos uns três bocados à sopa que já estava na panela. Não sei se chegámos a comer a sopa mas "outra sopa " me esperava em casa e com muita razão...
Ainda me recorda o desgosto de não ter sequer chegado a brincar com a minha linda boneca...
Contando que já se passaram uns 75anos dada a qualidade do brinquedo, não  deve ter sido nada barato.

-Milena Falcato   (Novembro 2013)

BYPASS GÁSTRICO - DE UMA LARANJA A DOIS GOMOS: A MINHA ALUNA ANA

BYPASS GÁSTRICO - DE UMA LARANJA A DOIS GOMOS: A MINHA ALUNA ANA

A CASA DE JANTAR

Antes da construção do primeiro andar a casa de jantar era na divisão que fica agora debaixo da escada.Tinha três portas. Uma delas, grande e pesada, dava para o quintal e nem sempre estaria fechada pois tinha que dar serventia à cozinha. Vindo da rua, entrava-se primeiro numa pequena casa de entrada que dava diretamente  para a casa de jantar assim como o corredor e tudo isso junto tornavam aquela divisão desagasalhada. Não consigo visualizar o teto antes da escada ser feita. Não admira pois pouco tempo lá vivi dado que, nesse tempo, estava em casa dos meus padrinhos.
No entanto há uma recordação recorrente quanto a essa 'casa de jantar'.
Como já disse antes, vivi com os meus padrinhos até aos seis anos e meio, altura em que foram para Angola.
Todos os domingos o meu primo Constantino vinha levar-me de visita a casa dos meus pais. Na minha lembrança calhava sempre na hora de almoço. A mesa era enorme para dar assento a uma família numerosa como a nossa. Para além dos meus pais e nove irmãos havia sempre tios ou primos de Casa Branca ou amigos da casa.
Eu entrava e encostava-me timidamente à parede em frente da mesa , agarrava com muita força a mão do meu primo e dali não arredava um passo. É natural que tivesse que ir falar aos presentes mas, na minha imaginação, só me vejo como espetadora duma qualquer mesa de restaurante cheia de pessoas que não me diziam respeito e com as quais eu não tinha nada a ver. Como se ali não conhecesse ninguém. O que eu queria era libertar-me rapidamente daquela situação. Tornava e tornava a apertar a mão do Constantino e a puxá-lo até que atendendo à minha insistência lá começávamos as despedidas e mais uns instantes e estávamos fora e com tempo para ainda dar um passeiozinho antes de me entregar em casa.
Lembro- me que mais tarde tive alguma dificuldade em habituar- me a comer  naquela mesa cheia de gente e até a estar em família. Aquela não era a minha casa e as saudades do meu padrinho doíam ainda. Era uma filha única que de um dia para o outro tinha que aceitar 9 irmãos. Mas as crianças têm um grande poder de adaptação e depressa me senti integrada.
Lembro-me dos almoços de sábado em que as coisa se complicavam. Havia sempre família da Casa Branca: tia  Alice e marido (tinham lá o filho o meu amigo Constantino) , tia Bárbara, primo Perninhas, prima                Marnoto que trazia um problema qualquer a resolver com um advogado e entre mais uns rtantos a Maria  Amélia mãe da Zuzu. Era muito divertida mas ficava um pouco intimidada no meio de tanta gente. O Aníbal para a arreliar gritava-lhe lá do seu lugar: ri-te Amélia!!! E logo ela se escangalhava a rir e com ela toda a mesa.
Claro que nem todas as semanas se reunia tanto pessoal mas as refeições sempre foram uma festa. Sempre tivemos liberdade para rir e falar à mesa..
Uma vez que o primeiro andar foi construído, a casa de jantar passou para o quarto dos meus pais que era uma dependência maior. Aí já estava também o meu tio Chico que impunha ou queria impor algum respeito à mesa. Mais dois empregados da oficina que também lá comiam, a costureira, e os genros e noras e filhos que foram sugindo era sempre um banquete. Diz-se que onde comem dois comem três mas muito mais fácil é quando há quinze comerem vinte... Havia sempre comida que chegasse para mais quatro ou cinco.
O meu irmão mais velho andava a estudar em Lisboa e quando vinha gostava de pôr a escrita em dia como se diz e queria silêncio para se fazer ouvir.
  Um dia compraram para a oficina um engenho de furar. A Adélia deu-lhe no goto o nome do objeto e cada vez que eu lho dizia baixinho ou o Armando o mencionava desatava a rir. Tanto riu que ele sai furioso da mesa, agarra-lhe num braço e foi pô-la lá fora no quintal talbez com algum açoite à mistura...
Indiferente ao choro e gritos dela a bater com toda a força na janela, lá continuou tranquilamente a a perorar sobre o 'engenho de furar'...
Este é um episódio entre muitos, muitos outros passados aqui nesta casa de jantar.
Pôr aquela mesa era uma tarefa que levava algum tempo. Trabalhou lá em casa uma rapariga do campo que estava a servir  pela primeira vez. No dia da entrada ao serviço mandou-a a minha mãe pôr a mesa. Quase na hora de almoço a minha mãe vendo que ela nunca mais aparecia, gritou-lhe da cozinha:
-Floripes, já puseste a mesa? Ao que responde de lá:
-Aí senhora nã me entendi com isto. Olhe, eu pus tudo em riba e quem quiser que puxe!
E lá estava em cima da toalha, única tarefa que conseguira finalizar, três ou quatro rimas de pratos, uma grande porção de copos e um enorme monte de talheres à espera de quem os puxasse...
Ali casei eu, a Adélia, a Olga, a Natália, o Quím, o Dâmaso, o Jaime e a minha filha Guida. Nessas alturas a casa de jantar mostrava-se insuficiente e era preciso pôr algumas mesas noutras divisões para acomodar tanta família e convidados.
Que saudades das ceias de Natal e Consoada ali passadas!
Também recordo aquela mesa sempre posta todos os três dias de  Carnaval onde abancavam grupos de mascarados e não só, trazidos pelo Aníbal ou pelo Jaime.
Enfim, esta é realmente a divisão da casa que mais e melhores recordações me traz à memória.


-Milena Falcato

O MEU QUARTO

Não seria muito grande e, talvez por isso, sentia-me lá muito aconchegada.
O meu padrinho encomendou a um bom artista de Estremoz a decoração do quarto. Foi assim que eu fiquei com um quarto de sonho muito lindo .
Todas as suas paredes ficaram repletas de figuras do Walt Disney em ponto grande. Miquey,  Donaldo e sobrinhos, Pateta, Popey e Margarida e mais alguns que não me lembra passaram a fazer parte das minhas noites.Foram todos os que lá couberam.
Ninguém tinha um quarto tão lindo como o meu!
Mesmo assim havia ocasiões em que eu detestava ficar no quarto. Era na hora da sesta que a minha madrinha me obrigava a dormir. Metia-me na cama e fechava a porta para eu não me escapulir.
Mas a necessidade é mestra de engenho! Depois de alguns minutos de silêncio e quando ela já me julgava ferradinha, abria as portadas da sacada, levava para lá alguns brinquedos e uma vez fora do quarto tornava a fechar as portadas e aí tinha pela frente uma bela tardada de brincadeira. Para melhor os meus vizinhos da frente que já sabiam que aquela hora eu estava em transgressão, metiam-se comigo e ajudavam-me também a passar melhor o tempo. Eu tinha que falar baixo não fosse a minha madrinha ouvir e descobrir a marosca.
   E ali ficava até que chegasse a hora de acordar e tudo era reposto pela ordem de partida. A janela era fechada e tornava a meter-me na cama até a minha madrinha chegar para me "acordar"...


-Milena Falcato

A DONA JOANA

Tive alguma dificuldade em escolher a pessoa sobre quem iria escrever tantas foram as que passando pela minha vida muito me marcaram para o bem e para o mal.
Escolhi falar da D. Joana onde me hospedei na minha passagem por Évora.
O meu pai decidiu que as suas três filhas mais novas seriam professoras primárias como as do seu primo Paulo de quem era grande amigo.
Decidiu e não se admitiam dúvidas. Não havia nada que eu pudesse fazer.
Mesmo assim, resisti até ao fim.
De manhã a minha mãe mandou-me levantar para apanhar o combóio para Évora. Resolvi que não havia de sair da cama e quando ela me quis puxar agarrei a roupa e o colchão e foi tudo parar ao chão.
Não tive mais remédio senão despachar- me para chegar a horas. Durante toda a viagem chorei que me fartei...
Chegada a Évora, saí do combóio e ali estava eu com uma mala quase do meu tamanho e sem fazer a mais pequena ideia onde ficava a casa onde ia ficar.
Mal sabia eu o que me esperava! Na mala tinha metido apenas a roupa indispensável, ( só regressaria no Natal...) e dado que era uma leitora compulsiva, acabei de a encher com livros. Era uma mala enorme, de cartão e ninguém faz uma ideia como pesava. Pus-me a caminho perguntando a quem passava como se ia para a Zona de Urbanização número 1. Muito raramente lá havia alguém que conhecia, talvez por morar para aqueles lados...
Com os livros a mala tinha ficado pesadíssima e não sei como consegui chegar a casa com ela.
A dona da casa, a D. Joana Cabeça dos Reis, era uma senhora de mediana estatura, com o cabelo castanho grisalho apanhado atrás. Não  era bonita mas a sua simpatia extrema fazia parecê-lo. Tinha um rosto para o comprido, queixo ligeiramente lançado para a frente com uma leve barba que nunca cortou. Ao falar tinha um tom algo pretencioso coisa que ela , de todo, não era.
Era mais uma maneira de explicar tudo muito bem explicadinho de uma maneira muito pessoal.
Sempre de preto, dizia que não era luto. Tivera uma filha  de uns sete ou oito anos que foi encontrada pelas irmãs morta na cama. Foi um desgosto que a marcou para sempre embora nunca lhe tenha ouvido uma palavra sobre o assunto.
Era uma pessoa muito especial, com uma imaginação que lhe fazia superar a falta de tudo a que estava habituada desde mobília até utensílios de cozinha .
Estava em Évora provisoriamente apenas para acompanhar as filhas enquanto ali estudavam. A filha mais nova, a Felisberta, ficou em Estremoz a acabar o Colégio e hospedada em nossa casa numa troca proveitosa para ambas.
A Mãe  Joana, como eu carinhosamente lhe chamava, era a mestra do desenrasca. Faltava-lhe rolo da massa para fazer pastéis de massa tenra?Eu faria logo qualquer outra coisa mais simples a substituir mas ela não desistia com facilidade. Uma garrafa resolvia o assunto e foram os pastéis melhores que eu já comi onde a carne do recheio, muito bem temperado, tinha sido cortada à faca à laia de máquina de picados que ficara em Sousel.
Na segunda feira  de Páscoa despovoava-se Évora para se ir comer o borrego ao campo. Logo de manhã fomos acordadas para sair da cama e ir cumprir o ritual. Levou-nos até uma herdade nos arredores. Aí abancámos, toalha no chão, farnel em cima, por enquanto ainda fechado em caixinhas.
Uma volta pela herdade levou-nos a um rebanho de cabras que estava a ser ordenhado. Eu, que detestava leite, vi-me obrigada a provar e ainda hoje conservo na memória o gosto quente e adocicado do leite acabado de ordenhar. Nesse tempo ainda não se falava em febre aftosa...
 Mais tarde, a hora muito desejada do lanche, chegou por fim.
O abrir das caixinhas foi um espetáculo! De lá saíram entre muitos outros petiscos os deliciosos pastelinhos e uns biscoitos de chorar por mais...
E como é que ela os fizera se nem forno tinha ? Nada mais simples : foi a uma mercearia pedir uma lata de bolachas das grandes, fez-lhe uns furos dum lado e doutro,  ligou-os com arames, umas brasas por baixo e aí estava um forno com porta e tudo, pronto para cozer uns bolinhos ou fazer um assado como algumas vezes aconteceu.
Nunca comi tanto e tão bem como naqueles dois anos que lá passei. Era tudo tão saboroso que ninguém podia resistir. Até porque ela não deixaria...
Depois de uma refeição mais que farta, lá vinha o chazinho de folha de limoeiro(nunca mais bebi...) que, dizia ela, era para rebater. Mas, não se podia beber assim um chá sem nada a acompanhar. Então aparecia na mesa umas enormes rodas de um bucho, especialidade trazida de Niza pelo dono da casa.
A mãe Joana sempre foi muito amiga de surpresas e mistérios. Um dia ao sentarmo-nos à mesa estranhámos um grande prato com uma enorme porção de bananas, mas descascadas . Explicação dela : hoje no caixote do lixo  da da governada do menino Eduardinho estavam estas bananas assim descascadas. Aos nossos trejeitos de horror responde muito depressa : não tenham nojo. Estavam assim muito limpinhas em cima dum guardanapo de papel. Sabem que a senhora é um vaso de asseio!  Tanto disse que acabámos por comer todas as bananas.
Alguns meses depois quando já ninguém se lembrava do episódio, surge com um belíssimo licor de banana a acompanhar uns bolinhos que tinha feito.
E foi preciso dar ela uma deixa para recordarmos as bananas da vizinha...
Estas pequenas partidas faziam a sua felicidade.
Perto dali havia uma casa onde estavam hospedadas umas colegas. Quando calhava a ir lá a horas do lanche, ficava estasiada e cheia de inveja pois cada uma tinha em frente uma bandeja com um grande copo de leite com chocolate, (coisa de eu até nem gostava) e um prato com uma enorme fatia de pão cortada a toda a largura de um pão de quilo, barrado com uma farta camada de marmelada. Ora nós não tínhamos aquelas mordomias mas podíamos comer até muito mais do que aquilo pois tínhamos acesso a tudo o que nos apetecesse. Se ela soubesse disto ficaria zangada e com muita razão.
Foi realmente uma mãe para mim e para todas as  que por lá passaram .
Só ela para me fazer passar aqueles dois anos horríveis dum curso que fui forçada a seguir.
Obrigada por tudo Mãe Joana!!!


-Milena Falcato

A ESCADA

Era bastante perigosa a escada que nos levava à rua. Tinha uns degraus muito altos e uma inclinação que a tornava difícil para minha idade e tamanho. Sempre que a descia ou era acompanhada ou ouvia uma série de recomendações que eu fazia por não ouvir pois já me achava muito crescida para ouvir conselhos.
Por ela descia todos os dias em que me conseguia escapulir para ir brincar com o Carlinhos, meu único amigo, que morava uns metros abaixo da minha casa. Era com grande alegria que galgava os degraus deixando para trás os gritos da madrinha que fosse devagar, que ia cair...
Pior era quando os subia de regresso pois quase sempre me esperavam uns açoites, bem merecidos por sinal porque, muitas vezes a mãe dele já se tinha   adiantado a vir contar à minha madrinha as asneiradas em que tinham terminado as nossas brincadeiras. Muito nos divertíamos nós e que saudades eu guardo do meu amigo Carlinhos...
Eu era sonâmbula e uma noite ouvi como se verdade fosse, a minha madrinha chamar-me e dizendo para me apressar para irmos sair.
Muito obediente desta vez, saí da cama, bem enrolada nos cobertores e dirigi-me para a escada. Ali chegada não existiram degraus e só me lembro de me --encontrar no patinho cá em baixo ainda com os cobertores atrás e os meus padrinhos de roda de mim muito assustados sem saberem como tinha eu ali ido parar. Valeram-me os cobertores que me fizeram escapar a resultados muito sérios ou até à morte. Um galarô que toda a noite cantou e por aqui se ficou a aventura sonambulesca...


-Milena Falcato

A BARAFUNDA


Em casa do meu tio Carreço havia uma dependência que apesar de ficar no 1ºandar, era para nós o sótão e tinha um nome: BARAFUNDA.
Ali se se guardava de um tudo . Móveis, caixas, arcas cheias de roupas antigas que nós mais tarde aproveitámos para nos mascararmos e um número interminável de objetos considerados sem préstimo ou à espera de melhores dias em que fossem chamados porque se lhe achara serventia. Havia uma cadeira de verga recostáveis onde eu gostava de me balouçar.
Aquele era o sítio de eleição para nos reunirmos, eu, a Adélia e as minhas primas Maria Inácia e Maria Odete.
Devia haver janela mas nunca a vi aberta e a luz da rua nunca ali entrava. A dependência permanecia numa penumbra que mais adensava o mistério daquele lugar.
Um dia, estávamos nós mais uma vez remexendo, abrindo e fechando arcas e malas, encontrámos um lindo colar vermelho de macias contas ovais não sei se de coral ou qualquer pedra semi preciosa. As contas iam crescendo das mais pequeninas até uma enorme ao meio. Agora à distância vejo que devia ser de grande valor e fora parar aqui por um descuido infeliz.
Virámos e revirámos o colar a imaginar o que poderíamos fazer com ele.
Às tantas uma de nós, parece-me que a Adélia, teve uma brilhante idéia:
-Comêmo-lo!
Bem dito melhor feito. Sentámos-nos em roda no chão e no meio o 'apetitoso' manjar. Partimos o fio e espalhámos as contas pela mesma ordem .
À vez lá fomos engolindo pedra a pedra em seco. Quando começáramos a crescer já era precisa alguma coragem para as mandar goela abaixo mas ninguém se ousou recusar... E ali estava a enorme pedra do meio. Quem se atrevia com ela? Todas sabíamos quem iria ser: seria a Adélia, guela de pato que tudo engolia desde caroços de azeitona a caroços de nêsperas.
Com um grande ritual lá assistimos ao grande e único momento do dia.
Sem mostrar esforço que se visse meteu a pedra na boca e num ápice COMEU-A !!!
Muitos anos depois, já eu adulta e com mais juízo falando com a Natália soube que o colar era da minha prima Flor, mãe da Mina.
MuItos anos ainda se passaram até ganhar coragem para contar à Flor o acontecido.
O meu tio era um grande viajante e de uma dessas viagens trouxera-lhe aquela prenda. Tinha tido um grande desgosto quando o perdera e levou o tempo com medo que ele se lembrasse de lhe perguntar por que não usava a prenda que lhe dera. Vivia naquele tempo lá em casa do tio como foi o caso de muitas outras sobrinhas entre elas a Natália, minha irmã mais velha.
Como era muito minha amiga, assim que lhe contei disse logo:
- já estou a ver! Foi obra da Maria Inácia! Vocês nunca se iriam lembrar duma coisa dessas!
Realmente esta minha prima tinha idéias que não lembravam ao diabo mas daquela vez a obra saíra de todas as nossas cabecinhas. Agradeci mentalmente a amizade da Flor e lá confirmei que realmente a idéia tinha partido da Maria Inácia. Ela que me perdoe...

O AUTOMÓVEL  NO SÓTÃO

Não resisto a contar a  estória dum outro sótão que até parece anedota.
Em casa dos meus pais não havia sótão mas o telhado por cima do primeiro andar estava a uma altura tal que dava à vontade para outro andar e ainda sobrava espaço.
A pessoa que nos comprou o prédio, sabendo disso, resolveu fazer lá mais uma dependência. Qual não foi o seu espanto quando ao abrir o teto se deparou com um automóvel !
Nem toda a gente se pode gabar de ter um automóvel no sótão...
Explicação para o fenómeno:
O meu pai tinha ao lado da casa uma oficina. Havia na família um carro grande que foi substituído por outro mais moderno. Como não o quiseram deitar fora resolveram içá-lo para o telhado da casa. A oficina foi vendida e o dono, na hora da venda, exigiu que fosse levantada uma parede até ao telhado. Quem fez a obra não tirou o automóvel que lá ficou para surpreender o novo dono da casa que não deve ter ganho para o susto!

 -Milena Falcato


Outubro 2013

A CAMINHO DA ESCOLA

Para chegar à escola tinha que atravessar quase toda a cidade mas sempre fui sozinha desde o primeiro dia. Não como hoje acontece com os pais ou familiares a acompanhar as crianças quatro vezes ao dia.
Eu nunca tinha apetite e muito menos ao pequeno almoço. A minha mãe fazia de tudo para que eu comesse e, quando já não havia nada a fazer, dava-me 5 tostões para comprar um brinhol na  Ti 'Dalina. Por vezes tinha direito a um ovo assado nas brasas da fornalha batido com cerveja preta e muito  açúcar que eu apreciava no primeiro dia mas que depressa enjoava.
Fosse a comer o pequeno almoço em casa, fosse a ir à barraca comprar o brinhol, sempre perdia tempo mais que suficiente para chegar atrasada. Claro que, à minha espera logo que pisava o portado da sala, tinha a D. Ludovina à minha espera de régua em riste e muitas vezes era este o único pequeno almoço do dia.
Mesmo sabendo o que me esperava arranjava sempre alguma entretenga para o caminho. Lembro-me particularmente de uma brincadeira  com que me divertia sempre que encontrava mais companheiras no caminho. Para chegar à escola, depois de sair do Largo de S. José onde morava, tinha que percorrer toda a rua de S. António para entrar no Rossio onde ia ao brinhol. Aí já se iam juntando algumas colegas mas a maior parte só surgiriam no largo onde é agora a praça de taxis e o Tribunal. No lugar deste era a Igreja de S. André e onde estão os táxis era a praça de hortaliças. Nesse largo começava então a brincadeira.
Dávamos todas as mãos e algumas de nós seguíamos de olhos fechados guiadas pelas outras. Todas queriam ser a tapar os olhos e havia sempre discussão. Um dia, sem darmos por isso, todas fechámos os olhos ao mesmo tempo e zás! dou com toda a força num candeeiro!!!
Dali ainda tínhamos de atravessar o Terreiro das Covas, a Rua das Freiras e só depois de passar a Fonte de Espírito Santo chegávamos à escola na Rua da Levada. Estão a ver o que tinha de andar para ir à escola? Não admira que chegasse todos os dias em último lugar...
Naquele dia para além do atraso levava metade da cara toda negra e não consegui convencer a professora que tinha caído da cama e não fora tabefe da minha mãe. Antes isso que descobrir o verdadeiro motivo daquele inchaço. Então é que eu ficava com um inchaço maior do outro lado...
Como todos os dias chegava atrasada lá estava ela sempre atrás da porta à minha espera:
-Outra vez a pisar ovos? E trás! Lá vinha a primeira dose do dia!
Uma vez, ao querer apanhar uma companheira, escapou-lhe a régua e bateu com tanta força na carteira que a partiu. Durante uns dias houve folga mas eu , esperando que ela me ficasse muito agradecida disse-lhe que lhe traria um régua nova. Pediria ao meu tio Júlio que era carpinteiro que a fizesse.
Mas o meu tio nunca arranjava vagar para aceder ao meu pedido e ela não me largava,  todos os dias a pedir- me a régua. Um dia em que já não sabia o que lhe dizer, levantei-me com o propósito de não sair de casa sem a dita.
Fui- me ter com o meu tio e tanto o chateei que ele me mandou esperar e logo ali se pôs a fazê-la. Esperei e esperei até que ele acabasse o trabalho. Era uma linda régua de azinho, única madeira com que o meu tio trabalhava, pesada e bem mais grossa que a primeira.
Desta vez em lugar de chegar atrasada chegaria atrasadíssima. Não importava!  Levava-lhe aquela prenda que tanta falta lhe fazia e até me iria agradecer.
Todo o caminho me fui tentando convencer que assim seria e quando cheguei toda ufana apresentei-lhe a régua novinha em folha.
-Outra vez atrasada! gritou. E agarrando na linda prenda que lhe levava deu-me com ela nas mãos enquanto gritava:
-Pois vais já estreá-la!!!
E,  nem nesse dia,  a megera me poupou...


Maria Helena Alves   Novembro 2013

sábado, 16 de novembro de 2013

HISTÓRIA DA CAROCHINHA

Era uma vez uma carochinha que andava a varrer a casinha e achou cinco réis e foi logo ter com uma vizinha e perguntou-lhe: “Oh vizinha, que hei-de eu fazer a estes cinco réis?”
Respondeu-lhe a vizinha: “ Compra doces!”
Nada, nada, que é lambarice!” – respondeu a carochinha
Foi ter com outra vizinha e ela disse-lhe o mesmo; depois foi ter com outra que lhe disse:” Compra fitas,flores,braceletes e brincos, vai-te pôr à janela e diz: "Quem quer   casar com a carochinha, que é bonita e perfeitinha?”
Foi a carochinha comprar muitas fitas, rendas, flores, braceletes de ouro e brincos; enfeitou-se muito enfeitada e foi-se pôr à janela, dizendo:
“Quem quer casar com a carochinha,
 que é bonita e perfeitinha?”

Passou um boi e disse:” Quero eu!”
Como é a tua fala?” –perguntou a carochinha
“Ummm, Ummmm, Ummmmmm” – Mugiu o boi.
“ Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite” – disse a carochinha
O boi foi-se embora. Depois a carochinha tornou outra vez  dizer:
” Quem quer casar com a carochinha
 que é bonita e perfeitinha?”

Passou um burro e disse: “Quero eu, quero eu!”
Como é a tua fala? – perguntou a carochinha
“Em ...ó...em....ó...em....ó...” - zurrou o burro
“Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite!” – disse a carochinha
E o burro foi-se embora.
” Quem quer casar com a carochinha
 que é bonita e perfeitinha?”

Depois passou um porco e a carochinha disse-lhe: - “Deixa-me ouvir a tua fala!”
 “Onnnnn, onnnnn, onnnn” -  grunhiu o porco
“Nada, nada, não me serves que me acordas os meninos de noite.”
E o porco foi-se embora.
Passou um cão e a carochinha disse-lhe: “Deixa-me ouvir a tua fala?
“Béu, béu, béu” – ladrou o cão
“Nada, nada, não me serves que me acordas os meninos de noite!”
E o cão foi-se embora.
Passou um gato, e a carochinha disse-lhe:- ” Deixa-me ouvir a tua fala?”
“Miau, miau, miau” – respondeu o gato
“Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos à noite!” – respondeu a carochinha.
O gato foi-se embora. A carochinha já estava muito triste por não encontrar com quem casar. Pôs-se de novo à janela a dizer:
” Quem quer casar com a carochinha
 que é bonita e perfeitinha?”

Passou um rato e disse : - “Quero eu!”A carochinha perguntou-lhe: “ Como é a tua fala?”
“Chi, chi, chi” – respondeu o rato.
“Tu sim, tu sim, quero casar contigo!” – disse a carochinha muito contente.
Então o ratinho casou com a carochinha e ficou-se chamando João Ratão. Viveram alguns dias muito felizes, mas tendo chegado o Domingo, a Carochinha disse ao João Ratão que ficasse ele a tomar conta na panela que estava ao lume a cozer a sopa, enquanto ela ia à missa.
O João Ratão foi para junto do lume para ver se a sopa estava cozida, meteu a mãe na panela e ficou-lhe lá. Meteu a outra; também lá ficou; meteu-lhe um pé; sucedeu-lhe o mesmo e sem ele dar por isso deu um trambolhão para dentro do caldeirão. E ficou cozido no caldeirão.
Voltou a carochinha da missa e como não visse o João Ratão procurou por todos os buracos e não o encontrou, e disse para consigo: “Ele virá quando quiser, deixa-me ir comer a minha sopa!” . Mas ao deitar a sopa no prato encontrou o João Ratão dentro da panela, morto e cozido.
A carochinha começou a chorar em altos gritos e uma tripeça que ela tinha em casa perguntou-lhe:
Que tens carochinha,
Que estás a chorar?

Morreu o João Ratão
E por isso estou a chorar.

E eu que sou tripeça
Ponho-me a chorar.

 Diz dali uma porta:
 Que tens tu, tripeça
Que estás a dançar?
Morreu o João Ratão
Carochinha está a chorar.
E eu que sou tripeça
Pus-me a dançar.
E eu que sou porta
Ponho-me a abrir e a fechar.

Diz dali uma trave:
 Que tens tu, porta,
Que estás a abrir e a fechar?

Morreu o João Ratão,
Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
 E eu que sou porta
Pus-me a abrir e a fechar.
E eu que sou trave
Quebro-me.

Diz dali um pinheiro:
 Que tens, trave,
Que te quebraste?

Morreu o João Ratão,
Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
 E eu que sou porta
Pus-me a abrir e a fechar,
E eu quebrei-me.
E eu que sou pinheiro
Arranco-me.

Vieram os passarinhos para descansar no pinheiro e viram-no arrancado e disseram:

Que tens, pinheiro,
Que estás no chão?

Morreu o João Ratão,
Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
E eu arranquei-me.
E nós que somos passarinhos
Vamos tirar os olhinhos.

Os passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram á fonte beber água. E diz-lhe a fonte:

Porque foi passarinhos,
Que tirastes os olhinhos?

Morreu o João Ratão
A carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
E nós passarinhos,
Tirámos os olhinhos
E eu que sou fonte
Seco-me

Vieram os meninos do rei com os seus cantarinhos para levarem água da fonte e acharam-na seca e disseram:

Que tens fonte,
Que secaste?

Morreu o João Ratão
A carochinha está a chorar,
Atripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se
O pinheiro arrancou-se,
Os passarinhos tiraram os olhinhos,
 E eu sequei-me.
E nós quebramos os cantarinhos.

E foram os meninos para o palácio e a rainha perguntou-lhes:

Que tendes meninos,
 Que quebrastes os cantarinhos?

Morreu o João Ratão
A carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se
O pinheiro arrancou-se,
Os passarinhos tiraram os olhinhos,
 A fonte secou-se.
E nós quebramos os cantarinhos.
Pois eu que sou rainha
Andarei em fralda pela cozinha.

Diz dali o rei:
E eu vou arrastar o cu
Pelas brasas....
(Versão de Coimbra)


Contos Populares Portugueses, Adolfo Coelho, Ed. Leya (Pág. 43-47)









A FORMIGA E A NEVE

Uma formiga prendeu o pé na neve.
 Disse a formiga:: “Oh neve, tu és tão forte que o meu pé prendes!”
Responde a neve: “ Tão forte sou eu que o Sol me derrete”
Disse a formiga: “ Oh Sol tu és tão forte que derretes a neve que o meu pé prende!”
Responde o Sol:” Tão forte sou eu que a parede me impede!”
Disse a formiga: “Oh parede tu és tão forte que impedes o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde a parede:” Tão forte sou eu que o rato me fura!”
Disse a formiga: “Oh rato tu és tão forte que furas a parede que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
“Responde o rato:” Tão forte sou eu, que o gato me come!”
Disse a formiga: “Oh gato tu és tão forte que comes o rato, que fura a parede que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o gato:”Tão forte sou eu, que o cão me morde!”
Disse a formiga: “Oh cão, tu és tão forte que mordes o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o cão:” Tão forte sou eu que o pau me bate!”
Disse a formiga: “Oh pau tu és tão forte que bates no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o pau: “ Tão forte sou eu, que o lume me queima!”
Disse a formiga: “Oh lume, tu és tão forte que queimas o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o lume:”Tão forte sou eu que a água me apaga!”
Disse a formiga: “Oh água, tu és tão forte que apagas o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde a água: “ Tão forte sou eu que o boi me bebe!”
Disse a formiga: “Oh boi, tu és tão forte que bebes a água, que apaga o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o boi:” Tão forte sou eu que o carniceiro me mata!”
Disse a formiga: “Oh carniceiro, tu és tão forte que matas o boi, que bebe a água, que apaga o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o carniceiro: “ Tão forte sou eu, que a morte me leva!”



Contos Populares Portugueses, Adolfo Coelho, Ed. Leya,  (pág 48-49)