OS NOSSOS ESCRITOS

TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS ELABORADOS PELAS ALUNAS DA DISCIPLINA
POESIA ELABORADA PELAS ALUNAS
POESIA, CONTOS E OUTROS TEXTOS TRABALHADOS NA AULA

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A PRIMEIRA VEZ QUE ME PERDI


A primeira vez que me perdi tinha sete anos. Perdi a minha mãe, a minha casa e a minha família.
 Fiquei só, muito assustada e vi tudo muito escuro e triste. 
Em toda a minha vida fui sempre perdendo alguma coisa ou amizades, mas outras fui adquirindo. 
Mas quando perdi a família ficou tudo escuro e cinzento, ainda hoje não gosto de cores escuras.
Quando fui à praia pela primeira vez tinha já vinte anos e não fazia ideia dos perigos que o mar encerra. 
Fui apanhada por uma onda e pensei que era o meu fim. Só me lembro de me sentir enrolada na onda e ver tudo prateado; nunca tinha sentido tanto medo. 
Quando aprendi a nadar e finalmente perdi o medo já tinha mais de cinquenta anos, mas agora já acho que o mar é azul e consigo nadar sem medo. Agradeço ao meu treinador de natação ter tido tanta paciência comigo. Quando alguém tem medo ele dá-me quase sempre como exemplo pela minha força de vontade em aprender a nadar.


Quando vou a algum sítio desconhecido tenho sempre medo de perder o grupo com quem vou e tento nunca os perder de vista.

 Fevereiro 2014
Eglantina

As Aventuras do Grupo


Este grupinho da dança

São umas mulheres divertidas
Cada uma para seu lado
Todas a fazer partidas.

Lá fomos a Portimão
Todas juntas num grupinho
E o pior era o jantar
Que sempre metia vinho!

Ficamos sem combustível
Na encosta do Castelo
Tudo isto para ir levar
A nossa Jacinta Belo

 


Ms o grupo está maior
E já somos mais de dez
O pior é a altura
Para acertarmos os pés!

Cada uma para seu lado
Todas a tentar dançar
Espero que a paciência da Rita
Nunca se vá acabar.

Dizem que é o grupo das velhas
Eu não estou para me ralar

Muitas o que não têm
É coragem para cá estar.

A Fortunata acerta o passo
A Maximina também,
Eu e a Maria Augusta
Andamos a ver se acertamos também.

Não disse o nome de todas
Já estou sem inspiração,
Mas podem ter a certeza:
Estão todas no meu coração!

Nasce o dia e põe-se o Sol
E só pensamos no palco
Nós pensamos em pular
                                             Mas o físico já está fraco...    
Eglantina
              

A Vida após o Milagre




A mãe de família adoeceu e não havia maneira de melhorar, por mais mezinhas que tomasse. Naquela altura não havia tanto medicamento como hoje e utilizavam-se remédios caseiros, por isso as doenças demoravam muito tempo a passar. Era vulgar que as pessoas pedissem um milagre e por isso faziam-se muitas promessas e rezava-se ao santo da devoção de cada família.
Esta família era devota de Santa Rita, a quem pediram o milagre de curar a mãe e esposa. O milagre aconteceu e a senhora curou-se. Pai e filhos, de joelhos, agradecem a alegria e graça concedida de ter novamente a esposa e mãe de família, que certamente era agora olhada de maneira diferente, uma vez que foi “tocada por Deus”. Ou será que simplesmente queriam a escrava da casa de volta...?

Acho que não, talvez a olhassem como uma santa a quem pediam a benção...

A Primavera que fui


Hoje sou uma mulher velha
Já não sou uma Primavera
Quando tinha vinte anos
Minhas amigas, bela era

Não tinha dores nas costas
Só pensava em ter amores
Corria pelos campos fora
A fazer bouquets de flores

Tanta flor azul e branca
Amarelas, cor de rosa,
No meio de tanta beleza
Também me sentia formosa

Os anos foram passando
E as rugas também chegaram
O meu espírito não envelhece
Só as saudades ficaram

Só ficou a lembrança
Dos meus belos vinte anos
Tudo nasce, tudo morre
Só ficaram os desenganos

Quero dançar e cantar
E andar numa loucura
Não me importo que censurem

A vida nem sempre dura.

Eglantina

A Minha Aventura Caseira





Quando vivi num primeiro andar da Rua 31 de Janeiro, tinha um gato lindo, de olhos verdes e pêlo comprido, que estava sempre à janela.
Um belo dia, seriam umas sete da manhã, eu estava na cozinha a fazer o pequeno almoço quando ouvi um barulho estranho: era o estore da sala que caía com estrondo. O meu pensamento foi logo para o gato e corri para a janela, só para ver já uma bela cauda branca que virava a esquina.
Corri escadas abaixo em aflição a pensar apenas em apanhar o gato. Este, assustado refugiou-se debaixo de um carro e até que eu o conseguisse agarrar e segurar no meu colo apenas emitia um barulho estranho, como um uivo. Finalmente reparei nos olhares estranhos que os passantes me dirigiam: na minha urgência de apanhar o gato nem reparara que estava de cócoras, na rua, em camisa de dormir.
Este gato era muito mimado e esperto. Fazia xi-xi na sanita, sem que tal lhe tenhamos ensinado e dormia na cama da minha filha, que na altura ainda vivia connosco. Quando se ía deitar, a minha filha, levava-o escondido no casaco, mas eu sempre via a sua cauda pendurada... Era gato escondido com rabo de fora...

Depois deste gato tive uma cadela preta, pequenina, que um certo dia se escondeu no roupeiro e me fez andar à procura dela durante uma manhã inteira.
Eglantina

OS BOMBEIROS DE ESTREMOZ



Lá vão os nossos bombeiros

Com as mangueiras no ar
Vão todos muito apressados
Para os fogos apagar

Correm todos apressados
Para aliviar a dor
Dos sinistrados da estrada
Que tratam com muito amor

Mas nós temos que brincar
Há muita espécie de fogo
Se uma moça tem calor
Eles também correm logo

Precisam de viaturas novas
Principalmente de ambulâncias
Algumas estão tão usadas
Que os tombos nos dão ânsias 

E precisam de dinheiro
Vamos todos ajudar
Quero vê-los bem garbosos
E com o estandarte no ar

http://colorir.estaticos.net/desenhos/color/201101/abddcdb384d059b34f357237a01d54f5.pngGosto de os ver a marchar
E desfilar com a fanfarra
Estes soldados da paz
São formigas não cigarras

Quando ouço ambulâncias
Para mim é uma aflição
Será que vão apagar fogo
Ou será uma inundação?

E lá vão todos janotas
Com as fardas a brilhar
São os bombeiros de Estremoz

Ninguém os pode parar




Eglantina  2014

BOLSINHA PORTA-MOEDAS


Bolsinha em Prata



Tinha uma linda bolsinha
Toda ela em prata lavrada
Que me deu minha madrinha
Onde eu guardava a mesada

Um dia que fui teimosa
À missa, eu a levei
Sentia-me tão vaidosa
Que minha mãe não escutei

Mas saiu-me bem cara
Esta minha teimosia
Pois a bolsinha de prata
Nos bolsos a não trazia

Muito chorei nesse dia
mas aprendi a lição
Escutar o que a mãe dizia
Sempre com muita atenção

Aula Poesia e Contos   6 de Fevereiro de 2014

São Sebastião

RUMO DA MINHA VIDA...

Sonhei, sonhar é fácil!... Concretizar esses sonhos é que é mais difícil.
Sonhei um dia, que quando tivesse cabelos brancos e os filhos criados, que iria viver com o meu marido para o Alentejo. Nesse tempo, era para o Baixo Alentejo pois o meu marido é de lá, mas afinal não foi para o Baixo Alentejo , mas sim para o Alto Alentejo, para Estremoz.
O meu sonho não era só esse; mas também  eu  com o meu marido iriamos percorrer o nosso Portugal, de lés-a-lés, sem termos horários nem contas a darmos a ninguém.
Mas, o destino assim não o quis!
Deu-me já nesta idade um neto, e assim, em vez de sermos avós, somos pais-avós. Não é que eu não esteja satisfeita com o nascimento do meu neto e de ter que o criar, cuidar e educar como se ele fosse meu filho. Mas, o que é certo é que os meus sonhos de ter uma velhice tranquila e sem preocupações se gorou.
Não me sinto arrependida de ter trocado os meus sonhos pelo meu neto, pois quando os seus pais se separaram não tinham condições para o educar.
Estou feliz por lhe poder dar uma vida melhor que aquela se ele tivesse ficado a viver com a mãe. Nem sempre as perdas são más.

Aula de Poesia e Conto, Academia Sénior de Estremoz Fevereiro 2014
São  ( 66 anos) 

A GRANDE PERDA

A nossa casa, meu amor, a nossa casa
Ficou ali tão só e abandonada,
Como a ave que ao voar perdeu a asa
Assim me sinto eu desamparada.

Parece que foi ontem, meu amor,
No silêncio de tanta noite estrelada
À tua espera com carinho e com ardor
Que eu sentia os teus passos à chegada

De mãos dadas, tu e eu, tão pobrezinhos
Mas co'a riqueza de termos dois filhinhos
Dia a dia lá fomos labutando

Tão curto foi o caminho percorrido
Perdi-te para sempre meu querido
E agora vou sozinha mendigando

Aula de Poesia e Contos Academia Sénior de Estremoz   Fevereiro 2014

Lúcia Cóias

NO DIA DOS NAMORADOS, VEM A ESTREMOZ

Vem a Estremoz meu amor
Encanto dos meus olhos
E abraça-me com calor
Pr'a beijar os lábios teus

Não te vás embora ainda
Fica, dá-me mais um beijo
Em Estremoz cidade linda
Do meu querido Alentejo

Vem comigo festejar
O dia dos namorados
Em Estremoz vamos ficar
P'ra todo o sempre ligados

Eu queria cantar-te um fado
Que pena não tenho voz
Dou-te um beijo de bom grado
Na cidade de Estremoz

Oh! que encanto tão belo
Meu amor minha riqueza
Anda comigo ao Castelo
Namoramos com certeza

Fui a Estremoz em passeio
Achei-lhe graça tamanha
Meu barquinho de recreio
Contigo andei no Gadanha

Fica em Estremoz meu amor
Cidade que nos encanta
Nela viveu e morreu
A nossa Rainha Santa

Deste-me o teu coração
em troca eu dei-te o meu
Foi grande a nossa paixão
Em Estremoz levei-te ao Céu

Tenho-te amor acredita
Não sejas tão fatalista
Em Estremoz cidade linda
Tu foste a minha conquista

Aula de Poesia e Contos Academia Sénior de Estremoz 14 Fevereiro 2014

Lúcia Cóias


ESTAÇÕES E APEADEIROS DA MINHA VIDA



Perdi tudo na vida
Pelo menos do que me lembro
Era ainda muito nova
E já corria como o vento


Perdi o sonho do amor
Que me fugiu entre as mãos
Perdi tudo na altura
Em que acabou a paixão

Perdi a minha mana
O que muito me revoltou
Ainda tenho saudades dela
Que partiu e não voltou

Mas ganhei uma flor
 dia que a minha filha nasceu
Foi a maior alegria
E graça que Deus me deu

Espero não perder na vida
Nunca este apeadeiro
Pela ordem da vida
Espero partir primeiro

Com o passar dos anos
Na vida tudo se perde
Perdemos família e amigos

Só não se perdem desenganos.



Aula de Poesia e Conto - Eglantina , Fevereiro 2014

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Se Me Esqueceres


Quero que saibas 
uma coisa. 

Sabes como é: 
se olho 
a lua de cristal, o ramo vermelho 
do lento outono à minha janela, 
se toco 
junto do lume 
a impalpável cinza 
ou o enrugado corpo da lenha, 
tudo me leva para ti, 
como se tudo o que existe, 
aromas, luz, metais, 
fosse pequenos barcos que navegam 
até às tuas ilhas que me esperam. 

Mas agora, 
se pouco a pouco me deixas de amar 
deixarei de te amar pouco a pouco. 

Se de súbito 
me esqueceres 
não me procures, 
porque já te terei esquecido. 

Se julgas que é vasto e louco 
o vento de bandeiras 
que passa pela minha vida 
e te resolves 
a deixar-me na margem 
do coração em que tenho raízes, 
pensa 
que nesse dia,


 a essa hora
 
levantarei os braços 
e as minhas raízes sairão 
em busca de outra terra. 

Porém 
se todos os dias, 
a toda a hora, 
te sentes destinada a mim 
com doçura implacável, 
se todos os dias uma flor 
uma flor te sobe aos lábios à minha procura, 
ai meu amor, ai minha amada, 
em mim todo esse fogo se repete, 
em mim nada se apaga nem se esquece, 
o meu amor alimenta-se do teu amor, 
e enquanto viveres estará nos teus braços 
sem sair dos meus. 

Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"
Chile  1904 // 1973  Poeta / escritor




PABLO NERUDA

SONETO AMOROSO DEFENDENDO O AMOR

FRANCISCO QUEVEDO
  É gelo abrasador, fogo gelado, 
é ferida que dói e não se sente, 
é um sonhado bem, um mal presente, 
é um breve descanso fatigado; 
    é um sossego que nos dá cuidado, 
um cobarde com nome de valente, 
solitário andar por entre gente, 
um amar nada mais que ser amado; 
    é uma liberdade encarcerada, 
que dura até ao último momento; 
doença que piora se é tratada. 
    Este o menino Amor, o seu tormento. 
Vede a amizade que terá com nada 
o que em tudo vai contra o seu intento! 

Francisco Quevedo, in 'Antologia Poética' 
Tradução de José Bento

Espanha 1580 // 1645   Poeta

Tenho Saudades da Carícia dos Teus Braços

FLORBELA ESPANCA
Tenho saudades da carícia dos teus braços, dos teus braços fortes, dos teus braços carinhosos que me apertam e que me embalam nas horas alegres, nas horas tristes. Tenho saudades dos teus beijos, dos nossos grandes beijos que me entontecem e me dão vontade de chorar. Tenho saudades das tuas mãos (...) Tenho saudades da seda amarela tão leve, tão suave, como se o sol andasse sobre o teu cabelo, a polvilhá-lo de oiro. Minha linda seda loira, como eu tenho vontade de te desfiar entre os meus dedos! Tu tens-me feito feliz, como eu nunca tivera esperanças de o ser. Se um dia alguém se julgar com direitos a perguntar-te o que fizeste de mim e da minha vida, tu dize-lhe, meu amor, que fizeste de mim uma mulher e da minha vida um sonho bom; podes dizer seja a quem for, a meu pai como a meu toda a gente é mais isolada ainda. Podes dizer-lhe que eu tenho o direito de fazer da minha vida o que eu quiser, que até poderia fazer dela o farrapo com que se varrem as ruas, mas que tu fizeste dela alguma coisa de bom, de nobre e de útil, como nunca ninguém tinha pensado fazer. Sinto-me nos teus braços defendida contra toda a gente e já não tenho medo que toda a lama deste mundo me toque sequer. 

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"
Vila Viçosa 1894 // 1930  Poetisa  


Presídio


DAVID MOURÃO-FERREIRA
Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo 
Que dizer do pescoço, às vezes mármore, 
às vezes linho, lago, tronco de árvore, 
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...? 

E o ventre, inconsistente como o lodo?... 
E o morno gradeamento dos teus braços? 
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne: 
é também água, terra, vento, fogo... 

É sobretudo sombra à despedida; 
onda de pedra em cada reencontro; 
no parque da memória o fugidio 

vulto da Primavera em pleno Outono... 
Nem só de carne é feito este presídio, 
pois no teu corpo existe o mundo todo! 

David Mourão-Ferreira, in “Obra Poética” 

Portugal 1927 // 1996 Poeta/Escritor

Soneto do Maior Amor

  
VINICIUS DE MORAES
Maior amor nem mais estranho existe 
Que o meu, que não sossega a coisa amada 
E quando a sente alegre, fica triste 
E se a vê descontente, dá risada. 

E que só fica em paz se lhe resiste 
O amado coração, e que se agrada 
Mais da vida eterna aventura em que persiste 
Que de uma vida mal-aventurada. 

Louco amor meu, que quando toca, fere 
E quando fere vibra, mas prefere 
Ferir a fenecer – e vive a esmo 

Fiel à sua lei de cada instante 
Desassombrado, doido delirante 
Numa paixão de tudo e de si mesmo. 

Vinicius de Moraes, in 'Antologia Poética'

Brasil  1913 // 1980  Diplomata/ Poeta/ escritor

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A PORTA DA NOSSA CASA

Como seria aquela porta da casinha onde nasci, onde entrei e saí tanta vez, decerto pela mão da minha Mãe que mal conheci e de quem nem sequer o seu bonito rosto está gravado na minha memória?!
Seria uma porta larga, estreita, com batente de ferro ou uma mãozinha que trouxesse um som alegre ou, que sabe, um som pesado, anunciando a entrada para um lar sem amor e sem alegria? Não sei, nem quero lembrar. Recordo sim, e com saudade, uma porta castanha que tinha então a tal mãozinha pesada, com um som lúgubre que fazia eco.
De vestidinho preto e branco, cabelo cortado à " Beatriz Costa" , nela entrei pela primeira vez.
À entrada um átrio de tijolo já comido pelo tempo, seguido de uma enorme escadaria de mármore, que mais tarde eu esfregaria de uma ponta à outra, descalcinha ( aqui para nós, para mim era uma alegria!) até ficar um brinquinho.
Ao cimo dessa escadaria, outra porta. Essa sim, era a entrada de um convento, transformado em Asilo de Crianças Órfãs.
Uma sineta, anunciava alguém que pretendia entrar. Passados que foram uns tantos anos, ainda tenho a sensação do som dessa dita sineta que tanta vez tocou, anunciando a chegada daquela santa velhinha que era a minha Avó, quando me ia visitar.
Tantas e tantas portas tinha aquele asilo e todas elas saudosas e algumas tristes lembranças. Mas, aquela porta larga que nunca se fechava senão à noite, essa sim, era a porta que dava para o jardim da palmeira, o nosso recreio, onde eram esquecidos todos os sofrimentos, castigos, palmatoadas e outras coisas que nem é bom lembrar.
Era o sonho, a fantasia, a alegria esfuziante! Ora era médica ou enfermeira ou o doente que tinha ataques epiléticos e até o padre a pregar o seu sermão.
No bolso, andavam sempre à socapa as cinco pedrinhas para o jogo da china e, outras vezes, os grãos e os feijões mal cozidos, que eu escondia por não ser capaz de os comer. Ali, no terreiro ia-os espalhando um a um, às escondidas. Depois viriam as palmatoadas por causa das nódoas no bibe, mas isso, já era hábito.
As portas das salas de aula davam uma sensação de conforto! era bom aprender tudo! Ler, escrever, contar e sobretudo, bordar com linhas de tantas e lindas cores!
Por fim, passados tantos anos, chegou a hora de transpor definitivamente a tal porta castanha da entrada, a caminho da aventura, da liberdade, do medo e do desconhecido.
Olhos em frente, o coração palpitante mas, uma força enorme de vencer na vida e, por fim, um grande amor, cujos frutos são hoje a razão do meu viver.

Aula de Poesia e Conto, Academia Sénior de Estremoz Junho 2013

Lúcia Cóias

UMA PERDA, UM ACHAMENTO E UMA GRANDE DESILUSÃO

Quando tinha aí os meus 2 ou 3 anos, os meus avós que viviam em Lisboa, ofereceram-me uma boneca que me deslumbrou. Era muito diferente das bonecas de trapo que a minha mãe me fazia ( hoje, a esta distância dou-lhe muito valor, feitas com todos os pormenores, muito bem vestidas e ornamentadas) e também diferente da boneca de louça de que eu gostava, mas que não servia para brincar porque se partia.
Era o último grito da moda em bonecas, era de baquelite. Muito brilhante, tinha a cor da nossa pele, uns olhos azuis pestanudos e maravilha das maravilhas, podia cair no chão que não se partia. Só tinha um senão, não tinha roupa bonita.
Uns tempos antes do Natal, a minha boneca desapareceu. Fiquei desolada. Onde a poderia ter deixado, se eu tinha tanto cuidado com ela? A minha mãe não se zangou, nem a vi muito preocupada.
No dia de Natal, fomos abrir os presentes e tinha no sapatinho uma boneca lindíssima, com um traje de minhota, roupa acetinada, cordões dourados, um deslumbramento. Peguei-lhe encantada e minutos depois tentei despi-la e qual não foi o meu espanto quando descobri que era a boneca desaparecida, os pés e os sapatos que tinha desenhados na própria pele, não deixaram dúvidas. A minha mãe tinha disfarçado tudo muito bem, inclusivé fizera-lhe umas chinelas que eu descalçara. Olhando para a cara não tive dúvidas, eram os mesmos olhos azuis... A minha mãe como o dinheiro não abundava, resolvera reutilizar a boneca, tornando-a deslumbrante no seu traje de minhota feito pelas suas mãos de fada.
O achamento da boneca trouxe-me, porém, uma grande desilusão: afinal o Menino Jesus não existia ...
Aula de Poesia e Conto    Academia Sénior de Estremoz 29 Janeiro 2014
Aura Simões

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O TRANSPORTE DOS ANOS 50/60

Na quinta onde vivi o nosso transporte era um trem puxado por dois cavalos brancos, que eram a menina dos olhos do Sr. Francisco, o cocheiro. Ainda hoje o consigo ver a escovar os cavalos, o que eles muito apreciavam; via-se que estavam felizes.
O Sr. Francisco tinha como farda uma camisola aos quadradinhos brancos e azuis que ele atava à frente com um nó. Era como a farda de um chauffeur, fazia parte dele.
 Quando vínhamos à cidade, o Sr. Francisco engatava os cavalos ao trem e, à hora combinada, estava à porta com o chapéu na mão à espera que nós subíssemos para a carruagem e depois era seguir estrada fora até à cidade.
Eu adorava ir às lojas e na loja do Luís Campos davam-me sempre rebuçados. Mas era sempre a minha madrinha que comprava tudo, não me deixava escolher nada, tudo era à vontade dela. 
Mas o passeio com os cavalos compensava tudo. 
Eu também gostava muito de os ver à solta a pastar no prado verde; era como uma tela de pintor como uma linda paisagem rural.
Tenho saudades daqueles belos cavalos e de toda a azáfama daquela casa rural, onde os animais de que eu tanto gostava faziam parte do dia-a-dia.

Naquele tempo o automóvel era chamado de D. Elvira e arrastadeira mas eram um luxo só para gente rica.


Eglantina
Aula Poesia e Conto, Janeiro 2014