Era uma vez uma carochinha que andava
a varrer a casinha e achou cinco réis e foi logo ter com uma vizinha e
perguntou-lhe: “Oh vizinha, que hei-de eu fazer a estes cinco réis?”
Respondeu-lhe a vizinha: “ Compra
doces!”
Nada, nada, que é lambarice!” –
respondeu a carochinha
Foi ter com outra vizinha e ela
disse-lhe o mesmo; depois foi ter com outra que lhe disse:” Compra fitas,flores,braceletes
e brincos, vai-te pôr à janela e diz: "Quem quer casar com a carochinha, que é bonita e
perfeitinha?”
Foi a carochinha comprar muitas fitas,
rendas, flores, braceletes de ouro e brincos; enfeitou-se muito enfeitada e
foi-se pôr à janela, dizendo:
“Quem
quer casar com a carochinha,
que é bonita e perfeitinha?”
Passou um boi e disse:” Quero eu!”
Como é a tua fala?” –perguntou a
carochinha
“Ummm, Ummmm, Ummmmmm” – Mugiu o boi.
“ Nada, nada, não me serves, que me
acordas os meninos de noite” – disse a carochinha
O boi foi-se embora. Depois a
carochinha tornou outra vez dizer:
”
Quem quer casar com a carochinha
que é bonita e perfeitinha?”
Passou um burro e disse: “Quero eu,
quero eu!”
Como é a tua fala? – perguntou a
carochinha
“Em ...ó...em....ó...em....ó...” -
zurrou o burro
“Nada, nada, não me serves, que me
acordas os meninos de noite!” – disse a carochinha
E o burro foi-se embora.
”
Quem quer casar com a carochinha
que é bonita e perfeitinha?”
Depois passou um porco e a carochinha
disse-lhe: - “Deixa-me ouvir a tua fala!”
“Onnnnn, onnnnn, onnnn” - grunhiu o porco
“Nada, nada, não me serves que me
acordas os meninos de noite.”
E o porco foi-se embora.
Passou um cão e a carochinha
disse-lhe: “Deixa-me ouvir a tua fala?
“Béu, béu, béu” – ladrou o cão
“Nada, nada, não me serves que me
acordas os meninos de noite!”
E o cão foi-se embora.
Passou um gato, e a carochinha
disse-lhe:- ” Deixa-me ouvir a tua fala?”
“Miau, miau, miau” – respondeu o gato
“Nada, nada, não me serves, que me
acordas os meninos à noite!” – respondeu a carochinha.
O gato foi-se embora. A carochinha já
estava muito triste por não encontrar com quem casar. Pôs-se de novo à janela a
dizer:
”
Quem quer casar com a carochinha
que é bonita e perfeitinha?”
Passou um rato e disse : - “Quero eu!”A
carochinha perguntou-lhe: “ Como é a tua fala?”
“Chi, chi, chi” – respondeu o rato.
“Tu sim, tu sim, quero casar contigo!”
– disse a carochinha muito contente.
Então o ratinho casou com a carochinha
e ficou-se chamando João Ratão. Viveram alguns dias muito felizes, mas tendo
chegado o Domingo, a Carochinha disse ao João Ratão que ficasse ele a tomar
conta na panela que estava ao lume a cozer a sopa, enquanto ela ia à missa.
O João Ratão foi para junto do lume
para ver se a sopa estava cozida, meteu a mãe na panela e ficou-lhe lá. Meteu a
outra; também lá ficou; meteu-lhe um pé; sucedeu-lhe o mesmo e sem ele dar por
isso deu um trambolhão para dentro do caldeirão. E ficou cozido no caldeirão.
Voltou a carochinha da missa e como
não visse o João Ratão procurou por todos os buracos e não o encontrou, e disse
para consigo: “Ele virá quando quiser, deixa-me ir comer a minha sopa!” . Mas
ao deitar a sopa no prato encontrou o João Ratão dentro da panela, morto e
cozido.
A carochinha começou a chorar em altos
gritos e uma tripeça que ela tinha em casa perguntou-lhe:
Que
tens carochinha,
Que estás
a chorar?
Morreu
o João Ratão
E por
isso estou a chorar.
E eu
que sou tripeça
Ponho-me
a chorar.
Diz
dali uma porta:
Que
tens tu, tripeça
Que
estás a dançar?
Morreu
o João Ratão
Carochinha
está a chorar.
E eu
que sou tripeça
Pus-me
a dançar.
E eu
que sou porta
Ponho-me
a abrir e a fechar.
Diz
dali uma trave:
Que
tens tu, porta,
Que estás
a abrir e a fechar?
Morreu
o João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A
tripeça está a dançar,
E eu que sou porta
Pus-me
a abrir e a fechar.
E eu
que sou trave
Quebro-me.
Diz
dali um pinheiro:
Que
tens, trave,
Que
te quebraste?
Morreu
o João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A
tripeça está a dançar,
E eu que sou porta
Pus-me
a abrir e a fechar,
E eu
quebrei-me.
E eu que
sou pinheiro
Arranco-me.
Vieram
os passarinhos para descansar no pinheiro e viram-no arrancado e disseram:
Que
tens, pinheiro,
Que
estás no chão?
Morreu
o João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A
tripeça está a dançar,
A
porta a abrir e a fechar,
A
trave quebrou-se,
E eu arranquei-me.
E nós
que somos passarinhos
Vamos
tirar os olhinhos.
Os
passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram á fonte beber água. E diz-lhe a
fonte:
Porque
foi passarinhos,
Que tirastes
os olhinhos?
Morreu
o João Ratão
A
carochinha está a chorar,
A
tripeça a dançar,
A porta
a abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se,
O pinheiro
arrancou-se,
E nós
passarinhos,
Tirámos
os olhinhos
E eu
que sou fonte
Seco-me
Vieram
os meninos do rei com os seus cantarinhos para levarem água da fonte e
acharam-na seca e disseram:
Que
tens fonte,
Que
secaste?
Morreu
o João Ratão
A
carochinha está a chorar,
Atripeça
a dançar,
A porta
a abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se
O pinheiro
arrancou-se,
Os passarinhos
tiraram os olhinhos,
E eu sequei-me.
E nós
quebramos os cantarinhos.
E
foram os meninos para o palácio e a rainha perguntou-lhes:
Que
tendes meninos,
Que quebrastes os cantarinhos?
Morreu
o João Ratão
A
carochinha está a chorar,
A tripeça
a dançar,
A porta
a abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se
O pinheiro
arrancou-se,
Os passarinhos
tiraram os olhinhos,
A fonte secou-se.
E nós
quebramos os cantarinhos.
Pois
eu que sou rainha
Andarei
em fralda pela cozinha.
Diz
dali o rei:
E eu
vou arrastar o cu
Pelas
brasas....
(Versão de Coimbra)
Contos
Populares Portugueses, Adolfo
Coelho, Ed. Leya (Pág. 43-47)