Quando eu tinha 2 anos
de idade, nasceu o meu irmão.
A Srª Margarida
Traquinas foi trabalhar para nossa casa nessa altura. Como eu era muito
pequenina comecei a chamar-lhe Tita e assim ficou para sempre.
A Tita era uma mulher
dos seus 50 anos, cara redonda e sorridente, olhos pequeninos num rosto
simpático e rechonchudo, com um carrapito no alto da cabeça, braços muito
roliços, de estatura média, mais para o baixo, e toda ela redondinha e pronta
para nos aconchegar sempre que eu ou o meu irmão precisávamos dos seus braços.
No quarto do meu irmão
havia duas camas, uma para ele e outra para a Tita. Há uma janela que liga este
quarto com o meu, e que se mantinha sempre aberta, não só para arejar o quarto
que é interior, mas também para que eu sentisse que podia chamá-la sempre que
precisava.
Assim, quando eu tinha
dor de dentes ou de ouvidos eu chamava a Tita para vir ao meu quarto, para me
dar algum medicamento. Quando os sonhos eram maus e acordava assustada com
algum pesadêlo chamava a Tita, muito aflita, para que ela viesse dormir comigo.
Ela, paciente e disponível, não reclamava pelo facto de a ter tirado do sono
reparador e ao meu pedido para se deitar comigo, ela nunca dizia que não.
Deitava-se junto de mim, procurava acalmar-me e em poucos segundos estávamos as
duas a dormir profundamente. Eu acordava-a do seu sono reparador , após um dia
de trabalho intenso. Era a Tita quem cozinhava para todos (cerca de 8 ou 9
pessoas diariamente) quem punha as mesas, quem lavava a louça e quem arrumava
tudo, lá em casa. Não me lembro de vê-la sentada durante o dia, andava sempre a
lidar, a fazer qualquer coisa. Apenas ao serão ela se sentava ao lume e
participava nas conversas da família, pois ela era para nós uma pessoa de
família.
O meu avô Perninhas
contava anedotas e ela começava a rir, a rir, levantava-se da cadeira onde
estava sentada, sempre a rir, a rir à gargalhada e depois começava a dizer:” Ai
que vou fazer xi-xi!! Ai que não me aguento!” e zás, ali mesmo, muitas vezes
fazia xi-xi, ou então conseguia correr para o quintal e sempre a rir, ia fazer
xi-xi no quintal. Nós, que ficávamos na cozinha ríamos a bandeiras despregadas
com toda aquela cena hilariante. E o meu avô muito feliz da vida por ter
conseguido que toda a audiência risse muito alto com as suas anedotas.
As recordações que
tenho dela, são fantásticas. Sempre vi aquela mulher risonha e bem disposta,
pronta a dar-nos o lanche, a calçar-nos a vestir-nos para irmos para a escola.
Não me lembro de a ver arreliada com as nossas embirrações, com as nossas
teimosias de crianças. Nunca lhe ouvi uma palavra mais agressiva ou áspera,
pelo contrário, quando a minha mãe me batia ou se zangava comigo por eu ter
feito alguma coisa que a minha mãe achava que não estava bem, a Tita ficava
muito nervosa por me ver chorar e muitas vezes vinha junto de mim, para me
ajudar a acalmar e para eu parar de chorar.
Ia para todo o lado
connosco. Assim, quando iamos de férias para a Nazaré, ela ia connosco e aí,
apesar de tomar conta da casa e de todos nós, ainda tinha tempo para ir à
praia, tomava conta de mim e do meu irmão e brincava connosco de uma maneira
divertida e alegre. Um ano, vinhamos nós a chegar da Nazaré, eu, a Tita e mais
não sei quem vinhamos na carroçaria da forguneta de meu pai, então quando
passávamos junto da casa da sua filha Maria, esta apareceu à porta, e a Tita
levantou-se muito agitada, e de braços no ar dizia: “Olha a minha Maria!! Olha
a minha Maria!! Oh Maria estamos a chegar!” e gritava para que a filha a visse,
então a forguneta fez uma curva e ela caiu em cima dos colchões e da tralha
toda que trazíamos de um mês de férias, ficou de pernas para o ar, com as saias
todas à cabeça. Foi uma risota e até ela se ria, com o seu riso fácil e alegre.
Conta-se outra
“história” muito engraçada da Tita, da qual eu tenho uma vaga ideia de ter
acontecido. Os meus pais, a minha tia Maria Zé e as minhas tias Adélia e
Marilena foram às festividades de Fátima no dia 13 de Maio, então levaram o meu
balde da praia para fazerem xi-xi, pois dormiam todos na carroçaria da
forguneta. Durante esses 2 ou 3 dias usaram o balde para as suas necessidades
fisiológicas. Quando chegaram a Casa Branca, foram todos jantar e no fim do
jantar a Tita pôs a fruta dentro do dito balde em cima da mesa do jantar. A
minha mãe muito preocupada disse: “Oh Srª Margarida, nós fizemos aí xi-xi
durantes os dias em que estivemos em Fátima!!” e ela muito pronta disse: “ Oh
minha senhora não faz mal, está bem lavado, lavei-o na água da louça!!” bem foi
uma risota à mesa, que ninguém conseguia parar de rir. Ainda hoje se conta esta
história verdadeiramente hilariante.
Uma outra história da
Tita é esta; ela e o meu irmão que teria uns 4 ou 5 anos, foram à noite fazer
xi-xi ao quintal. Ela baixou-se para fazer xi-xi e saiu um pum. O meu irmão
perguntou: “Oh Tita que barulho é este?!” e ela muito rápida respondeu:” É uma
motorizada que vai a passar na rua!!”
Muitas e muitas mais
histórias haveria para contar desta mulher simples, meiga, que entrou na nossa
família para sempre e que nos deixou recordações muito, muito boas.
Deixou-nos quando eu
tinha 11 ou 12 anos. Foi tratar da sua mãe, doente e muito velhinha, que não
tinha mais ninguém que pudesse tratar dela. Eu ia visitá-la a casa da filha,
onde viviam umas 10 pessoas, e lembro-me de vê-la triste, preocupada e com um
olhar nostáligo, pois as saudades de nossa casa eram imensas. A casa era muito
pobre, não tinha nada de conforto, e a pobreza naquele tempo era muito má, pois
não havia reformas nem pensões de velhice. Um dia, fui vê-la e a mãe dela estava
muito muito doente, e ela disse-me que a mãe estava muito mal, quase a morrer.
Então fomos ao quarto e ouvimos o último suspiro da velhinha. Acabara de
morrer. Ela muito triste e muito preocupada comigo, pediu-me que me fosse
embora, pois não era ambiente para mim.
A Tita já não voltou
para nossa casa, ficou a ajudar a filha Maria que tinha muitos filhos. Quando a
Tita saiu de nossa casa, veio para nossa casa a sua neta a Maria Margarida,
filha da sua filha Maria que esteve connosco até casar. Foi outro tempo
maravilhoso, pois a Maria Margarida trouxe para a nossa casa a irreverência da
sua juventude, a sua alegria e boa disposição. Foram anos de muitas alegrias,
muitas partidas de Carnaval, muita risota e muita gente nova que entrava e saía
de nossa casa, pois ela tinha muitas amigas.
Eu estava uma
adolescente muito crescida e desenvolvida. O peito crescia-me todos os dias e a
minha mãe não me queria comprar um soutien porque eu ainda era muito miúda para
usar soutien!! Eu pedia à minha mãe que me comprasse um porque quando corria me doía o
peito. Então a Maria Margarida foi buscar um soutien da minha mãe vestiu-mo e com
uma agulha e linha, começou a fazer pregas, e mais pregas, e ajustou-mo ao meu
corpo magro de adolescente. Assim eu já podia correr sem que as maminhas
chocalhassem e me doessem... a minha mãe não teve outro remédio senão concordar
que eu precisava de um soutien...
Zuzu