OS NOSSOS ESCRITOS

TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS ELABORADOS PELAS ALUNAS DA DISCIPLINA
POESIA ELABORADA PELAS ALUNAS
POESIA, CONTOS E OUTROS TEXTOS TRABALHADOS NA AULA

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

ACADEMIA SÉNIOR DE ESTREMOZ

 Ouvia falar à minha irmã mais velha e a algumas amigas, na Universidade Sénior que frequentavam e sentia grande desejo que em Estremoz houvesse uma coisa igual. Mas nem em Évora, cidade de tradição universitária, ainda tinha sido criada. Muitas foram as vezes em que falei com o meu amigo Abílio, presidente da Câmara, a pedir-lhe que abrisse em Évora uma Universidade para os velhotes. Estava tão interessada que me deslocaria até lá para frequentar as aulas.
Foi durante  a presidência do Alberto Fateixa que finalmente foi criada a Academia Sénior de Estremoz, honra lhe seja feita.
Ainda hoje não sei o porquê de não ser Universidade. Seja como for, ao contrário de todas de que tenho conhecimento, aqui não se paga nada e os professores são voluntários. Funciona no Centro Cultural Dr Marques Crespo  onde ocupa 4 salas para além do auditório onde são dadas as aulas de Ginástica e Canto.
Fui das primeiras pessoas a inscrever-se e em todas as disciplinas que já estavam asseguradas e noutras que eram apenas mera hipótese.
Foi das melhores coisas que me aconteceram.
Sou feliz  aqui, com o são convívio entre nós e com todas as aprendizagens que vou fazendo.
Tenho aulas de Inglês, Cultura, Poesia e Conto, Bordados e Trapologia, Computadores, Teatro, Ginástica e Pintura.
Ainda andei na Dança e no Canto mas tive de desistir por não ter as condições físicas requeridas. Este ano não houve aulas de Inglês por não haver professor disponível.
Eu própria ainda dei Alfabetização e Português, mas as alunas começaram a faltar por razões de saúde delas e dos familiares e, por enquanto, estamos paradas.
Temos uma biblioteca com perto de 300 volumes,  oferta de amigos e professores da Academia. Ainda não está a funcionar talvez por negligência minha e da Aura que ainda não acabámos a catalogação.
No verão passado aproveitámos a sala para nos reunirmos para a "hora do tricot". Para além de tricotarmos bebíamos o chá acompanhado por bolinhos que levávamos. Enfim aproveitamos todos os pretestos para estarmos juntas e passarmos bem o tempo...
Há dez ou onze anos que abriu a Academia e tenho adorado aqui andar.
Tanta gente interessante que conheci e de quem fiquei amiga!
O convívio nas aulas, o muito que aprendi nas várias disciplinas, os trabalhos que produzi em várias áreas, principalmente na Pintura,  Bordados e Internet.
Todos os anos expomos as nossas obras que são sempre muito apreciadas.
Na aula de Poesia e Conto da Zuzu, depois de lermos alguns contos e muita poesia, foi-nos sugerido lançarmo-nos na aventura da escrita criativa.
Tendo como base o livro de Pedro Sena-Lino, "A minha vida num livro", pusemos mãos à obra e todas descobrimos em nós alguns dotes para a escrita que não pensávamos ter.
Perdemos o medo de nos expormos publicamente, contando factos da nossa vida particular, que estavam esquecidas em algum recôndito da nossa memória   e que aí ficariam para sempre.
Temos duas ou três poetisas de serviço que nos têm deliciado com os seus belos poemas.
Escrevo os meus textos no iPad e muitas vezes apagavam-se sem compreender porquê.
Foi quando o meu neto João me deu a ideia de os publicar no facebook porque ali não se perderiam. A princípio não aceitei lá muito bem a ideia,  ainda mais quando na privacidade marcou 'só para amigos'. Ora, pelo menos na minha página, "amigos",  para além dos propriamente ditos, são toda uma multidão de conhecidos ou mesmo completamente desconhecidos. O erro deve ser meu e da minha fraca apetência para trabalhar nestas coisas...
Um resultado tirei no facebook:  a minha família tem-me agradecido a publicação das estórias, algumas delas desconhecidas da grande maioria.
Também alguns amigos têm feito o favor de deixar comentários que muito agradeço.
Continuo a escrever mas nem tudo publico. Penso que são coisas muito particulares que não interessam a mais ninguém como alguém me disse há dias.
Mesmo não concordando muito com essa pessoa, fiquei um pouco alerta... ( essas pessoas são complexadas e não têm coragem de escrever ,muito menos de expor o que escrevem e são más conselheiras ( disse a Zuzu)
Gosto muito das aulas de Cultura dadas pelo professor Mateus. Muitas das várias matérias brilhantemente preparadas pelo professor deram lugar a ótimos passeios de estudo.
Presentemente foi-nos proposto sermos nós os alunos a preparar a aula talvez também para descanso do professor que anda cheio de trabalho.
A pesquisa é sobre o azulejo em Estremoz. Formaram-se vários grupos e foram distribuídos os locais onde cada estudo recairia. Saíram trabalhos muito interessantes que foram apresentados em diversos suportes: em papel, em slides, em PowerPoint,  etc.
Calhou-me a mim fazer o estudo da azulajeria nos conventos e trabalhar com o colega Joaquim Correia.
Ainda fiz uma pequena pesquisa na internet que pouco resultou e não consegui encontrar-me com o colega. Felizmente chegou-se à conclusão que este tema se sobrepunha a outros já trabalhados. Juntei-me então com a Neida e vamos fotografar e documentarmos-nos sobre os azulejos existentes na Igreja dos Mártires, na Igreja da Nossa Senhora da Conceição e mais outra pequena  igreja existente no Castelo e da qual não sei o nome. Por enquanto ainda não nos reunimos para começar...
Está combinado um passeio ao Museu do Azulejo em data ainda a marcar por indisponibilidade do autocarro da Câmara.
O professor tem em vista produzir um livro com o resultado de todos os trabalhos.
Também gosto muito das aulas de teatro com a Luz. Tem experimentado connosco opções de ambientes que compõem os espetáculos que temos apresentado. Tem gostado da disponibilidade que tem encontrado em todas nós e que talvez não fosse possível encontrar em artistas profissionais com quem trabalha.
No dia  28 de Março estivemos em Alandroal onde fomos muito bem recebidos.
Em Julho apresentámo-nos por duas vezes em Estremoz. Já fomos a Évora, Redondo, Mourão e umas seis vezes em Estremoz. Temos sido muito aplaudidos em todas as nossas saídas. No nosso livro temos mensagens muito lisonjeiras de pessoas que têm assistido às nossas "performances".
O próximo "espetáculo" será muito provavelmente no Garcia de Resende em Évora. Viva o luxo!!!
E tem sido assim que tenho preenchido ultimamente a minha vida a fazer coisas que me dão muito prazer, que me obrigam a sair de casa todos os dias apesar de todas as dores que me atormentam.



-Milena Falcato

domingo, 10 de agosto de 2014

AS ESCOLAS

GABRIELA RUIVO TRINDADE E MARIA HELENA

Estava eu a dar aulas em Cabeça de Carneiro quando pedi a exoneração pela primeira vez. Ia casar-me em 9 de junho e resolvi sair antes disso.

Tinha feito o curso muito contrariada e nunca fora de minha escolha ser professora com tudo o que isso implicava na época de Salazar.
Quem como eu residia na aldeia onde dava escola tinha que receber o padre na sala de aulas, preparar as crianças para a comunhão e, se lá ficava no fim de semana, arranjar uma boa desculpa para não ir à missa e assistir à cerimónia final.
O ensino no tempo do fascismo era todo virado para passar às crianças tudo o que devíamos a Salazar: as estrada, as pontes, a paz, tudo isto veiculado ao mais pequeno pormenor nos manuais escolares. Acima dele unicamente Deus!
 Tornava-se insuportável para mim dar aulas e afirmar coisas em que nem de longe acreditava e contra as quais sempre me havia batido.
Embora gostasse muito de crianças e de ensinar não via a hora de me livrar daquele martírio. E foi o casamento que me salvou.
Com o acordo do Jacinto pedi a exoneração e fiquei em casa. Dei explicações,
muitas delas de graça, porque gostava mesmo de ensinar.
Depois dei aulas de francês e matemática na Telescola dirigida pelo professor Amaro.
O Jorge Simões foi durante uns tempos professor de Educação Visual na Escola Secundária de Estremoz. Quando foi chamado para a tropa resolveu dar o salto para a Bélgica e assim se escapar de ir para a guerra.
A minha cunhada Natália conseguiu convencer-me a substituí-lo e assim me tornei professora de Educação Visual durante três anos. Às tantas apareceu no mini concurso uma rapariga que disse ter o curso da António Arroio. Como eu não tinha tantas habilitações. Foi-me proposto ficar a dar aulas no Ciclo Preparatório o que não aceitei e aí pedi a minha segunda exoneração.
Afinal a menina que me substituíu revelou-se ser uma falsificadora.  Quando teve que apresentar os documentos veio a saber-se que nunca tinha sequer frequentado a Escola António Arroio.
Eu já estava fora e não havia volta a dar.
Entretanto tive a Isabelinha que viveu um ano de sofrimento com tetralogia de Fallot e veio a morrer precisamente no dia de aniversário.
A seguir nasceu o Luís Miguel também ele doente com paralisia cerebral e que a partir dos nove dez anos viveu completamente paralisado numa cama. Morreu com dezoito anos.
Um dia procurou-me o senhor Mota a pedir-me para ir substituir a D. Cacilda, sua mãe , que se reformara. E lá fui eu assumir a responsabilidade das quatro classes da primária no Colégio de S. Joaquim. A D. Cacilda, já muito idosa na altura, ensinava como tinha aprendido nos seus tempos mandando às urtigas o novo programa. Foi uma revolução  naquela sala com um ensino mais moderno, com cartolinas com as letras e as palavras que iam aprendendo espalhadas pelo ch
ão ou papéis recortados ou papel frisado para os trabalhos manuais.
A porta da sala tinha um vidro estrategicamente localizado à altura de quem passava e muitas vezes dei com os olhos do Sr. Mota aterrorizados com toda aquela confusão. Nunca me disse uma palavra de reprovação e tanto gostou que, quando o Colégio fechou, me pediu para eu levar os alunos para minha casa até todos completarem a quarta classe. Entre outros tinha como alunos o Miguel,  o José Luis e o Rui respetivamente o filho e os sobrinhos.
Lá fiz um colégio em casa onde se vieram juntar a Teresinha Peres e a Cristina Maldonado como alunas do pré escolar.
A Teresinha viria a ganhar o segundo prémio do " Natal visto pelas crianças"  com um desenho e colagens apresentado numa folha de jornal. Hoje é professora de desenho fazendo jus aos dotes que já se adivinhavam quando criança.



Antes de Cabeça de Carneiro já tinha passado por outras escolas : Ourada, Glória e Mártires. Penso que a Escola dos Mártires fosse a primeira. Lecionava lá nessa altura a minha cunhada Natália e eu ia substituir uma regente escolar a que chamavam menina.              .
Eu tinha 19 anos, pequenina, com uns 40 kg, parecia bem mais uma menina que outra coisa.
A Natália não esteve com meias medidas: chamou todas as pessoas que ali viviam, os alunos e ali botou discurso.
Que era uma professora como ela e nem queria saber de alguém me chamar de menina! Era a Senhora professora  D. Maria Helena! Nem mais!
Eu estava capaz de me enfiar pelo chão abaixo muito envergonhada até porque o meu feitio não era para aquelas coisas. Bem me importava a mim que me tratassem por menina, por Maria Helena ou por outra qualquer maneira que quisessem...
Proibiu a Maria Felismina e o João Armando de me tratarem por tu como sempre o tinham feito porque agora era Professora!!! Para eles seria a prima Maria Helena! Coitadinhos...
Mas ela era mesmo assim toda virada para estes preconceitos. Já não ouviu os alunos da Mata tratarem-me por tu e pelo meu nome. Ficaria no mínimo bastante escandalizada, coitada.




-Milena Falcato

quarta-feira, 25 de junho de 2014

DOCE AMÉLIA


Quis fazer-te uma poesia
Lindas palavras diria
Mas não tive inspiração.
E por mais simples que fosse
O coração só me trouxe
Por ti, grande admiração.

Implorei com sentimento
Palavras vindas do vento
Pr’aquela mulher formosa.
Apesar da sua idade
Guarda ainda mocidade
E é linda como uma rosa.

Qu’importa os cabelos brancos
Olha! Não são assim tantos
E as rugas que o rosto tem.
Só tens é que ter vaidade
Pois tiveste a felicidade
De seres mulher e seres mãe.

Não tenhas pena Amelinha
De já não seres garotinha
Como ainda querias ser.
O tempo passa e não pára
E a gente nunca repara
Que a vida é água a correr.

Com amor  Lúcia Cóias

Estremoz,  25 Junho 2014

AS FÉRIAS NA ERICEIRA

Alguns anos após o 25 de Abril, deu-se o boom  do campismo. Toda a gente fazia campismo. Ia-se à Nauticampo comprar tendas e autocaravanas. A Feira era muito concorrida, havia gente por todos os lados, vendo e apreciando as tendas, casas em miniatura que nos levavam a sonhar com férias baratas,  em contacto directo com a natureza.
O Zé não estava nada entusiasmado, mas como tínhamos alguns amigos que eram uns entusiastas do campismo, lá fomos nós à Nauticampo comprar uma tenda. Vimos uma montada que era uma casa autêntica, podia-se andar lá em pé, os quartos ficavam um de cada lado da tenda e ao meio tinha uma sala, ao fundo era o quarto dos meus pais!
Levámos aquela. Nem nos preocupámos em saber se a conseguiríamos montar!!? Lá fomos nós, felizes e contentes carregados com dois sacos enormes, um da tenda e o outro dos ferros!
Os nossos amigos iam montar a tenda no Parque de Campismo da Ericeira, que tinha sido inaugurado há muito pouco tempo, e nós também fomos com eles. O Parque abria no dia 1 de Junho e podíamos montar lá as tendas até Setembro. Assim fizemos durante 4 anos. Montávamos a tenda e só a tirávamos de lá no final de Agosto ou  Setembro.
Escolhíamos um local próximo dos balneários, e fazíamos uma “aldeia” com as tendas à volta e um terreiro no centro, onde passávamos a maior parte do tempo. Chegámos a ter lá 5 tendas. O meu pai fez uma espécie de portão para se entrar e por cima pôs um letreiro, Aldeia dos Felizardos, ou lá como era... já não me consigo lembrar do nome. O curioso é que os outros campistas respeitavam aquela entrada e ninguém passava por ali. Estávamos completamente isolados do resto dos campistas.
Os nossos amigos tinham filhos da mesma idade das minhas filhas, assim a Vina e o Américo tinham o Paulo e a Sandra, os Teixeiras tinham a Nani, a Vera e o João Pedro, o Tó e a Cândida tinham o João Carlos e o André ( mais pequeninos) . Íamos todos os fins de semana para o campismo e o mês de Agosto era todo lá passado. Amigos e familiares iavisitar-nos, alguns levavam tendas pequenas e ficavam lá alguns dias.Quando decidíamos fazer caldeirada ou sardinhada ou febras grelhadas era para todos. Logo pela manhã, muito cedo íamos à praça da Ericeira e comprávamos o que precisávamos. Na Ericeira aproveitávamos para beber café e comer as célebres “parras” do Salvador, ficávamos ali sentados na esplanada, lendo o jornal e aproveitando o tempo que ainda tínhamos  para depois irmos para o Parque de Campismo. As manhãs muito frescas, o cacimbo da manhã, o cheiro do mar a maresia, o cheiro dos pinheiros criavam um ambiente muito muito agradável.
Íamos a pé, para a praia que fica mesmo em frente do Parque, era uma praia pequena, rodeada  de grandes rochas e com um mar bastante agitado. Não era vigiada, nem tinha bar. Dizíamos que era uma praia selvagem. Era frequentada pelos campistas, por isso tinha muito pouca gente. Não tínhamos medo do mar, as miúdas nadavam o tempo todo, brincavam todos juntos, estávamos felizes.
Como ficávamos no Parque de Campismo muitos meses, todos os fins de semana levávamos alguma coisa que nos estava a fazer lá falta, frigorifico, carpete para o chão da tenda, cadeiras de campismo, televisão, rádio, etc. etc. ... íamos equipando a tenda com tudo aquilo que nós precisávamos.
Passámos momentos muito agradáveis, de verdadeiro convívio e amizade, muito bem dispostos, muito tranquilos. Os meus pais adoravam ir para lá. A minha mãe ia num autocarro de Benfica para a Ericeira, para ficar lá mais tempo, nós íamos buscá-la à Ericeira e depois o meu pai vinha ao fim de semana. Os meus cunhados também eram visitas frequentes. O meu tio Zé Varela e a família ficaram lá uns dias e adoraram aquele convívio.
Os miúdos, os sete e mais alguns que apareciam aos fins de semana, adoravam a brincadeira. Andavam sempre muito bem dispostos, a brincar pelo parque e a andar de bicicleta. A Marta era a mais pequenina, mas todos tinham muita paciência para ela e levavam o tempo todo na brincadeira. À tarde, voltávamos a ir para a praia ou vestíamos as nossas roupas de verão e íamos passear à Ericiera.
Como  éramos muitos, nunca fazíamos refeições às horas dos outros campistas. Quando acabávamos de almoçar ou jantar, já os outros campistas estavam a passear ou a descansar.
Lembro-me da hora de lavar a louça nos lava-louças do parque. Arranjámos uma caixas de plástico da fruta, muito  grandes e aí escorríamos a louça. Eu e a minha mãe pagávamos, uma  de cada lado e lá íamos nós lavar a louça, era uma alegria. Tínhamos os lava-louças por nossa conta, falávamos alto, brincávamos, ríamos. Tudo era uma brincadeira, tudo era divertido, nada nos aborrecia.
Num fim de semana, houve uma enorme  trovoada, seguida de chuva torrencial. Estávamos com medo que chovesse dentro da tenda, mas felizmente isso não aconteceu na nossa tenda. Muitas tendas do parque ficaram completamente inundadas, os colchões a “nadar” dentro das tendas, mas a nossa portou-se muito bem. Tínhamos uma cozinha de campismo, onde cozinhávamos e onde estava o frigorífico. A água corria em regos largos com muitas agulhas dos pinheiros e paus. Entrou pelo motor do frigorífico que ficou completamente tapado com tanta coisa. Pensámos que o frigorífico não ia mais trabalhar, mas não, retirámos a lama, as agulhas dos pinheiros, deixámos secar e no dia seguinte lá estava ele a trabalhar com toda a força. Era o frigorífico que eu tinha levado no meu casamento, era um Hoover, muito resistente e forte, como já não se fabricam, que comprei através do meu tio Jacinto.
Quando chegava a hora de desmontar aquilo tudo, era um quebracabeças. O meu pai tinha uma Ford Transit que ia duas vezes a nossa casa, carregadíssima com tudo o que nós tínhamos vindo a trazer a pouco e pouco.
Eu e o Zé desmontávamos a tenda, o que era um trabalho complicadíssimo, pois a tenda era muito alta e o pano da tenda era enorme. Ficávamos estafados e o Zé que nunca teve jeito para bricolage, arranjava sempre uma enorme dor de cabeça, de tanto cansaço e tanto enervamento.
Durante o inverno, as nossas conversas giravam a volta daqueles meses passados no campismo. Lembrávamos cenas e situações caricatas e divertidas que nos tinham acontecido. Os miúdos falavam com saudade das brincadeiras ao ar livre, da praia e do campismo. No ano seguinte lá estávamos nós outra vez...



Zuzu Baleiro Junho 2014

EM SILÊNCIO

Gosto do silêncio
Faz-me bem.
Em silêncio
escuto a tua voz.
Em silêncio
ouço um pássaro cantar.
Em silêncio
escuto o vento.
Em silêncio
ouço o pensamento
E saboreio palavras que não digo a ninguém.
Em silêncio
escuto os passos da gente que passa.
Em silêncio
ouço a chuva na vidraça.
Em silêncio
olho o mar.
Em silêncio
na tristeza e na alegria.
Em silêncio
Na chegada e na partida.
Em silêncio
cai a noite.
Em silêncio
Nasce o dia.
Em silêncio
passa a vida.

Manuela Fidalgo Marques
Junho 2014

O PUCARINHO

 Não é fácil escrever sobre objectos de estimação, porque ligado a cada um deles, vêm sempre situações dolorosas que se foram rolando ao longo do tempo e não me apetece nada remexer em tudo isso.
Vou, por isso, escolher um púcaro de alumínio, já cheio de amolgadelas, mas que me remete para tempos felizes, sem nunvens.
Associado a ele está a figura da minha tia Palmira que foi um farol na minha infância.
Era cheia de imaginação, sempre a inventar coisas para a criançada – eu, o meu irmão e os filhos dela ( três raparigas e um rapaz ).
Como todos nós eramos franzinos,  “descobriu” que beber leite de burra seria o remédio ideal para de “fraquitos” nos tornarmos em crianças robustas. E pôs o plano em prática: descobriu uma horta no campo, mas não muito longe das nossas casas, onde havia uma burra e cuja dona concordou em nos receber.
E lá íamos, de manhã muito cedo, cada um com o seu pucarinho, beber o milagroso leite de burra. Punhamos o pucarinho junto da teta da burra e a dona ordenhava.
Bebíamos directamente da fonte para não haver contaminações. Beber o leite não era agradável, mas o passeio estrada fora, as brincadeiras, o ar puro, as flores que apanhávamos , os vegetais que trazíamos da horta para serem cozinhados, tudo isso era uma fonte de alegria para nós...
Os passeios para irmos beber o leite terminaram, já não me lembro porquê, mas o pucarinho ainda hoje me recorda esses dias felizes e despreocupados.

Estremoz, Junho 2014


Aura Simões

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Sozinho, na multidão

Sozinho, na multidão
Que me escorraça, vil
Luxando anéis na mão
A mão com que me empurra
E tapa o meu odor…
Para não sentir na alma
O bafo da minha dor
Que dentro de mim sussurra

Sozinho, na multidão
Eu que tudo dei de mim
Acalentei nos meus braços
Gentes sem beira nem pão;
Protegi até ao fim
Quem primeiro viu meus passos;
E estendi o meu manto
A quem dele precisou;
Limpei lágrimas de pranto
Pranto que eu hoje sou

Sozinho na multidão
Cheio de fome com pão
Cheio de sede com água
Morrendo na solidão
Que trago sempre comigo
A alma cheia de mágoa
Por ninguém me dar a mão
Ou um abraço amigo:
Aquele chi-coração

Georgina Ferro