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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A MINHA VIAGEM DE SONHO



Na minha adolescência foi sempre minha aspiração viajar e correr mundo. Ai  de mim que as viagens mais frequentes eram até Casa Branca, terra dos meu pais e, lá muito de longe em longe, uma saída até Lisboa, onde o meu irmão estudava.
Foi já depois de casada que consegui ir concretizando o meu sonho.
Viajei muito mais do alguma vez imaginara e posso dizer que conheço a maior parte da Europa e não só. A maior parte das vezes na companhia da minha amiga Aura.
Mas há uma viagem que ficou para mim inesquecível e se sobrepõe a todas as outras. Foi em Agosto de 1978.
Tinha eu na altura um Datsun 1300 muito grande , com um banco corrido na frente e o meu bom amigo Albardeiro logo o cobiçou para irmos dar uma volta por toda a orla marítima de Espanha, saíndo pelo norte de Portugal, passando por Andorra e França. Viajei muito com estes amigos mas estas férias nunca irei esquecer.
Iria eu com as minhas filhas e marido e o João e a Ana.
Já os preparativos eram um gozo adiantado com mapas estendidos na mesa onde iam sendo marcados os itinerários tudo resolvido unicamente pelo chefe que não nos pedia opinião. A Ana veio a minha casa com um qualquer tecido bera e eu fiz-lhe um reduzidíssimo biquini que mal se via quando molhado. Na bagagem tínhamos ordens severas de só incluirmos o absolutamente indispensável, tanto no que tocasse a roupa como para tudo o resto. A Ana apenas levou o seu belo biquini e um ligeiríssimo vestido de alças. Para mim e minhas filhas ainda meti mais uma peça para além do biquini.
A tenda, colchões, fogareiro e talheres foram atados no tejadilho como era costume naqueles tempos. Na frente sentavam-se os homens com um grande saco ao meio com o resto dos pertences e atrás nós quatro. Quando nos sentávamos íamos quase ao colo umas das outras mas, como o calor era muito e viajávamos sempre de biquini, começávamos a suar e lá nos conseguíamos ajeitar.
Tínhamos uma carteira comum que se ia gastando e renovando sempre que necessário, quatro partes para mim duas para eles. Eu e a Ana ficámos encarregadas das compras e refeições, mas o chefe trazia-nos de rédia curta e nunca na minha vida comi tanta salada e latinha de conserva como naqueles dias. Uma vez por outra assávamos umas sardinhas ou grelhávamos carne.  Apanhámos um calor de esturricar e as gaiatas pediam um gelado. Em vão porque só quando ele lá resolvia muito de longe em longe surgia um geladinho para todos. Era dia de festa!
A tenda era daquelas com um quarto e uma arrecadação que ele deixou em casa levando apenas a cobertura.
A montagem da tenda era um espetáculo: ele ficava com os ferros, o Jacinto com o pano eu com as estacas que a Ana ia martelando e as gaiatas acabavam de arrumar colchões e sacos cama. Batemos um honroso recorde de sete minutos ...
Arranjou um mapa dos parques de campismo à beira mar e todas as noites acampávamos num parque diferente.
Como não levávamos mesa nem cadeiras era encostadas ao capot do carro que tomávamos as nossas belas refeições.

Num dos parques quando apanhámos os donos a tomar banho na praia,  apoderámo-nos de mesas e cadeiras e comemos sentados que nem uns lordes...O que nós nos divertimos !
Muitas foram as peripécias desta viagem e não resisto a contar algumas delas.

Ainda em França, em Pons, chegámos tão tarde que já não encontrámos parque de campismo. Uns populares disseram-nos que poderíamos pôr a tenda ao pé do complexo desportivo que ficava um pouco afastado. Noite cerrada, a custo armámos a tenda e, de cansados que estávamos, logo dormimos. Às tantas acordámos muito sobressaltados com um restolhar e conversa de homens. A custo conseguimos calar as minhas filhas e entrámos todos em pânico. Os homens levantaram-se sorrateiramente cada um com seu martelo dispostos a abrir a cabeça aos assaltantes. Chegados lá fora viram um bando de rapazes de viola e algumas cervejas dispostos a passar um  serão  divertido como era costume fazerem frequentemente ali naquele local. Um resto de noite descansados e, ao acordar de manhã, vimos que estávamos num sítio lindíssimo com um largo rio a correr junto de nós. Mas lá estava uma tabuleta para aterrorizar a Lena que dizia : cuidado! enchentes súbitas ! Toda a gente viu que seria no inverno mas, quem a convencia?
O rio era largo e com uma grande corrente mas com pé.  Ao lavar-me deixei cair os dentes. Grande choro, promessa de se fazer nova placa em Barcelona, quando o Albardeiro pondo os seus conhecimentos científicos e a sua persistência ao serviço do próximo, conseguiu o milagre: ao fim de meia hora de porfiados esforços num rio com uma corrente fortíssima e quando todos já haviam desistido há muito trouxe para terra os três destinos que tanta falta faziam à velhota.
Ainda hoje não compreendo como  ele o conseguiu. O leito do rio  tinha milhares de seixos branquinhos e pequeninos. A placa era transparente deixando apenas ver os dentes que eram iguais aos seixos...

A minha Lena andava perdida de amores por um  rapazinho de Lisboa que estava acampado na serra de Gredos , penso que a mais alta de Espanha, 4000 e tal metros. Tanto chateou o João que ele lhe fez a vontade. Chegados lá não me lembro já se encontrámos o rapaz mas esperáva-nos um panorama fantástico e umas cataratas que caíam num lago natural de água límpidas ondas os campistas se banhavam deliciados.

Para reduzir a bagagem não levámos mesa nem cadeiras e era no capot do carro que nos servíamos das nossas saladas. Perto de Valência resolvemos estender uma toalha no chão , não muito limpo ,  como no resto de Espanha e fazermos um piquenique. Mal tínhamos começado a comer vimos vir em nossa direção um manifestação não sei se proibida porque às tantas choviam tiros de todos os lados. Em segundos juntámos os quatro cantos da toalha com tudo lá dentro e em menos de um fósforo metemo-nos no carro e fugimos dali a toda a pressa.

Em Barcelona fomos acampar no parque Calagogo que à data era um dos melhores da Europa. Armámos a tenda debaixo de chuva e debaixo da mesma fomos para a praia tomar banho sob os olhares trocistas dos outros campistas. Mar esplêndido sem ondas e quentinho. De regresso ao parque metemo-nos numas belas piscinas aquecidas de onde só a custo saímos.
Uma surpresa nos aguardava: a água quente do duche era paga e os pelintras ainda que de má vontade lá se foram refrescar com um belo duche de água gelada...

Em Torreblanca saímos para comprar o almoço  e tivemos que esperar por uma enorme procissão que estava a passar. Todas quatro em biquini a ver passar a procissão perante o olhar reprovador de toda aquela gente...

Em Huelva esperáva-nos uma surpresa desagradável. Logo à entrada do parque vimos toda a fachada da receção negra de fogo recente. A ETA lançara ali na véspera uma potente  bomba. Agradecemos o facto do atraso que tivéramos na viagem que nos fez passar por ali um dia depois...

Chegados a Sevilha, feitas as contas ao que sobrara das nossas economias, foi-nos dito pelo "patrão" que iríamos ter um dia inesquecível.
E levou as quatro maltrapilhas a um bom restaurante onde tivemos um almoço de princesas, comodamente sentadas e a ser servidas com toda a deferência por empregados atenciosos.
Mas não se ficou por aqui. À noite levou-nos ao melhor tablado de Sevilha para um serão deslumbrante de bailado flamengo que nunca poderei esquecer.
Só quem tenha passado por uma contenção nas despesas como  nos aconteceu pode imaginar como aquela situação foi para nós como um sonho feito realidade.

Obrigada João por estas e muitas outras vivências que me proporcionaste.
Nunca te esquecerei, amigo.


-Milena Falcato