OS NOSSOS ESCRITOS

TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS ELABORADOS PELAS ALUNAS DA DISCIPLINA
POESIA ELABORADA PELAS ALUNAS
POESIA, CONTOS E OUTROS TEXTOS TRABALHADOS NA AULA

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A PORTA DA NOSSA CASA

Como seria aquela porta da casinha onde nasci, onde entrei e saí tanta vez, decerto pela mão da minha Mãe que mal conheci e de quem nem sequer o seu bonito rosto está gravado na minha memória?!
Seria uma porta larga, estreita, com batente de ferro ou uma mãozinha que trouxesse um som alegre ou, que sabe, um som pesado, anunciando a entrada para um lar sem amor e sem alegria? Não sei, nem quero lembrar. Recordo sim, e com saudade, uma porta castanha que tinha então a tal mãozinha pesada, com um som lúgubre que fazia eco.
De vestidinho preto e branco, cabelo cortado à " Beatriz Costa" , nela entrei pela primeira vez.
À entrada um átrio de tijolo já comido pelo tempo, seguido de uma enorme escadaria de mármore, que mais tarde eu esfregaria de uma ponta à outra, descalcinha ( aqui para nós, para mim era uma alegria!) até ficar um brinquinho.
Ao cimo dessa escadaria, outra porta. Essa sim, era a entrada de um convento, transformado em Asilo de Crianças Órfãs.
Uma sineta, anunciava alguém que pretendia entrar. Passados que foram uns tantos anos, ainda tenho a sensação do som dessa dita sineta que tanta vez tocou, anunciando a chegada daquela santa velhinha que era a minha Avó, quando me ia visitar.
Tantas e tantas portas tinha aquele asilo e todas elas saudosas e algumas tristes lembranças. Mas, aquela porta larga que nunca se fechava senão à noite, essa sim, era a porta que dava para o jardim da palmeira, o nosso recreio, onde eram esquecidos todos os sofrimentos, castigos, palmatoadas e outras coisas que nem é bom lembrar.
Era o sonho, a fantasia, a alegria esfuziante! Ora era médica ou enfermeira ou o doente que tinha ataques epiléticos e até o padre a pregar o seu sermão.
No bolso, andavam sempre à socapa as cinco pedrinhas para o jogo da china e, outras vezes, os grãos e os feijões mal cozidos, que eu escondia por não ser capaz de os comer. Ali, no terreiro ia-os espalhando um a um, às escondidas. Depois viriam as palmatoadas por causa das nódoas no bibe, mas isso, já era hábito.
As portas das salas de aula davam uma sensação de conforto! era bom aprender tudo! Ler, escrever, contar e sobretudo, bordar com linhas de tantas e lindas cores!
Por fim, passados tantos anos, chegou a hora de transpor definitivamente a tal porta castanha da entrada, a caminho da aventura, da liberdade, do medo e do desconhecido.
Olhos em frente, o coração palpitante mas, uma força enorme de vencer na vida e, por fim, um grande amor, cujos frutos são hoje a razão do meu viver.

Aula de Poesia e Conto, Academia Sénior de Estremoz Junho 2013

Lúcia Cóias

UMA PERDA, UM ACHAMENTO E UMA GRANDE DESILUSÃO

Quando tinha aí os meus 2 ou 3 anos, os meus avós que viviam em Lisboa, ofereceram-me uma boneca que me deslumbrou. Era muito diferente das bonecas de trapo que a minha mãe me fazia ( hoje, a esta distância dou-lhe muito valor, feitas com todos os pormenores, muito bem vestidas e ornamentadas) e também diferente da boneca de louça de que eu gostava, mas que não servia para brincar porque se partia.
Era o último grito da moda em bonecas, era de baquelite. Muito brilhante, tinha a cor da nossa pele, uns olhos azuis pestanudos e maravilha das maravilhas, podia cair no chão que não se partia. Só tinha um senão, não tinha roupa bonita.
Uns tempos antes do Natal, a minha boneca desapareceu. Fiquei desolada. Onde a poderia ter deixado, se eu tinha tanto cuidado com ela? A minha mãe não se zangou, nem a vi muito preocupada.
No dia de Natal, fomos abrir os presentes e tinha no sapatinho uma boneca lindíssima, com um traje de minhota, roupa acetinada, cordões dourados, um deslumbramento. Peguei-lhe encantada e minutos depois tentei despi-la e qual não foi o meu espanto quando descobri que era a boneca desaparecida, os pés e os sapatos que tinha desenhados na própria pele, não deixaram dúvidas. A minha mãe tinha disfarçado tudo muito bem, inclusivé fizera-lhe umas chinelas que eu descalçara. Olhando para a cara não tive dúvidas, eram os mesmos olhos azuis... A minha mãe como o dinheiro não abundava, resolvera reutilizar a boneca, tornando-a deslumbrante no seu traje de minhota feito pelas suas mãos de fada.
O achamento da boneca trouxe-me, porém, uma grande desilusão: afinal o Menino Jesus não existia ...
Aula de Poesia e Conto    Academia Sénior de Estremoz 29 Janeiro 2014
Aura Simões