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terça-feira, 8 de março de 2016

CIGANOS

Ouvi há dias a crónica "o amor é" de Júlio Machado Vaz sobre a maneira como os ciganos foram e são tratados na Suécia. Foram esterilizados, impedidos de entrar no país, as suas crianças foram-lhes retiradas. Fiquei estupefacta pois, embora saiba da perseguição que esta etnia tem sofrido ao longo da história, nunca pensei que isto se pudesse passar na Suécia país que eu pensava ser um modelo de democracia.

Uma cigana que tinha sido convidada para a cerimónia em que o governo iria pedir desculpas públicas pela maneira como a etnia tinha sido tratada, foi impedida de entrar no hotel onde a cerimónia decorria. Pasme-se!!!
Como Júlio Machado Vaz falou da sua boa relação com ciganos também eu quero aqui dar testemunho do meu bom convívio com esta raça.
Tempos houve em que as crianças eram ameaçadas com o homem do saco ou "o cigano" sempre que se recusavam a comer a sopa. Qualquer briga, qualquer roubo tem como primeiros suspeitos os ciganos. No entanto a grande maioria dos crimes, rixas, desrespeito da lei nada têm com eles.
A minha convivência com os ciganos vem da minha infância. O meu pai teve durante muitos anos uma estalagem onde muitos deles tinham residência fixa.
Como tínhamos acesso pela horta era lá que, tanto eu como as minhas irmãs e primas, passávamos grande parte do nosso tempo e das nossas brincadeiras.
Sempre foram muito carinhosos connosco e algumas vezes fugi para ir comer com eles. Ainda hoje faço uma sopa a que chamo "grãos à cigana" que lá comia e de que gosto muito.
 Lembro-me que um dia, no meio duma briga, um deles abriu em cima da mesa de pedra uma navalha de ponta e mola. Eu estava presente e, na minha inocência, quis pegar a navalha para que não se ferissem. Fechou-se na minha mão apanhando-me um dedo de raspão. Ao verem o sangue logo ali a briga se acabou e era ver a aflição dos dois a quererem tratar-me da ferida e o medo de que o meu pai soubesse do sucedido.
Quando nasceu lá uma menina convidaram o meu irmão Aníbal e a minha prima Maria Inácia para padrinhos. Foi-lhe posto o nome de Donalda.
Depois deste são convívio nunca tive ideias pré concebidas como a maioria das pessoas têm sobre os ciganos. Há bons e maus como em todas as raças.
Como professora muitos foram os que passaram pela minha escola. Ainda hoje sou muito amiga de algumas dessas minhas alunas.
Tive uma acção de formação sobre minorias na escola: ciganos, africanos e estrangeiros de vários países .
Estivemos um mês na Cúria com muito bons professores que nos deram a conhecer as origens da etnia cigana e os seus costumes.
Como trabalho final apresentei um estudo sobre uma criança da nossa sala que contou para todos os colegas os hábitos da sua família, em dias de festa, casamentos e mortes. Ensinou-os a dançar e, pelo menos as raparigas aprenderam com ela alguns passos das suas danças tão características.
Durante muitos anos dei alfabetização a adultos e houve anos em que a sala se enchia apenas com pessoas dessa etnia. Alguns pertenciam a famílias que se odiavam mas todos acataram as minhas recomendações de que tudo isso ficava para lá da porta da sala de aula e nunca houve entre eles o mais leve atrito.
Alguns eram bastante inteligentes e aprenderam a ler com uma enorme facilidade. Um que me lembro, vinha sempre irrepreensívelmente vestido, depois de ter passado nos balneários públicos para tomar banho. O mesmo não se poderia dizer da maioria que traziam na pele e nas vestes a marca das péssimas condições em que viviam. Tinha havido mortes nas duas famílias e o luto era guardado, para além do preto com que se vestiam, com o cabelo e barba que nunca mais cortaram e um chapéu que nunca tiravam da cabeça.
No mercado, ainda hoje  encontro alguns desses alunos ou seus familiares que me vêm cumprimentar com muita simpatia.


Maria Helena Alves