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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

OS CASTIGOS

A minha madrinha era, como depois me foi dito, muito severa comigo.
Não me lembro de alguma vez me bater mas recordo alguns castigos que dão razão a quem diz que não era muito boa para mim.
A minha mãe deu de mamar a todos os filhos até aos dois anos mas eu, a partir dos 10 meses, recusei-me terminantemente mamar e daí em diante ninguém me conseguiu fazer beber leite. Mas a minha madrinha todos os dias me punha uma caneca à frente onde eu nem tocava.
Um dia em que mais uma vez eu estava mamando na caneca sem tocar no leite, ela muito zangada diz-me:
Aí queres mamar? Eu já te digo o mamanço!
A mina irmã mais nova, a Olga, tinha poucos meses  e ela mandou o impedido buscar um chupeta das dela e meteu-ma na boca não me deixando tirá-la em todo o dia.
Sempre fui muito niquenta para comer e havia sempre ralhos à hora das refeições. Ficava horas à mesa quando toda a gente já tinha terminado. Tínhamos uma criada, a Antónia,  que gostava muito de mim e se afligia por eu não me despachar e com os castigos da minha madrinha que se seguiam. Então, quando ficava a sós comigo, metia uma colherada à boca enquanto dizia alto e bom som para a madrinha ouvir:
Come Marilena! Despacha-te!
E lá ia comendo todo o meu almoço, para me livrar de mais um  raspanete.
Mas um dia houve em que a sua manha foi descoberta.
A minha madrinha furiosa resolveu dar-me um castigo exemplar:
Havia lá em casa o escritório do meu padrinho onde eu nunca entrava e que via sempre às escuras. Tinha uma janela protegida por grossas grades onde, por trás, cresciam umas ervas enormes que roubavam a luz.
Achava que era aquele o quarto escuro e tinha um medo de morte de me aproximar.
Naquele dia  resolveu que me dava um castigo mesmo a sério. Meteu-me no escritório com a sopa, segundo prato, uma banana, água e inclusíve um bacio e papel para que nada me faltasse e  me desse desculpa para sair dali.
Ali fiquei aos gritos e pontapés na porta até que o meu padrinho chegou para o jantar.
Ela tanto o encheu que não teve outro remédio senão castigar-me mesmo.
Tirou o cinturão grosso de cabedal que usava cruzado no peito com uma grande  fivela dourada, (era tenente), e instado por ela,  deu-me com ele. Suponho que só uma vez e com pouca força mas foi o suficiente para eu começar num grande berreiro, não pela dor que sentia mas pela surpresa pois nunca esperaria tal coisa do meu padrinho.
Tenho gravada na minha memória o que se seguiu: joelhado aos meus pés, abraçando-me e chorando que nem uma Madalena,  o meu padrinho pedia-me perdão...



-Milena Falcato