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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

COISAS PERDIDAS I



Os meus filhos, os meus padrinhos, os meus brinquedos, os meus livros, o Carlinhos, a casa onde nasci, o meu sonho de prosseguir os estudos, a lista é interminável


Choro inúmeras perdas que fui sofrendo ao longo dos meus oitenta anos mas vou recordar aqui uma que ainda perdura na minha memória.
O meu padrinho beijava o chão que eu pisava, como se costuma dizer. Já a minha madrinha era mais austera e não me dava muito mimo. Devia ser para ela uma boneca que queria trazer muito bem vestida com a cabeça cheia de caracóis para mostrar às amigas. Embora apenas me lembre de alguns castigos diziam-me as pessoas que com ela conviviam que era muito má para mim. Ainda há dias numa visita que fiz a uma prima que vai agora fazer 103 anos e é a única sobrevivente daquela época, ela me recordou isso mesmo.
Custa-me acreditar  mas são muitas pessoas a dizer o mesmo.
Na altura de irem para Angola e me deixarem em casa dos meus pais deu-se um  episódio difícil de acreditar e que de certa maneira prova que as pessoas estavam certas. Queriam levar-com eles mas os meus pais não deixaram.
O meu padrinho sempre me encheu de brinquedos caros e tinha entre muitos outros uma linda boneca que chorava e abria e fechava os olhos e um carrinho de verga com uma capota que se levantava onde eu a levava a passear. Mais uns dois ou três também assim grandes mas que já não me recordo quais seriam faziam as minhas delícias e entravam todos os dias nas minhas brincadeiras solitárias.
Pois o que havia a minha madrinha de se lembrar? Assim que chegou a Luanda,  escreveu-me uma carta, a única em sessenta e tal anos que lá esteve, e dentro vinha uma fotografia: numa espaçosa varanda de madeira na frente da vivenda , lá estava ela sentada numa numa cadeira de baloiço.
À sua frente, estava o carrinho com a minha bela boneca e mais  alguns brinquedos espalhados a seus pés.
Ora quem faz isto a uma criança de seis anos que ainda se debatia com ausência daqueles que eram para todos os efeitos os meus pais, não pode realmente ser pessoa bem formada.
Quando cheguei a casa dos meus pais trouxe, mesmo assim, uma grande quantidade de brinquedos (uma arca de madeira cheia) que fizeram as delícias das minhas irmãs que nunca tinham tido nada daquilo.


-Milena Falcato