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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

AS JANELAS


As janelas da casa da minha infância nunca me despertaram grande interesse. Há uma janela no quarto de meus pais e outra na sala de jantar São pequenas, estreitas e ficam muito  altas em relação ao chão, e por isso, mandaram fazer uns estrados em madeira de 25 centímetros de altura por 30 de largura, colocados nos vãos das janelas, para que mais facilmente se chegasse à janela e se pudesse olhar cá para fora. As janelas não são airosas nem alegres, e por isso, a luz que por elas entra não é muito forte, o que dá às duas divisões um ar triste e pouco iluminado.  
Quando queremos ver algo que se passa na rua, temos que subir para o estrado, e de cima deste, podemos então, olhar a rua. Isso, sempre fez que eu nunca gostasse daquelas janelas. De dentro para fora, quando estamos sentados à camilha não vemos nada do que se passa lá fora. Se ouvimos algum barulho diferente, então, lá temos que subir para o estrado, abrir a janela e espreitar lá para fora. De fora para dentro, vive-se a mesma situação, como são muito altas, ninguém pode vir e espreitar à janela, não se vê nada cá para dentro.
Quando eu era muito pequena, gostava de brincar com as minhas bonecas no estrado da janela da casa de jantar, sentava-me ali e passava algum tempo entretida a brincar, mas não muito tempo, porque aquele lugar não tinha sol e eu sentia-o um espaço escuro e fechado...
Aos Domingos, as amigas ou as primas da minha mãe vinham lanchar com ela, então depois do lanche, nas tardes sem chuva, punham-se à janela, onde só cabem duas pessoas, e por isso quando era mais gente, tinham que fazer à vez. Lembro-me de vê-las com os seus melhores vestidos, muito bem penteadas e algumas delas, até se atreviam a pôr um pouco de “rouge” ou de pó-de-arroz, mas nunca pintavam os lábios, pois isso não era de “bom tom” numa senhora casada.
Quando eu tinha os meus cinco ou seis anos de idade, veio para Casa Branca um casal, o Sr. Escobar que era empregado de escritório do Sr. Martinho Rovisco e a D. Rosinha, uma jovem mulher muito bonita, muito elegante, que vestia muito bem e se arranjava como uma senhora da cidade. Penteava-se com uma linda trança que era o enlevo de toda a gente, tinha uma cara muito bonita que as pinturas ajudavam a realçar. Faziam um casal muito bonito, muito elegante, eram jovens e muito bem dispostos. Tinham um filho, o Sérgio, que era da minha idade. Os meus pais fizeram amizade com eles. Todas as tardes de Domingo, os três vinham para nossa casa, onde lanchavam e jantavam. A minha mãe gostava imenso da companhia da D. Rosinha que era mais evoluída que a maioria das amigas de minha mãe, e por isso lhe dava muitos conselhos sobre as modas daquela estação, cremes para o rosto, e até sugestões para se começarem a pintar... de culinária e sobre a decoração da casa... lembro-me que nessa época a minha mãe começou a dar mais atenção à maneira como se arranjava e começou a usar creme de beleza na cara.
Há um episódio muito engraçado, que ainda hoje é falado aqui em casa. Quando se ia a Lisboa, a viagem era de quatro a cinco horas, na furgoneta de meu pai. Então tínhamos que nos levantar por volta das quatro ou cinco horas da manhã, para se chegar a Lisboa pela manhã. Eu nesse dia não ia, estava a dormir no meu quarto. A minha mãe andava a preparar-se e a arranjar-se para saírem o mais cedo possível. A minha mãe chegou ao meu quarto, com as pressas do costume e pergunta-me: - “Oh filha, onde é que está o creme para a cara?” e eu muito ensonada, disse-lhe: “ Oh mãe, está ali!” e apontei para uma das gavetas do psiché que havia no meu quarto. A minha mãe abre a gaveta e vê outro creme e não o que ela procurava, então muito rapidamente diz: “Oh filha não é este, é Benamor!!!!”  . Sempre que estamos a falar de cremes de beleza, vem esta “história” à baila “ Oh filha é  Benamor!!!” é uma risota, pois vem-nos à memória os dias felizes que vivíamos naquela época, onde os meus pais eram um jovem casal, divertido, muito trabalhadores mas ao mesmo tempo muito divertidos, e eu e o meu irmão éramos duas crianças saudáveis, bem dispostas e muito, muito felizes.
ZUZU


A TITA

Quando eu tinha 2 anos de idade, nasceu o meu irmão.
A Srª Margarida Traquinas foi trabalhar  para  nossa casa nessa altura. Como eu era muito pequenina comecei a chamar-lhe Tita e assim ficou para sempre.
A Tita era uma mulher dos seus 50 anos, cara redonda e sorridente, olhos pequeninos num rosto simpático e rechonchudo, com um carrapito no alto da cabeça, braços muito roliços, de estatura média, mais para o baixo, e toda ela redondinha e pronta para nos aconchegar sempre que eu ou o meu irmão precisávamos dos seus braços.
No quarto do meu irmão havia duas camas, uma para ele e outra para a Tita. Há uma janela que liga este quarto com o meu, e que se mantinha sempre aberta, não só para arejar o quarto que é interior, mas também para que eu sentisse que podia chamá-la sempre que precisava.
Assim, quando eu tinha dor de dentes ou de ouvidos eu chamava a Tita para vir ao meu quarto, para me dar algum medicamento. Quando os sonhos eram maus e acordava assustada com algum pesadêlo chamava a Tita, muito aflita, para que ela viesse dormir comigo. Ela, paciente e disponível, não reclamava pelo facto de a ter tirado do sono reparador e ao meu pedido para se deitar comigo, ela nunca dizia que não. Deitava-se junto de mim, procurava acalmar-me e em poucos segundos estávamos as duas a dormir profundamente. Eu acordava-a do seu sono reparador , após um dia de trabalho intenso. Era a Tita quem cozinhava para todos (cerca de 8 ou 9 pessoas diariamente) quem punha as mesas, quem lavava a louça e quem arrumava tudo, lá em casa. Não me lembro de vê-la sentada durante o dia, andava sempre a lidar, a fazer qualquer coisa. Apenas ao serão ela se sentava ao lume e participava nas conversas da família, pois ela era para nós uma pessoa de família.
O meu avô Perninhas contava anedotas e ela começava a rir, a rir, levantava-se da cadeira onde estava sentada, sempre a rir, a rir à gargalhada e depois começava a dizer:” Ai que vou fazer xi-xi!! Ai que não me aguento!” e zás, ali mesmo, muitas vezes fazia xi-xi, ou então conseguia correr para o quintal e sempre a rir, ia fazer xi-xi no quintal. Nós, que ficávamos na cozinha ríamos a bandeiras despregadas com toda aquela cena hilariante. E o meu avô muito feliz da vida por ter conseguido que toda a audiência risse muito alto com as suas anedotas.
As recordações que tenho dela, são fantásticas. Sempre vi aquela mulher risonha e bem disposta, pronta a dar-nos o lanche, a calçar-nos a vestir-nos para irmos para a escola. Não me lembro de a ver arreliada com as nossas embirrações, com as nossas teimosias de crianças. Nunca lhe ouvi uma palavra mais agressiva ou áspera, pelo contrário, quando a minha mãe me batia ou se zangava comigo por eu ter feito alguma coisa que a minha mãe achava que não estava bem, a Tita ficava muito nervosa por me ver chorar e muitas vezes vinha junto de mim, para me ajudar a acalmar e para eu parar de chorar.
Ia para todo o lado connosco. Assim, quando iamos de férias para a Nazaré, ela ia connosco e aí, apesar de tomar conta da casa e de todos nós, ainda tinha tempo para ir à praia, tomava conta de mim e do meu irmão e brincava connosco de uma maneira divertida e alegre. Um ano, vinhamos nós a chegar da Nazaré, eu, a Tita e mais não sei quem vinhamos na carroçaria da forguneta de meu pai, então quando passávamos junto da casa da sua filha Maria, esta apareceu à porta, e a Tita levantou-se muito agitada, e de braços no ar dizia: “Olha a minha Maria!! Olha a minha Maria!! Oh Maria estamos a chegar!” e gritava para que a filha a visse, então a forguneta fez uma curva e ela caiu em cima dos colchões e da tralha toda que trazíamos de um mês de férias, ficou de pernas para o ar, com as saias todas à cabeça. Foi uma risota e até ela se ria, com o seu riso fácil e alegre.
Conta-se outra “história” muito engraçada da Tita, da qual eu tenho uma vaga ideia de ter acontecido. Os meus pais, a minha tia Maria Zé e as minhas tias Adélia e Marilena foram às festividades de Fátima no dia 13 de Maio, então levaram o meu balde da praia para fazerem xi-xi, pois dormiam todos na carroçaria da forguneta. Durante esses 2 ou 3 dias usaram o balde para as suas necessidades fisiológicas. Quando chegaram a Casa Branca, foram todos jantar e no fim do jantar a Tita pôs a fruta dentro do dito balde em cima da mesa do jantar. A minha mãe muito preocupada disse: “Oh Srª Margarida, nós fizemos aí xi-xi durantes os dias em que estivemos em Fátima!!” e ela muito pronta disse: “ Oh minha senhora não faz mal, está bem lavado, lavei-o na água da louça!!” bem foi uma risota à mesa, que ninguém conseguia parar de rir. Ainda hoje se conta esta história verdadeiramente hilariante.
Uma outra história da Tita é esta; ela e o meu irmão que teria uns 4 ou 5 anos, foram à noite fazer xi-xi ao quintal. Ela baixou-se para fazer xi-xi e saiu um pum. O meu irmão perguntou: “Oh Tita que barulho é este?!” e ela muito rápida respondeu:” É uma motorizada que vai a passar na rua!!”
Muitas e muitas mais histórias haveria para contar desta mulher simples, meiga, que entrou na nossa família para sempre e que nos deixou recordações muito, muito boas.
Deixou-nos quando eu tinha 11 ou 12 anos. Foi tratar da sua mãe, doente e muito velhinha, que não tinha mais ninguém que pudesse tratar dela. Eu ia visitá-la a casa da filha, onde viviam umas 10 pessoas, e lembro-me de vê-la triste, preocupada e com um olhar nostáligo, pois as saudades de nossa casa eram imensas. A casa era muito pobre, não tinha nada de conforto, e a pobreza naquele tempo era muito má, pois não havia reformas nem pensões de velhice. Um dia, fui vê-la e a mãe dela estava muito muito doente, e ela disse-me que a mãe estava muito mal, quase a morrer. Então fomos ao quarto e ouvimos o último suspiro da velhinha. Acabara de morrer. Ela muito triste e muito preocupada comigo, pediu-me que me fosse embora, pois não era ambiente para mim.
A Tita já não voltou para nossa casa, ficou a ajudar a filha Maria que tinha muitos filhos. Quando a Tita saiu de nossa casa, veio para nossa casa a sua neta a Maria Margarida, filha da sua filha Maria que esteve connosco até casar. Foi outro tempo maravilhoso, pois a Maria Margarida trouxe para a nossa casa a irreverência da sua juventude, a sua alegria e boa disposição. Foram anos de muitas alegrias, muitas partidas de Carnaval, muita risota e muita gente nova que entrava e saía de nossa casa, pois ela tinha muitas amigas.

Eu estava uma adolescente muito crescida e desenvolvida. O peito crescia-me todos os dias e a minha mãe não me queria comprar um soutien porque eu ainda era muito miúda para usar soutien!! Eu pedia à minha mãe que me comprasse um porque quando corria me doía o peito. Então a Maria Margarida foi buscar um soutien da minha mãe vestiu-mo e com uma agulha e linha, começou a fazer pregas, e mais pregas, e ajustou-mo ao meu corpo magro de adolescente. Assim eu já podia correr sem que as maminhas chocalhassem e me doessem... a minha mãe não teve outro remédio senão concordar que eu precisava de um soutien...
Zuzu

CORREDOR DA CASA DA AVÓ BÁRBARA

O corredor era comprido, muito comprido mesmo, proporcional ao meu medo do escuro. Saía-se da porta da cozinha e entrava-se no corredor. Tínhamos que ir para a esquerda quando íamos para os quartos, pois à direita ficava a porta do quintal.  Eu ia dormir com a minha avó Bárbara, quando a afilhada, que ia lá dormir com ela, não podia. Não era muitas vezes, mas foram as vezes suficientes para eu ir e achar aquela casa grande e escura, cheia de mistérios, ruídos e sombras; ali,  a noite era passada com sobressaltos, ao contrário da noite tranquila que eu teria se dormisse em casa de meus pais.
Depois do serão muito animado, com muita gente sentada à volta da lareira de casa de meus pais, eu e a minha avó lá íamos muito agarradinhas uma à outra a caminho de sua casa. A minha mãe ficava à porta com o cadeeiro a petróleo na mão, a tentar iluminar alguma parte do caminho. A porta da casa da minha avó via-se da porta da minha casa. A minha mãe esperava que nós entrássemos e metia-se para dentro. Quando chegávamos junto da  porta, a minha avó começava a procurar a chave, uma chave grande, que facilmente se deveria encontrar, mas que nunca estava no bolso onde a minha avó procurava, então corria os bolsos todos e depois dizia: “Ai filha!!! Temos que voltar para trás, temos que ir à casa da tua mãe, pois deixei lá a chave!!!”
Então, eu já cheia de medo e aborrecida com aquela cena que se repetia todos os dias, dizia-lhe: - “ Oh avó, veja lá bem!!! A chave deve estar aí nalgum bolso!!” . A minha avó voltava a procurar e lá estava a chave!! A chave que nos abriria a porta que dava para a loja há muito, muito tempo sem actividade. Nada tinha vida ali,  as prateleiras vazias, as gavetas fechadas e vazias, o balcão sem mais nada em cima, senão o candeeiro a petróleo, com a luz muito muito baixinha, que nos esperava.
Entrávamos e a minha avó subia a luz do candeeiro, pegava-lhe e levantava o braço para dar mais luz, uma luz soturna que projectava sombras fantasmagóricas pelas paredes. Eu ia atrás dela, não muito confiante... e entrávamos no corredor comprido, com portas muito altas e estreitas, pintadas de cinzento escuro. Ao fundo, era a cozinha para onde nos dirigíamos. Atravessar o corredor era uma eternidade.
Quando entrávamos na cozinha, a minha avó pousava o candeeiro na mesa e começava logo a mexer de um lado para o outro. Ia ao fogão aquecer o caldo de farinha de trigo que tinha feito pela manhã, ia à despensa buscar o saco imaculado do pão guardado no armário da despensa, ia à gaveta dos talheres na mesa da cozinha buscar a faca muito areada, que parecia de prata e cortava duas fatias finissimas a todo o comprimento do pão, ia à casa de jantar, ao aparador de pedra mármore buscar a tigela da marmelada, que tinha sido feita no tempo dos marmelos. Eu ia buscar as tigelas ao armário de parede, onde estavam os cântaros e tirava as colheres da gaveta dos talheres. Era um ritual. Tudo feito com muita calma, muita tranquilidade, um silêncio quebrado apenas pelas poucas palavras trocadas entre nós. A minha avó punha o caldo de farinha crua nas tigelas e sentadas tranquilamente, comíamos e bebíamos aquele manjar dos deuses. Depois de comermos, a minha avó pegava no candeeiro e íamos corredor fora, até à última porta, a porta do quarto da minha avó. Havia duas camas, a cama de casal de madeira onde dormia a minha avó e uma caminha pequena em ferro, onde dormia a pessoa que lhe ia fazer companhia durante a noite. A minha avó colocava o candeeiro em cima da cómoda alta, de grande gavetões. Começavamo-nos a despir e as nossas sombras projectavam-se pelas paredes caiadas de branco do quarto, criando um ambiente taciturno. As sombras dançavam na parede branca. Eu vestia a camisa de dormir o mais rápido que podia, para me meter na cama, pois o ambiente não me era muito agradável. A minha avó despia-se calmamente, vestia a camisa de dormir de flanela às florinhas e depois preparava-se para se deitar. Antes, levava o candeeiro, com a chama muito baixinha, para o corredor, onde ficava aceso durante toda a noite, e que dava ao quarto uma luz muito difusa de presença. Sentada na cama, já pronta para se deitar, enrolava um xaile preto, já velho, nos joelhos e com muito cuidado para não o desenrolar, metia-se entre os lençóis e cobertores. Por vezes, ainda punha outro xaile velho nos ombros e depois então, com muito cuidado é que se deitava. Eu admirava da minha cama, aquele ritual diário do deitar, pois em minha casa ninguém tinha problemas de dores nos joelhos nem frio nos ombros, e por isso, todos nos deitávamos sem grandes preparos.
De vez em quando, chegava ao quarto um som cavo e difuso, que me assustava e que a minha avó imediatamente dizia: “ São as betas da prima Maria Ezequiel a raspar no chão. O ti Manel deve estar a dar-lhe de comer!!”. Outras vezes, ouviam-se passos muito próximo da janela, eram os homens que saíam do lagar no turno da meia-noite e outros que iam entrar no turno seguinte. Os passos ecoavam no quarto muito nítidos e sonoros, por vezes, ouviam-se  vozes abafadas, tosses cavernosas e o pigarro nas gargantas do tabaco de onça.
Naquele quarto não nos sentíamos isolados do mundo, pois ruídos vindos de todos os lados, emprestavam ao ambiente uma aura de mistério, de medo e ao mesmo tempo de companhia.