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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

À PORTA DE CASA


Sei  que estavas lá embora não me recorde das tuas formas. Apenas que serias pequena e de cor castanha. Não me lembro que alguém a abrisse para eu entrar. Para quê se, mesmo ao teu lado, estava um enorme portão esse sim importante,  e que ficava todo o dia escancarado para acolher toda a gente que passasse. Era por aí que eu entrava para visitar os meus avós maternos quando ia à Casa Branca. Logo à entrada estava o meu avô João Falcato sentado num banquinho de cortiça feito por ele. Havia vários. E o que eu gostava de me sentar num deles, a seu lado, a vê- lo trabalhar. Não sei o que fazia mas lembro que tinha sempre as mãos ocupadas com qualquer trabalho parando apenas para fumar o seu cigarrito. Esse era um ritual quer eu adorava seguir. Primeiro, tirava uma mortalha que segurava cuidadosamente entre os dedos, depois abria uma bolsa de onde saíam uns fios de tabaco muito perfumados que eram colocados sobre a mortalha, enrolados e,  com a língua,  era humedecida a ponta da mortalha. Com um toque final, ali estava um perfeito cigarro que seria calmamente fumado com todo o deleite. Este velho ritual que quase toda gente seguia, contribuía para uma certa contenção no uso do tabaco uma vez que espaçava as horas de fumar.
Ao fundo o meu avô tinha construído um pequeno sobrado onde guardava algumas alfaias e onde eu queria muito subir o que sempre me foi negado. Hoje penso que talvez não pudesse com o meu peso. Mas estas coisas não se explicavam  às crianças. Era não , porque não e pronto!
Na "quadra" à esquerda do portão, outra porta dava acesso à verdadeira habitação. Ali encontrava a avó Rita atarefada com o fogão ou com o lume na chaminé.
Ainda sinto os cheiros que ali pairavam e me abriam  o apetite.  Muitas foram as vezes em que chegava mesmo a horas do almoço. Seria por acaso ou faria de propósito? Inclino-me mais para a segunda hipótese...
Chegava e lá estava mesa posta com o avô já sentado no seu lugar.
Ó filha almoça cá com a gente dizia a avó, pondo logo mais um talher na mesa sem esperar resposta.  Por mais que me apetecesse  aceitar o convite  não o podia  fazer. Tinha sido educada para esperar e apenas dizer sim aí pela terceira insistência. Mas, já ia tarde porque, quando me dispunha finalmente  a sentar-me à mesa dizia de lá o meu avô já um pouco agastado. Está sossegada mulher ! Então tu não ouviste a rapariga a dizer que não quer?!
Mas, nesta altura já a minha avó se adiantara a encher-me o prato e ajeitado a cadeira  para me sentar.
E, à minha esquerda, lá estavas tu toda aberta ou apenas com o postigo entreaberto se estava frio.  Por ti entrava a única claridade que iluminava aquela divisão da casa o que te dava uma importância acrescida.
Mas também quero falara de outras portas, essas sim que eu abri e fechei
centenas de vezes. Eram as portas de um armário de parede, de ripinhas cruzadas de madeira pintadas dum vermelho envelhecido pelos anos. Parece que ainda sinto o cheiro que exalava cada vez que as abria. Havia dias em que lá estava à minha espera um pratinho cheio de toucinho e chouriço frito, noutros o petisco que mais me agradava: umas petingas ou jaquinzinho fritos de sobra do almoço.
O meu avô era homem de poucas palavras não levando muito longe a conversa.
Pelo contrário a avó Rita era uma pessoa bem disposta, conversadora e de quem toda a gente gostava .
Conta-se dela  uma estória  que retrata bem o seu  caráter bondoso.
Iam os meus avós  de passeio na sua carroça que,  naquele tempo, substituía o automóvel. Claro que não iam sózinhos porque logo que começavam a atrelar o macho ou a parelha a família aparecia . Assim a carroça ia lotada de pessoas e atavios vários. Era costume levar pequenas cadeiras para se sentarem. Quando estas se acabavam tudo servia de assento. Seria o caso da minha avó que seguiu mal sentada a um canto da carroça com as costas a bater nas tábuas a cada cova do caminho.
Levantaram-se vozes:
-A avó vai aí mal !
-Não filhos, eu vou é bem de mais!!!
Agora, voltando  ao assunto que deu o mote para esta crónica, ( a porta ), quero dizer que tive um grande desgosto por a família não ter podido conservar a casa. Só me lembra a raiva incontida que senti, na primeira vez que por lá passei e encontrei uma nova moradia com uma parede a substituir o portão e uma porta de alumínio branco onde outrora estivera a "minha porta".

Marilena