OS NOSSOS ESCRITOS

TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS ELABORADOS PELAS ALUNAS DA DISCIPLINA
POESIA ELABORADA PELAS ALUNAS
POESIA, CONTOS E OUTROS TEXTOS TRABALHADOS NA AULA

segunda-feira, 26 de maio de 2014

O JULGAMENTO DA OVELHA

Monteiro Lobato ( 1882-1948)


Um cachorro de maus bofes acusou uma pobre ovelhinha de lhe haver roubado um osso.
-Para que furtaria eu esse osso - alegou ela - se sou herbívora e um osso para mim vale tanto como um pedaço de pau?
-Não quero saber de nada. Você furtou o osso e vou já levá-la aos tribunais.
E assim fez.
Queixou-se ao gavião de penacho e pediu-lhe justiça. O gavião reuniu o tribunal para julgar a causa, sorteando para isso doze urubus de papo vazio.
Comparece a ovelha. Fala. Defende-se de forma cabal, com razões muito irmãs das do cordeirinho que o lobo em tempos comeu.
Mas o juri, composto por carnívoros gulosos, não quis saber de nada e deu a sentença:
-Ou entrega o osso já e já, ou condenamos você à morte!
A ré tremeu: não havia escapatória!... Osso não tinha e não podia, portanto, restituir; mas tinha vida e ia entregá-la em pagamento do que não furtara.
Assim aconteceu. O cachorro sangrou-a, esquartejou-a, reservou para si um quarto e dividiu o restante com os juízes famintos, a título de custas...

Fiar-se na justiça dos poderosos, que tolice!... A justiça deles não vacila em tomar do branco e solenemente decretar que é preto.

***
Esta fábula - disse Dona Benta  - é muito dolorosa. É um verdadeiro retrato da justiça humana; e se eu fosse explicar a lição que existe aqui, levaria um ano.. Não vale a pena. Vocês vão viver, vão crescer, vão conhecer os homens - e irão percebendo a profunda e triste verdade desta fabulazinha ...
-Que quer dizer "maus bofes", vóvó?
- Quer dizer de má índole, de maus sentimentos, e foi por ser assim que o cachorro acusou a pobre ovelha.
-E os urubus juízes também eram de "maus bofes"?
-Não esses eram apenas maus juízes, dos que julgam de acordo com  certos interesses, em vez de julgar de acordo com a justiça.
-Que interesse tinham eles no caso?
-Estavam com fome e queriam comer a ovelha
Emília protestou. Achou que nesse ponto a fábula não tinha "propriedade gastronómica"
-Porquê?
- Por que urubu não come carne fresca, só come carne podre ...
Sítio do Picapau Amarelo


Sítio do Picapau Amarelo é uma série de vinte e três livros de fantasia, escrita pelo autor brasileiro Monteiro Lobato entre1920 e 1947. A obra tem atravessado gerações e geralmente representa a literatura infantil brasileira. O conceito foi introduzido de um livro anterior de Lobato, A Menina do Narizinho Arrebitado (1920), a história sendo mais tarde republicada como o primeiro capítulo de Reinações de Narizinho (1931), que é o livro que serve de propulsor à série Sítio do Picapau Amarelo.

BURRICE



Caminhavam dois burros, um com uma carga de açúcar, o outro com uma carga de esponjas.
Dizia o primeiro:
-Caminhemos com cuidado, porque a estrada é perigosa.
Redarguiu o outro:
-Onde está o perigo? Basta andarmos pelo rastro dos que hoje passaram por aqui.
-Nem sempre é assim. Onde passa um, pode não passar o outro.
_Que burrice! Eu sei viver, gabo-me disso, e a minha ciência toda se resume em só imitar o que os outros fazem.
_ Nem sempre é assim, nem sempre é assim... - continuou a filosofar o primeiro
Nisto alcançaram o rio, cuja ponte caíra na véspera.
-E agora?
-Agora é passar a vau.
O burro do açúcar meteu-se na correnteza e, como a carga se ia dissolvendo ao contacto da água, conseguiu sem dificuldade pôr pé na margem oposta.
O burro das esponjas, fiel às suas ideias, pensou para consigo:
_ se ele passou, passarei também - e lançou-se ao rio.
Mas a sua carga, em vez de esvair-se como a do primeiro, cresceu peso a tal ponto que o pobre tolo foi ao fundo.
_ Bem dizia eu! Não basta querer imitar, é preciso poder imitar - comentou o outro ...

***
- Que é passar a vau? - perguntou Pedrinho.
-É uma expressão antiga e muito boa. Quer dizer "vadear um rio" , passar por dentro da água no lugar mais raso.
-E porque é que a senhora disse "redarguiu"? Não é pedantismo? - quis saber a menina
-É e não é - respondeu Dona Benta. Redarguir é dar uma resposta que é também uma pergunta. Bonito, não é?
-Por que é e não é? Como uma coisa pode ao mesmo tempo ser e não ser?
-É pedantismo para os que gostam de uma linguagem mais simplificada possível. E não é pedantismo para os que gostam de falar com propriedade de expressão.
-E que é propriedade de expressão? - quis saber Narizinho.
-Propriedade de expressão -explicou Dona Benta - é a mais bela qualidade dum estilo. É dizer as coisas com a maior exactidão. Ainda há pouco Emília falou no "ferrinho do trinco da porta". Temos aqui uma "impropriedade de expressão". Se ela dissesse " lingueta do trinco" estaria falando com mais propriedade.
Mas é não é ferrinho? - redarguiu Emília.
-A lingueta do trinco é um ferrinho, mas um ferrinho não é lingueta - pode ser mil coisas

Monteiro Lobato (1882-1948) - A sua popularidade explica-se pelo sentido humano e pela expressão do falar popular que irradia das suas obras. Na sua criação literária, expressa os mais caros sentimentos do povo brasileiro na luta sagrada por uma vida digna. Monteiro Lobato foi militante do Partido Comunista Brasileiro.
Sítio do Picapau Amarelo é uma série de vinte e três livros de fantasia, escrita pelo autor brasileiro Monteiro Lobato entre1920 e 1947. A obra tem atravessado gerações e geralmente representa a literatura infantil brasileira. O conceito foi introduzido de um livro anterior de Lobato, A Menina do Narizinho Arrebitado (1920),


O RATO DA CIDADE E O RATO DO CAMPO

Vou transcrever uma fábula de Monteiro Lobato (1882-1948), grande escritor brasileiro.
Certo ratinho da cidade resolveu banquetear um compadre que morava no mato. E convidou-o para o festim, marcando lugar e hora.
Veio o rato da roça, e logo de entrada muito se admirou do luxo de seu amigo. A mesa era um tapete oriental, e manjares eram coisa papafina: queijo do reino, presunto, pão-de-ló, mãe-benta. Tudo isso dentro dum salão cheio de quadros, estatuetas e grandes espelhos de moldura dourada.
Puseram-se a comer.
No melhor da festa, porém, ouviu-se um rumor na porta. Incontinenti o rato da cidade fugiu para o seu buraco, deixando o convidado de boca aberta.
Não era nada, e o rato fujão logo voltou e prosseguiu no jantar. Mas ressabiado, de orelha em pé, atento aos mínimos rumores da casa.
Daí a pouco, novo barulhinho na porta e nova fugida do ratinho.
O compadre da roça torceu o nariz.
-Sabe que mais? Vou-me embora. Isto por aqui é muito bom e bonito, mas não me serve. Muito melhor roer o meu grão de milho no sossego da minha toca do que me fartar de gulodices caras com o coração aos pinotes. Até logo.
E foi-se
Antologia de Autores Portugueses e Brasileiros , Séculos XIX e XX, DistriEditora, pág244