FLORBELA ESPANCA |
ENCONTROS FLORBELIANOS
VILA VIÇOSA 6 DE JUNHO DE 2014 ZUZU BALEIRO
No dia 6 de Junho, pelas 21 horas reuniu-se um razoável número de pessoas, numa sala do Solar dos Mascarenhas, em Vila Viçosa para dizerem poesia e ouvirem a minha palestra : Poesia no feminino - uma voz de rebeldia.
Escolhi três
mulheres poetisas portuguesas para vos apresentar: Florbela Espanca que nasceu
em Vila Viçosa no ano de 1894,
Sophia de Mello Breyner Andresen que nasceu no Porto em 1919
e Natália Correia que nasceu em Fajã de Baixo, São Miguel,
Açores em 1923 .
Foram três
mulheres excepcionais, que na sociedade, na política e na literatura, nunca
deixaram de lutar pelos seus ideais, de defender as suas ideias, ultrapassando
com perseverança os mais variados obstáculos. Conseguiram romper com o conceito
de normalidade, desprendendo-se das amarras que tentavam silenciar a sua voz e
calar a sua liberdade. Estas mulheres nunca se deixaram influenciar pela
crítica ou pelo preconceito da época em que viveram.
Orgulharam-se
sempre da sua condição de mulher e preocuparam-se com a situação das outras
mulheres. Com uma grande coragem e determinação lutaram e impuseram as suas
ideias, a sua vontade, a sua obra. Em Mulheres Rebeldes de 2004 no capítulo Escritoras
, segundo sexo da literatura, refere-se
que em França, até meados do século XIX, a mulher de letras encarnava uma
figura social repelente. Denominadas “ bas bleus” ( meias azuis) as autoras
eram tidas como escandalosas, debochadas, não fecundas, fermentos de anarquia.
Eram marginalizadas no mundo das letras e criticadas pela sociedade. Quando
alguma mulher era aceite no meio literário, tornava-se logo “um homem das
letras” como aconteceu com George Sand.
Não tem sido fácil à mulher impor-se no meio literário.
Mais frequentemente sujeitas à invisibilidade, as escritoras continuam a lutar
pela neutralidade do género sexual , para não serem assimiladas à categoria
redutora “ literatura feminina”. Natália Correia não queria ser chamada de poetisa, ela queria apenas ser poeta, que é uma denominação que dá
para os dois géneros.
Quero lembrar ,
o esforço que ainda, nos dias de hoje, a mulher do século XXI, precisa de fazer
entre a casa, os filhos, os empregos, a sua vida na sociedade, os seus
interesses políticos, para se manter activa e poder continuar a lutar pelos
seus ideais, para ultrapassar barreiras e
quebrar falsos preconceitos.
Mulheres que
lutaram pelos seus ideais, pelo progresso, pela mudança, pela ruptura
construtiva, enriquecedora da nossa vida colectiva. Estas mulheres partiram
alguns telhados de vidro, mas, nunca conseguiram quebrá-los verdadeiramente e
alargá-los à maioria das mulheres.
Queria falar-vos
do livro “Um quarto que seja seu” de
Virginia Woolf .
Virginia Woolf (nasceu em 1882- e
suicidou-se em 1941) nasceu no seio duma família inglesa da pequena
aristocracia vitoriana. Ainda criança,
Virginia Woolf manifestou a vontade de ser escritora. Apesar dos
condicionalismos da época relativamente à educação e à vida
intelectual das mulheres, ela tinha acesso à biblioteca do seu pai sem
quaisquer restrições. De inteligência brilhante, sabia-se uma
privilegiada. Tinha consciência de que à maioria das mulheres do
seu tempo estava impedido o desenvolvimento intelectual e o acesso à
cultura. As veementes intervenções que teve contra esse estado de coisas
granjearam-lhe reacções adversas.
No livro Um quarto que
seja seu, constituído por duas
preleções feitas nas universidades femininas de Cambridge,
Virgínia aborda o problema da
restrições à educação e à intelectualidade das mulheres da sua época e da
falta de condições quer financeiras quer de autonomia para
poderem expressar essa capacidade. “ ... para uma mulher ser
escritora tem de dispor de dinheiro e de
um cantinho seu, para poder escrever ficção...” refere V. Woolf na pag. 16.
Desenvolveu a sua argumentação com fineza de raciocínio e de
espírito. O conhecimento da vida, da literatura e da História estão bem
patentes nas páginas deste livro.
Estas três mulheres de quem vou falar nasceram em famílias
da classe média e classe média alta que lhes proporcionaram uma educação e uma
instrução que naquela altura não era frequente na maioria das mulheres.
As origens burguesas e uma certa folga económica permitiam
a disponibilidade para os trabalhos intelectuais e para as tertúlias
literárias, preferencialmente femininas. No início do século XX vemos poetisas,
jornalistas, advogadas empenhadas, não tanto na plena igualdade de direitos
entre os sexos, mas no atenuar das diferenças e das injustiças flagrantes. De
algum modo, a partir de 1910, com a instauração do regime republicano, são
promulgadas leis em Portugal que beneficiam a mulher inserida na família.
Não é meu
objectivo analisar detalhadamente a obra de cada uma destas escritoras. Quero
dar-vos os principais traços da vida e da obra de cada uma delas, como pessoa e
consequentemente como poetisa.
Florbela
Espanca é filha de Antónia da
Conceição Lobo (trabalhadora rural) e do republicano João
Maria Espanca. O seu pai aprendeu a profissão de sapateiro,
mas passou a trabalhar como antiquário,
negociante de cabedais, desenhista, pintor, fotógrafo e cinematografista.
Foi um dos introdutores do "Vitascópio de
Edison" em Portugal.
João Maria Espanca era casado com Mariana do Carmo
Toscano. Embora a sua esposa fosse estéril, João Maria teve
filhos de um caso extraconjugal; e assim nasceram Florbela e, três anos depois, Apeles, ambos filhos de
Antónia da Conceição Lobo, e registados como filhos ilegítimos de
pai incógnito. João Maria Espanca criou-os na sua casa, e, apesar de Mariana
ter passado a ser madrinha de baptismo dos
dois, João Maria só reconheceu oficialmente Florbela como sua filha dezoito
anos após a morte desta.
Florbela frequentou a escola Primária em Vila Viçosa. As
suas primeiras composições poéticas são dessa época.
Florbela ingressou então no Liceu Masculino André de
Gouveia em Évora, onde permaneceu
até 1912,
(18 anos). Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar o curso
secundário. Durante os seus estudos no Liceu, Florbela requisitou diversos
livros na Biblioteca Pública de Évora, aproveitando então para ler obras de
Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, Garrett. A poetisa
regressou de novo ao liceu de Évora, em 1917,
onde completou o 11º ano do Curso Complementar de Letras e com 23 anos
matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa. Foi uma das catorze mulheres entre trezentos e quarenta e
sete alunos inscritos. Em meados do 1920 interrompeu
os estudos na Faculdade de Direito
Florbela casou 3 vezes. Em 1913 casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho,
seu colega no Liceu de Évora. O casal morou primeiro no Redondo. Em 1915 instalou-se na casa dos Espanca em Évora, por causa
das dificuldades financeiras.
Com 24 anos, a escritora sofreu as consequências de um aborto involuntário, que
lhe teria infetado os ovários e os pulmões. Repousou em Quelfes
(Olhão), onde apresentou os primeiros sinais sérios de neurose.
Em 1920, sendo ainda casada, a escritora passou a
viver com António José Marques Guimarães, alferes de
Artilharia da Guarda Republicana.
Em 1925, divorciou-se
pela segunda vez. Esta situação abalou-a muito. Ainda em 1925, a poetisa
casou com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento
decorreu em Matosinhos, no Distrito do Porto, onde o casal passou a morar a
partir de 1926.
Em 1919 saiu a sua primeira obra, Livro de Mágoas, um livro de sonetos. A tiragem (duzentos exemplares3 ) esgotou-se
rapidamente.
Em
Janeiro de 1923 veio a lume a sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror
Saudade, edição paga pelo
pai da poetisa. Para sobreviver, Florbela começou a dar aulas particulares de
português.
Em 1927, Apeles Espanca, o
irmão da escritora, faleceu num trágico acidente de avião. A sua
morte foi devastadora para Florbela. Em homenagem ao irmão, Florbela escreveu o
conjunto de contos de As Máscaras do
Destino, volume publicado
postumamente em 1931. Entretanto, a
sua doença mental agravou-se bastante. Em 1928 ela teria tentado o suicídio pela primeira vez.
Florbela tentou o suicídio
por duas vezes mais em Outubro e Novembro de 1930, na véspera da
publicação da sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu definitivamente a vontade de viver.
Não resistiu à terceira tentativa do suicídio. Faleceu em Matosinhos, no dia do
seu 36º aniversário, a 8 de Dezembro de 1930. A causa da morte foi uma
sobredose de barbitúricos.
A sua vida, de apenas
trinta e seis anos, foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de
sofrimentos íntimos que a autora soube transformar em poesia da mais alta
qualidade, carregada de erotização e feminilidade
Na opinião de António José Saraiva e Oscar Lopes,
na História da Literatura Portuguesa, Florbela Espanca é uma das mais
notáveis personalidades literárias. “Referem:
em
primeiro lugar, porque a poética e a prosa de Florbela dificilmente se
enquadram numa única corrente literária, seja uma corrente dominante no seu
tempo ou anterior. »De facto, a poetisa soube construir uma linguagem muito própria, quase uma mitologia lírica ao revelar, no espaço da poesia, sentimentos e desejos próprios, anseios e aspirações muito suas, conquistando na literatura um espaço de libertação de instintos sensuais, sem precedentes até então; sobretudo, revelou, através da linguagem poética o seu ser e a sua intimidade.
Em Florbela são evidentes os traços e as influências de diversas correntes literárias que atravessaram o século XIX, apesar de acusar igualmente proximidades a estéticas do século XX. Diga-se, a propósito, que grande parte da singularidade da obra de Florbela reside no facto de a sua estética literária se enraizar no cruzamento de várias tendências do lirismo do século passado: Florbela admirava Antero de Quental, Júlio Dantas, Guerra Junqueiro, Antero de Figueiredo, José Duro e, sobretudo, António Nobre. Foi nesse universo artístico, onde tentou conciliar a renovação com a tradição poética, que Florbela encontrou elementos para definir a sua linguagem.
A poesia de Florbela evidencia semelhanças estilísticas, estruturais e ideológicas em relação à linguagem de Antero de Quental. Uma delas é a referência frequente ao tema da dor, uma dor existencial, que leva à constante ânsia pela morte e pelo não-ser; trata-se de uma dor existencial próxima daquela que Antero e Camilo Pessanha repetidamente abordaram na sua obra. Por outro lado, o uso da forma clássica do soneto é outro factor de aproximação entre Florbela e Antero, se bem que a aproxime igualmente de outros sonetistas, nomeadamente Camões e Bocage. Herdada de Antero é, também, a expressão de uma visão eminentemente pessimista do mundo, bem como de uma relação difícil com a vida.
São muitos os pontos de contacto entre António Nobre, o autor de «Só» (apresentado, ainda hoje, como o livro mais triste que há em Portugal) e Florbela Espanca, que confessa ter pelo escritor intensa admiração, referindo-se, implicitamente, a «Só» na abertura do «Livro de Mágoas» e, depois, explicitamente, na languidez do soneto «Tardes da Minha Terra». Aliás, Nobre era para a jovem escritora o único poeta. Por outro lado, também o pessimismo e a espera da morte, bem como a ideia da predestinação, recorrente em Florbela, aproximam as suas obras, em paralelo com a temática da saudade.
O Ultra-romantismo é uma corrente literária da segunda metade do séc. XIX, e que se caracterizou por levar ao exagero, e por vezes até ao ridículo, as normas e ideais preconizadas pelo Romantismo, nomeadamente, a exaltação da subjectividade, do individualismo, do idealismo amoroso, da Natureza e do mundo medieval. Temos uma literatura ultra-romântica de qualidade inquestionável em autores como João de Deus, Camilo Castelo Branco, Soares de Passos e Castilho.
O parnasianismo é um movimento literário
desenvolvido na poesia portuguesa do século XVIII, que se aproxima das
tendências realista e naturalista registadas na narrativa. Entre as principais
características deste tipo de poesia, temos a perfeição dos versos, assim como
o tom descritivo, a referência a obras de arte e paisagens. Em Florbela, o
parnasianismo evidencia-se, sobretudo, em sonetos como «Toledo» e «Charneca em Flor».
Encontramos frequentemente nos
versos de Florbela, influências simbolistas e decadentistas, que
manifestam uma necessidade, quase
desesperada, de viver o instante, o momento, o tempo efémero que passa,
sobretudo quando se trata de um tempo feliz, como no soneto «Hora que
Passa», de onde se depreende a referência à fugacidade do tempo e da vida.
Esta temática, abordada quase obsessivamente por Florbela, aproxima-a da corrente simbolista e,
sobretudo, da poesia de Camilo Pessanha. Em segundo lugar, também a referência
constante a estados de espírito marcados pela dor e pelo tédio apontam para uma
forte influência decadentista/simbolista na poética de Florbela, bem como a
imagem das torres de marfim, onde se quis refugiar da
mediocridade e vulgaridade da vida quotidiana. Por último, destaque para os
traços da assimilação da linguagem simbolista - decadentista, bem patentes nas
imagens e no mistério implícito do soneto «Outonal», e também, mas menos
acentuado, em «Charneca em Flor».Apesar de não se ter deixado influenciar pela estética modernista proposta por Fernando Pessoa e pelo grupo do «Orpheu», o ideário e a temática da obra de Florbela Espanca contém uma curiosa proximidade com a escrita de Mário de Sá-Carneiro, membro do grupo «Orpheu». Em primeiro lugar, há uma proximidade ao nível dos dramas pessoais (que Sá-Carneiro revela em «Esfinge» e «Esfinge Gorda»), onde se evidencia a moderna problemática da dispersão, do desdobramento da personalidade, que Florbela partilha nalguns poemas. Além disso, Florbela insere na sua obra a complexa temática da alteridade, bem como a da relação entre o eu poético e os outros, aproximando-se muito do universo temático de Sá-Carneiro, o que se acentua com as referências à crise de identidade do sujeito e à estratégia de fingimento do poeta (enunciada por Fernando Pessoa). Tanto um como o outro, procuravam uma identidade profunda.
Os dois autores têm em comum uma poética de excessos, de estados de espírito extremos, que oscila constantemente entre o desejo de amor e de morte (que encaram de modo semelhante), momentos de loucura e lucidez, luxo e sombras, plenitude e incompletude. Nos seus versos, ambos vagueiam por claustros, sombras e cenários decadentistas, oscilando entre a realidade e um mundo indefinido.
Como Sá-Carneiro, também Florbela quis
aliar a vida e a arte, a realidade e o sonho. Há que sublinhar o resultado
desastroso das suas vidas, pois ambos
morreram jovens e pelo mesmo motivo: suicídio.
SOPHIA DE MELLO BREYNER |
Sophia conta numa entrevista: “ Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava muito. Era uma mulher jovem, loira, muito bonita. A Laura ensinou-me a «Nau Catrineta» porque havia um primo meu mais velho a quem tinham feito aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse atrás...
JCV Gostaria, era que me falasse mais da sua paixão por Camões e por Antero, de quando os começou a ler...
Ler não, que ainda não sabia. Aprendi versos de cor, sem saber ler.
JCV Então isso não foi só com a «Nau Catrineta»?
Não, entre os três e sete anos o meu avô, que dizia muito bem, ensinou-me Camões e Antero.
JCV E sabia poemas de cor nessa idade?
Sabia, sabia. O «Sete anos de pastor Jacob servia» do Camões, «Num sonho todo feito de incerteza», do Antero, também algumas coisas do António Nobre, como «Oh Virgens que passais ao sol poente»... E achava lindo! As crianças compreendem e amam muito mais as coisas do que os adultos imaginam.
JCV Isso teve influência na sua poesia?
Teve influência na minha poesia e teve influência na minha noção da poesia, que deriva muito de eu ter sabido poemas mesmo antes de saber que havia a literatura e história da literatura, de não ter tido (como é que hei-de explicar?) de não ter tido uma relação escolar e sábia com a poesia, mas uma relação vital.
E quando eu
era ainda muito pequena, quando estava em Lisboa, logo de manhã ia para o
escritório do meu avô – que eram três grandes salas seguidas, cheias de livros,
de quadros, de retratos, de mapas e de mil coisas misteriosas – um lugar onde
eu entrava em bicos de pés – e o meu avô punha sempre a tocar um disco de Bach
– talvez por isso a música de Bach foi sempre a que melhor entendi. E na
Granja, à tarde, o José Ribeiro tocava violoncelo, nuns outonos de tardes
oblíquas. E quando estava no Porto ia para Matosinhos para casa do Eduardo e do
Ernesto Veiga de Oliveira e ouvíamos Das Lied von der Erde do Mahler, que nesse
tempo ainda não estava na moda. E em casa do António Calém a música estava
sempre no centro de cada encontro.
Comecei a tentar escrever com doze
anos. Depois aos catorze escrevi mais e a partir daí fui sempre escrevendo. Aí
entre os 16 e os 23 escrevi mais do que em todo o resto da minha vida. Tenho
imensa coisa por publicar dessa época.
Os primeiros versos incluídos na «Poesia» escreveu-os
apenas com 14 anos!?
Sim, alguns, só dois ou três. Às vezes eram poemas muito mais compridos e que eu cortava, cortava, até ficarem três ou quatro versos. Mesmo no «Dia do Mar» há um poema que era muito longo e que ficou reduzido a dois versos. Chama-se «Evohé Bakhos».
Sim, alguns, só dois ou três. Às vezes eram poemas muito mais compridos e que eu cortava, cortava, até ficarem três ou quatro versos. Mesmo no «Dia do Mar» há um poema que era muito longo e que ficou reduzido a dois versos. Chama-se «Evohé Bakhos».
Como
foi recebido o seu primeiro livro?
Acho que foi bem recebido. Foi editado em Coimbra
e quem tratou disso foi o meu amigo chamado Fernando Valle.JCV O dr. Fernando Valle, fundador e grande figura do PS, amigo do Torga...
Não, não é esse, um meu amigo de Lamego que estudava em Coimbra. Foi uma edição de autor que o meu pai pagou. Mas acabei por receber o dinheiro outra vez, uma das coisas que mais me espantou na vida e ainda espantou mais o meu pai. Foi uma edição de 300 exemplares, eu dei para aí 100 e os outros 200 venderam-se e pagaram as despesas. O Fernando Valle reviu as provas e nisso teve a colaboração de alguns escritores que nessa altura por lá andavam...
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Em 1938 inscreve-se no curso de Filologia Clássica na
Universidade de Lisboa que
nunca chegou a concluir, enquanto estudante é dirigente dos movimentos
universitários católicos. “ Quando eu era nova e vim para Lisboa
senti-me longíssimo da praia porque no Porto vivia mais perto do mar. Não
gostava de Lisboa, tinha uma grande nostalgia do Norte. Depois isso foi
passando. E hoje gosto de Lisboa (…).”
Casou-se, em 1946,
com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa
Tavares e foi mãe de cinco filhos. Os filhos motivaram-na a escrever
contos infantis.
Já depois da Revolução de 25 de Abril, foi eleita para
a Assembleia Constituinte, em 1975, pelo círculo do
Porto, numa lista do Partido Socialista, enquanto o seu marido
navegava rumo ao Partido Social Democrata.
Sophia de Mello Breyner Andresen
faleceu, aos 84 anos, no dia 2 de Julho de 2004 no Hospital da Cruz Vermelha.
O seu corpo encontra-se no Cemitério de Carnide.
A
poesia de Sophia
está profundamente marcada pela sua infância e juventude, por valores como
a justiça e, pelo contacto com a
Natureza, muito especialmente com o Mar.
Publicou mais de duas dezenas de livros de poesia, sendo por isso considerada como uma das maiores e mais
eloquentes vozes da poesia portuguesa
contemporânea.
Sophia apresenta-nos uma poesia de grande fidelidade à realidade do mundo.
A sua poesia busca a ordem e o equilíbrio do universo. Poesia das origens,
busca a ordem do mundo, a modelação do caos para a criação do cosmos, ou seja,
da ordem e do equilíbrio do Universo.
A sua poesia estabelece uma relação com as coisas e com o mundo. A palavra
assume-se como um agente de transfiguração da realidade que revela o
divino e o terreno. Sophia criou uma literatura de empenhamento social e
político, de compromisso com o seu tempo e de denúncia das injustiças e da
opressão. Sophia na sua poesia conserva e reforça continuamente uma relação
privilegiada com o mar, com o vento, com o sol e a luz, com Terra e toda a
vegetação. Abre os seus sentidos, na captação das sensações da natureza. A
natureza é um espaço primordial, onde o Eu se reencontra com a sua nudez e
beleza plena, fugindo da cidade. Segundo Sophia, as cidades são espaços
dessacralizados, negativos, de conflitos e desencontros. A poetisa procura,
acima de tudo, a transparência, o universo organizado, dai a reconstrução da
aliança entre os homens, a natureza e as coisas é uma constante, na sua
obra. O acto poético é um acto mágico capaz de projectar, por palavras
mágicas a realidade e a relação intima com as coisas , com o Universo.
Sophia busca a perfeição e a harmonia de um ser humano que saiba erguer-se
a partir das suas limitações e imperfeições. Não celebra os deuses para que os
homens sejam como eles, mas celebra os Deuses para tornar os homens mais
divinos, mais capazes de avançar para a margem do Bem e da Verdade. O mundo
antigo, a que Sophia recorre, simboliza não só as origens, mas também a
perfeição e a unidade ou o tempo absoluto que procura. Está
constantemente presente na sua poesia o jogo dos quatro elementos primordiais (água, terra, ar, fogo) . A natureza (“espantoso esplendor
do Mundo”) é uma das suas principais fontes de inspiração, conotada de diversos
significados; ora ligada à ideia de beleza estética e poética, pela sua
perfeição e variedade de cores e formas, ora associada ao mistério, ora
traduzindo o reencontro individual com a solidão ou ainda o lugar de união com
aquilo que há de mais verdadeiro e puro.
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NATÁLIA CORREIA |
Natália Correia tinha apenas onze anos ( 1934 ) quando o
pai emigrou para
o Brasil.
Natália Correia com a mãe e a irmã vieram viver para Lisboa, cidade onde fez os
estudos liceais, no Liceu D. Filipa de Lencastre.
Iniciou-se na literatura com a publicação de uma obra
destinada ao público infanto-juvenil mas rapidamente se afirmou como poetisa.
Natália Correia casou quatro vezes. Após dois primeiros
curtos casamentos, casou em Lisboa em 1953 com Alfredo Luís Machado
(1904-1989), a sua grande paixão, era 33 anos mais velho quando casou com
Nátalia Correia ( com 20 anos) já era viúvo. Este casamento durou até à morte deste em 1989. São notáveis as cartas de amor da jovem
Natália para Alfredo Luís Machado.
Em 1990, tinha Natália 67 anos de idade, celebrou um casamento de
conveniência com o seu colaborador e amigo Dórdio Guimarães.
Natália
Correia – ficou
notabilizada através de diversas vertentes da escrita, já que foi poetisa,
dramaturga, romancista, ensaísta, tradutora, jornalista, guionista e
editora ; tornou-se conhecida na imprensa escrita e, sobretudo, na
televisão, com o programa Mátria, onde advogou uma forma especial
de feminismo - matricismo, identificador
da mulher como arquétipo da liberdade erótica e passional e fonte matricial da
humanidade;
Contudo, foi na poesia que encontrou a expressão mais
depurada do seu temperamento a um só tempo lírico e irónico, características
acentuadas a partir de livro Dimensão
Encontrada (1957) e nas suas obras dramáticas. Dentro dessa linha, que a
tendência surrealista da poesia portuguesa pós-1950 vem sublinhar, compôs
grande parte da sua obra poética, revelando um discurso lírico insólito e
singular a oscilar entre a linguagem alegórica e a voz interventora. Estão
neste caso, por exemplo, Passaporte (1958), o longo poema Cântico do
País Emerso (1961) e mais tarde Mátria e Maçãs de Orestes (1970). No seu livro Poemas a Rebate,
publicado em 1975, chama, na introdução, ao conjunto “poemas indóceis” de
“pentagrama de indignação”. Indignação constante é o que não falta à obra de
Natália Correia seja motivada pela censura que a amordaçou por longo tempo,
seja por uma insurreição natural a todos os engodos ideológicos da organização
social. A capacidade de abranger, contudo, várias expressões líricas, bem como
sentimentos e visões aparentemente opostos, entre a subjectividade romântica e
a objectividade realista, levaram-na à composição, nos dois últimos anos, de Sonetos
Românticos (1991, Grande prémio da Poesia APE/CTT). Aqui a poesia parece voltar à primeira fase da sua
expressão em virtude da abstracção do objecto lírico, não obstante, agora, mais
intelectualizada, num certo misticismo da criação poética, da escrita, da
expressão verbal.
Dotada de invulgar talento oratório e grande coragem
combativa, tomou parte activa nos movimentos de oposição ao Estado Novo, tendo participado no MUD
(Movimento de Unidade Democrática, 1945), no apoio às candidaturas para a
Presidência da República do general Norton de
Matos (1949) e de Humberto
Delgado (1958) e na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade
Democrática, 1969). Foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa,
pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica,
considerada ofensiva dos costumes, (1966) e processada pela
responsabilidade editorial das Novas
Cartas Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costae Maria Teresa Horta. Foi responsável pela
coordenação da Editora Arcádia, uma das grandes editoras portuguesas do tempo.
A sua intervenção política pública levou-a ao
parlamento, para onde foi eleita em 1980, nas listas do PPD (Partido
Popular Democrático), passando a deputada independente, na assembleia da
República. Foi autora de polémicas intervenções parlamentares.
Fundou em 1971, com Isabel Meireles, Júlia Marenha
e Helena Roseta, o bar Botequim, onde
durante as décadas de 1970 e 1980 se reuniu grande parte da intelectualidade
portuguesa. Foi amiga de António Sérgio, de David Mourão-Ferreira ("a irmã
que nunca tive"), de José-Augusto França que a considerou
"a mais linda mulher de Lisboa") , de Luiz Pacheco,
de Mário Cesariny que dizia que ela
"era muito mais linda que a mais bela estátua feminina do Miguel
Ângelo"), de Ary dos
Santos ("beleza sem costura") , de Amália Rodrigues, de Fernando
Dacosta, entre muitos outros. Foi uma entusiasmada e grande
impulsionadora pelo aparecimento do espectáculo do café-concerto em
Portugal, na figura do polémico travesti Guida Scarllaty, o actor
Carlos Ferreira, na época um jovem arquitecto de quem era grande amiga. Na sua
casa, foi anfitriã de escritores famosos como Henry Miller, Graham Greene ou Ionesco.
Ainda hoje, em 2014, todos sabemos que as mulheres nascidas
em meio familiar mais favorecido são as que conseguem ter sucesso na escrita, ver a sua obra
editada e reconhecida do grande público.
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Foi um serão muito agradável, com pessoas muito atentas e com intervenções muito pertinentes. No final da minha apresentação leram-se os poemas de cada uma das poetisas, que se seguem:
Fiz com as fadas uma
aliança.
A deste conto nunca
contar.
Mas como ainda sou
criança
Quero a mim própria
embalar.
Estavam na praia três
donzelas
Como três laranjas num
pomar.
Nenhuma sabia para qual
delas
Cantava o príncipe do
mar.
Rosas fatais, as três
donzelas
A mão de espuma as
desfolhou.
Nenhum soube para qual
delas
O príncipe do mar
cantou.
Natália Correia
Auto-retrato
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
Natália Correia
Nuvens correndo num rio
Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!
Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.
Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?
Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?
Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.
Natália Correia
Poema
A minha vida é o mar o
Abril a rua
O meu interior é uma
atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em
coisa silabada
Grava no espaço e no
tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim
mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu
pensamento
A terra o sol o vento o
mar
São a minha biografia e
são meu rosto
Por isso não me peçam
cartão de identidade
Pois nenhum outro senão
o mundo tenho
Não me peçam opiniões
nem entrevistas
Não me perguntem datas
nem moradas
De tudo quanto vejo me
acrescento
E a hora da minha morte
aflora lentamente
Cada dia preparada
Sophia de Mello Breyner
Andresen
Um dia
Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.
Sophia de Mello Breyner
AUSÊNCIA
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Árvores do Alentejo
Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a benção duma fonte!
E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
--- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
Florbela Espanca
Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...
Florbela Espanca
Saudades
Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!
Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!
Florbela Espanca
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