OS NOSSOS ESCRITOS

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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

CORREDOR DA CASA DA AVÓ BÁRBARA

O corredor era comprido, muito comprido mesmo, proporcional ao meu medo do escuro. Saía-se da porta da cozinha e entrava-se no corredor. Tínhamos que ir para a esquerda quando íamos para os quartos, pois à direita ficava a porta do quintal.  Eu ia dormir com a minha avó Bárbara, quando a afilhada, que ia lá dormir com ela, não podia. Não era muitas vezes, mas foram as vezes suficientes para eu ir e achar aquela casa grande e escura, cheia de mistérios, ruídos e sombras; ali,  a noite era passada com sobressaltos, ao contrário da noite tranquila que eu teria se dormisse em casa de meus pais.
Depois do serão muito animado, com muita gente sentada à volta da lareira de casa de meus pais, eu e a minha avó lá íamos muito agarradinhas uma à outra a caminho de sua casa. A minha mãe ficava à porta com o cadeeiro a petróleo na mão, a tentar iluminar alguma parte do caminho. A porta da casa da minha avó via-se da porta da minha casa. A minha mãe esperava que nós entrássemos e metia-se para dentro. Quando chegávamos junto da  porta, a minha avó começava a procurar a chave, uma chave grande, que facilmente se deveria encontrar, mas que nunca estava no bolso onde a minha avó procurava, então corria os bolsos todos e depois dizia: “Ai filha!!! Temos que voltar para trás, temos que ir à casa da tua mãe, pois deixei lá a chave!!!”
Então, eu já cheia de medo e aborrecida com aquela cena que se repetia todos os dias, dizia-lhe: - “ Oh avó, veja lá bem!!! A chave deve estar aí nalgum bolso!!” . A minha avó voltava a procurar e lá estava a chave!! A chave que nos abriria a porta que dava para a loja há muito, muito tempo sem actividade. Nada tinha vida ali,  as prateleiras vazias, as gavetas fechadas e vazias, o balcão sem mais nada em cima, senão o candeeiro a petróleo, com a luz muito muito baixinha, que nos esperava.
Entrávamos e a minha avó subia a luz do candeeiro, pegava-lhe e levantava o braço para dar mais luz, uma luz soturna que projectava sombras fantasmagóricas pelas paredes. Eu ia atrás dela, não muito confiante... e entrávamos no corredor comprido, com portas muito altas e estreitas, pintadas de cinzento escuro. Ao fundo, era a cozinha para onde nos dirigíamos. Atravessar o corredor era uma eternidade.
Quando entrávamos na cozinha, a minha avó pousava o candeeiro na mesa e começava logo a mexer de um lado para o outro. Ia ao fogão aquecer o caldo de farinha de trigo que tinha feito pela manhã, ia à despensa buscar o saco imaculado do pão guardado no armário da despensa, ia à gaveta dos talheres na mesa da cozinha buscar a faca muito areada, que parecia de prata e cortava duas fatias finissimas a todo o comprimento do pão, ia à casa de jantar, ao aparador de pedra mármore buscar a tigela da marmelada, que tinha sido feita no tempo dos marmelos. Eu ia buscar as tigelas ao armário de parede, onde estavam os cântaros e tirava as colheres da gaveta dos talheres. Era um ritual. Tudo feito com muita calma, muita tranquilidade, um silêncio quebrado apenas pelas poucas palavras trocadas entre nós. A minha avó punha o caldo de farinha crua nas tigelas e sentadas tranquilamente, comíamos e bebíamos aquele manjar dos deuses. Depois de comermos, a minha avó pegava no candeeiro e íamos corredor fora, até à última porta, a porta do quarto da minha avó. Havia duas camas, a cama de casal de madeira onde dormia a minha avó e uma caminha pequena em ferro, onde dormia a pessoa que lhe ia fazer companhia durante a noite. A minha avó colocava o candeeiro em cima da cómoda alta, de grande gavetões. Começavamo-nos a despir e as nossas sombras projectavam-se pelas paredes caiadas de branco do quarto, criando um ambiente taciturno. As sombras dançavam na parede branca. Eu vestia a camisa de dormir o mais rápido que podia, para me meter na cama, pois o ambiente não me era muito agradável. A minha avó despia-se calmamente, vestia a camisa de dormir de flanela às florinhas e depois preparava-se para se deitar. Antes, levava o candeeiro, com a chama muito baixinha, para o corredor, onde ficava aceso durante toda a noite, e que dava ao quarto uma luz muito difusa de presença. Sentada na cama, já pronta para se deitar, enrolava um xaile preto, já velho, nos joelhos e com muito cuidado para não o desenrolar, metia-se entre os lençóis e cobertores. Por vezes, ainda punha outro xaile velho nos ombros e depois então, com muito cuidado é que se deitava. Eu admirava da minha cama, aquele ritual diário do deitar, pois em minha casa ninguém tinha problemas de dores nos joelhos nem frio nos ombros, e por isso, todos nos deitávamos sem grandes preparos.
De vez em quando, chegava ao quarto um som cavo e difuso, que me assustava e que a minha avó imediatamente dizia: “ São as betas da prima Maria Ezequiel a raspar no chão. O ti Manel deve estar a dar-lhe de comer!!”. Outras vezes, ouviam-se passos muito próximo da janela, eram os homens que saíam do lagar no turno da meia-noite e outros que iam entrar no turno seguinte. Os passos ecoavam no quarto muito nítidos e sonoros, por vezes, ouviam-se  vozes abafadas, tosses cavernosas e o pigarro nas gargantas do tabaco de onça.
Naquele quarto não nos sentíamos isolados do mundo, pois ruídos vindos de todos os lados, emprestavam ao ambiente uma aura de mistério, de medo e ao mesmo tempo de companhia.



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