OS NOSSOS ESCRITOS

TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS ELABORADOS PELAS ALUNAS DA DISCIPLINA
POESIA ELABORADA PELAS ALUNAS
POESIA, CONTOS E OUTROS TEXTOS TRABALHADOS NA AULA

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

CORREDOR DA CASA DA AVÓ BÁRBARA

O corredor era comprido, muito comprido mesmo, proporcional ao meu medo do escuro. Saía-se da porta da cozinha e entrava-se no corredor. Tínhamos que ir para a esquerda quando íamos para os quartos, pois à direita ficava a porta do quintal.  Eu ia dormir com a minha avó Bárbara, quando a afilhada, que ia lá dormir com ela, não podia. Não era muitas vezes, mas foram as vezes suficientes para eu ir e achar aquela casa grande e escura, cheia de mistérios, ruídos e sombras; ali,  a noite era passada com sobressaltos, ao contrário da noite tranquila que eu teria se dormisse em casa de meus pais.
Depois do serão muito animado, com muita gente sentada à volta da lareira de casa de meus pais, eu e a minha avó lá íamos muito agarradinhas uma à outra a caminho de sua casa. A minha mãe ficava à porta com o cadeeiro a petróleo na mão, a tentar iluminar alguma parte do caminho. A porta da casa da minha avó via-se da porta da minha casa. A minha mãe esperava que nós entrássemos e metia-se para dentro. Quando chegávamos junto da  porta, a minha avó começava a procurar a chave, uma chave grande, que facilmente se deveria encontrar, mas que nunca estava no bolso onde a minha avó procurava, então corria os bolsos todos e depois dizia: “Ai filha!!! Temos que voltar para trás, temos que ir à casa da tua mãe, pois deixei lá a chave!!!”
Então, eu já cheia de medo e aborrecida com aquela cena que se repetia todos os dias, dizia-lhe: - “ Oh avó, veja lá bem!!! A chave deve estar aí nalgum bolso!!” . A minha avó voltava a procurar e lá estava a chave!! A chave que nos abriria a porta que dava para a loja há muito, muito tempo sem actividade. Nada tinha vida ali,  as prateleiras vazias, as gavetas fechadas e vazias, o balcão sem mais nada em cima, senão o candeeiro a petróleo, com a luz muito muito baixinha, que nos esperava.
Entrávamos e a minha avó subia a luz do candeeiro, pegava-lhe e levantava o braço para dar mais luz, uma luz soturna que projectava sombras fantasmagóricas pelas paredes. Eu ia atrás dela, não muito confiante... e entrávamos no corredor comprido, com portas muito altas e estreitas, pintadas de cinzento escuro. Ao fundo, era a cozinha para onde nos dirigíamos. Atravessar o corredor era uma eternidade.
Quando entrávamos na cozinha, a minha avó pousava o candeeiro na mesa e começava logo a mexer de um lado para o outro. Ia ao fogão aquecer o caldo de farinha de trigo que tinha feito pela manhã, ia à despensa buscar o saco imaculado do pão guardado no armário da despensa, ia à gaveta dos talheres na mesa da cozinha buscar a faca muito areada, que parecia de prata e cortava duas fatias finissimas a todo o comprimento do pão, ia à casa de jantar, ao aparador de pedra mármore buscar a tigela da marmelada, que tinha sido feita no tempo dos marmelos. Eu ia buscar as tigelas ao armário de parede, onde estavam os cântaros e tirava as colheres da gaveta dos talheres. Era um ritual. Tudo feito com muita calma, muita tranquilidade, um silêncio quebrado apenas pelas poucas palavras trocadas entre nós. A minha avó punha o caldo de farinha crua nas tigelas e sentadas tranquilamente, comíamos e bebíamos aquele manjar dos deuses. Depois de comermos, a minha avó pegava no candeeiro e íamos corredor fora, até à última porta, a porta do quarto da minha avó. Havia duas camas, a cama de casal de madeira onde dormia a minha avó e uma caminha pequena em ferro, onde dormia a pessoa que lhe ia fazer companhia durante a noite. A minha avó colocava o candeeiro em cima da cómoda alta, de grande gavetões. Começavamo-nos a despir e as nossas sombras projectavam-se pelas paredes caiadas de branco do quarto, criando um ambiente taciturno. As sombras dançavam na parede branca. Eu vestia a camisa de dormir o mais rápido que podia, para me meter na cama, pois o ambiente não me era muito agradável. A minha avó despia-se calmamente, vestia a camisa de dormir de flanela às florinhas e depois preparava-se para se deitar. Antes, levava o candeeiro, com a chama muito baixinha, para o corredor, onde ficava aceso durante toda a noite, e que dava ao quarto uma luz muito difusa de presença. Sentada na cama, já pronta para se deitar, enrolava um xaile preto, já velho, nos joelhos e com muito cuidado para não o desenrolar, metia-se entre os lençóis e cobertores. Por vezes, ainda punha outro xaile velho nos ombros e depois então, com muito cuidado é que se deitava. Eu admirava da minha cama, aquele ritual diário do deitar, pois em minha casa ninguém tinha problemas de dores nos joelhos nem frio nos ombros, e por isso, todos nos deitávamos sem grandes preparos.
De vez em quando, chegava ao quarto um som cavo e difuso, que me assustava e que a minha avó imediatamente dizia: “ São as betas da prima Maria Ezequiel a raspar no chão. O ti Manel deve estar a dar-lhe de comer!!”. Outras vezes, ouviam-se passos muito próximo da janela, eram os homens que saíam do lagar no turno da meia-noite e outros que iam entrar no turno seguinte. Os passos ecoavam no quarto muito nítidos e sonoros, por vezes, ouviam-se  vozes abafadas, tosses cavernosas e o pigarro nas gargantas do tabaco de onça.
Naquele quarto não nos sentíamos isolados do mundo, pois ruídos vindos de todos os lados, emprestavam ao ambiente uma aura de mistério, de medo e ao mesmo tempo de companhia.



A PORTA DE ENTRADA DA CASA

A porta de entrada da casa onde vivi desde um ano de idade até à minha adolescência é uma porta em madeira, envernizada, de duas partes, que abrem ao meio. Tem um postigo de cada lado, com postigos de vidro, que se podem abrir nos dias quentes de verão ou quando queríamos saber quem é que nos estava a bater à porta, a horas tardias. Os postigos são protegidos com grades em ferro forjado que lhe dão uma certa majestade  Por cima, tem uma “bandeira” com uma grade em ferro forjado, por onde entra a luz do sol .
Há noite, os ferrolhos de cima e de baixo são puxados para que haja segurança, e nos sintamos seguros dentro da casa.
A fechadura é já de pique-porte. Por isso a chave é uma chave pequena, que abre com alguma dificuldade a porta. Tem que se dar um certo jeito, para que a fechadura se abra, sempre a conheci assim...
Quando alguém quer entrar em casa, bate num batente em forma de “mãozinha”, cujas pancadas ecoam por toda a casa.
Não é uma porta muito larga, até posso dizer que é estreita, pois quando queremos passar, de verão ainda se abre razoavelmente, mas de Inverno, como empena, fica uma fresta por onde temos que nos esgueirar e apertar para podermos entrar ou sair da casa.
Esta  porta da casa dos meus pais só era usada de manhã muito cedo, à noite ou durante o fim-de-semana, pois todos as pessoas  que queriam entrar ou sair da casa iam pela porta da loja, que estava sempre aberta, desde as 9 horas da manhã até às 21 horas, hora a que se fechava definitivamente a porta da loja, depois de se varrer e se lavar o chão.
Logo muito cedo, pelas 7 horas da manhã, batia a leiteira à porta, e a minha Tita ia abrir e receber o leite no fervedor; o leite era transportado num cântaro de lata e era medido com uma das medidas também de lata que a leiteira transportava presas umas às outras por um cordel. Ela enchia a medida, que normalmente era a de 1 litro, e com muito cuidado para não entornar uma gota sequer, vertia o leite para dentro do fervedor de alumínio, que era enorme, devia levar 1,5 litro ou 2 litros, pois como éramos muitos lá em casa, sempre gastámos bastante leite. Por vezes, as vacas não davam tanto leite como era habitual e a Srª Maria Chica só nos dispensava ¾ de litro, para grande arrelia da minha mãe, que queria que todos nós bebêssemos um copo de leite ao pequeno-almoço. O leite era muito forte, tinha sempre muita nata, e por mais que se passasse com o passador, passava sempre para a caneca alguma gordura que sempre me agoniou imenso, ainda hoje detesto a nata do leite.
A porta tem uma caixa para o correio, com uma tampa em ferro que protege a caixa de madeira para onde caem as cartas, quando o carteiro as enfiava na ranhura da caixa de correio. A maioria das vezes, o carteiro ia entregar a correspondência à loja, pois como esta estava aberta e havia sempre alguém para recebê-lo, a minha mãe ou um empregado, o correio era entregue em mão.
A soleira ou portado, tinha uma pedra mármore branquíssima, que era esfregada todos os dias, assim como a rua era varrida todos ops dias, logo pela manhã. A pedras com o uso excessivo começou a ficar desgastada e a fazer uma grande curva por onde entrava muito pó; então, a minha mãe teve a ideia de colocar por cima dessa pedra uma outra pedra mármore e assim ficaram duas pedras em cima uma da outra o que obrigou o portado a subir. Quando vou a entrar ou a sair esbarro sempre nas pedras, pois no meu inconsciente ainda só lá se encontra a primitiva pedra mármore branquíssima  Fico sempre irritada quando tenho que passar por lá, pois para além de esbarrar na pedra, também a porta não se abre completamente por estar empenada e é com algum esforço que passamos pelo espaço que a porta nos deixa abrir.
Está velha, tudo está velho, a porta, a casa e até os meus pais que eu recordo com imensa saudade ainda jovens, à porta da rua a verem-me a mim e ao meu irmão a andar de bicicleta e a brincar com os amigos e vizinhos da rua. Como eu me lembro da alegria no interior da casa, quando se ouviam as pancadas da “mãozinha” e sabíamos que vinham a chegar os tios e as primas de Estremoz. Os carros ficavam do outro lado da rua, no recanto que ainda hoje lá existe, junto à casa do prima Maria Inácia, e nós íamos numa enorme excitação abrir a porta, às visitas que vinha almoçar, lanchar ou simplesmente passar a tarde, que terminava sempre com um lanche na mesa de pedra mármore do alpendre ou do quintal.

Quando eu era pequena, adorava andar descalça no alcatrão a escaladar da rua, então descalçava as sandálias, colocava-as atrás da porta e lá ia eu toda contente jogar ao avião, á apanhada ou ao às 5 pedrinhas . Andar descalça dava-me uma enorme sensação de liberdade. Quando a minha mãe via as sandálias atrás da porta, chamava-me muito zangada  e alguma vezes, apanhei no rabo, por ter aquela mania de me descalçar. No verão, o chão das diversas dependências da casa era de cimento vermelho, de mosaicos por isso era muito fresco, eu adorava andar descalça, mas nunca me deixavam porque podia ficar com anginas. A minha vontade de andar descalça levou-me muitas vezes a levar uns sopapos da minha mãe, que tinha uma verdadeira paranóia quando me via descalça, pois segundo ela podíamo-nos constipar. Fui de tal maneira repreendida que hoje não sei andar descalça em casa. Mal tomo banho enfio logo uns chinelos e quando me levanto da cama tenho logo ali uns chinelos para calçar, mas descalça é que eu não sou capaz de andar!!!!
Zuzu

RITA, MULHER DE CORAGEM E FORÇA

Vitalino e Amélia
Rita tem 85 anos. Olha-se no espelho e não aceita a velhice; está lúcida e faladora como sempre. O seu corpo encolheu quase 50 centímetros;  a mulher elegante, esbelta e magra que sempre foi, tornou-se numa velhinha de costas encurvadas, muito enrolada, com enorme dificuldade em chegar a tudo que esteja a mais de meio metro dos seus braços. Todos os movimentos  diários que é obrigada a fazer, como pentear-se, vestir-se, tomar banho,  limpar-se, vestir os collants e calçar os chinelos tudo isso é feito com enorme sofrimento, esforço  e dificuldade. As pernas fracas não a deixam caminhar nem passear como sempre gostou. Olha-se no espelho e questiona-se como é que chegou a este ponto!? Como é que em pleno século XXI, ninguém descobriu ou não houve um tratamento para que isto não lhe acontecesse a ela!!! Ela  que tanto gostava da sua figura bonita,  de grandes olhos meigos, rosto perfeito, na boca de lindos dentes brancos e direitos, o sorriso inconfundível sereno, meigo ...
Os desgostos ao longo da sua vida, tão em quantidade quanto as alegrias ( a falência e a necessidade de toda a família partir da aldeia para Lisboa, procurar uma novo modo de vida, a morte do sogro, a morte da sogra, a morte da mãe, a ida do filho para a guerra do ultramar, a morte da neta) , foram-se alojando em cima das suas costas. Camada a camada foram carregando, carregando, até que a tornaram numa velhinha encolhida, pequenina, sem um resquício do que foi Rita, que sempre teve vaidade na sua esbelta figura.
Rita nasceu no seio de uma família de comerciantes, onde não havia dificuldades económicas, pois o pai sempre procurou dar-lhes todo o conforto e bem estar que necessitavam. Mas, com oito anos, ficou orfã de pai. Quando o pai morreu com 38 anos,  a mãe já tinha tido sete gravidezes e estava grávida de 5 meses. Quando a bébé nasceu ficaram a viver na grande e acolhedora  casa a mãe, a Rita e mais 4 irmãos ( dois irmãos tinham morrido antes da morte do pai, uma bébé com ano e meio e outro à nascença). Ela era a mais velha, por isso, mal acabou a instrução primária, ficou em casa onde ajudava com maneiras de menina crescida, nas lides domésticas e na loja.
A família sempre tinha vivido com os ganhos do estabelecimento comercial que o pai explorava, tinham o depósito do tabaco que fornecia toda a aldeia e os montes vizinhos; na loja vendia-se de tudo, desde os principais bens de consumo, fazendas, roupa interior, calçado, petróleo, materiais de construção como pregos, ferramentas e todos as alfaias agrícolas, de que os trabalhadores rurais precisavam para trabalhar no campo, enxadas, foices, sachos, chapéus de palha, etc. etc... Naquela loja fornecida com mercadorias encomendadas aos caixeiros viajantes, das casas comerciais das principais cidades, os clientes podiam encontrar tudo o que necessitavam, pois vendia-se de tudo, como era hábito na província.
Depois da morte do pai, Rita sabia que a vida nunca mais seria a mesma, pois era o pai quem orientava os negócios, quem comprava e vendia e tinha um grande espírito empreendedor. Era um homem que tinha ambições, que sabia que a vida naquela pequena aldeia onde a maioria da população era formada por gente analfabeta, que trabalhava nos campos, de pequenos seareiros e meia dúzia de homens ricos, que davam trabalho nas suas herdades à grande maioria da população, não era a vida que ele desejava para os seus filhos. Muitas vezes dizia para a mãe de Rita que queria trabalhar muito, para poder ter dinheiro afim de dar um curso aos filhos; assim os filhos poderiam sair da aldeia, para irem trabalhar nas profissões que escolhessem, para terem uma vida futura mais equilibrada e desafogada. Mas quando lhe surgiu aquele acidente vascular, tanto ele como a mulher começaram a perder as esperanças de que isso pudesse vir a acontecer.
Estávamos em 1938, início da 2ª Guerra Mundial. Depois da morte do pai, a mãe era o pilar da casa. Cuidou, tratou e educou os filhos o melhor que pôde e soube. Deu-lhes muito amor e muito carinho, e ao mesmo tempo uma educação rígida. Mas aqueles tempos eram tempos difíceis. A mãe começou a não poder encomendar e comprar tanta mercadoria como no tempo do pai. As prateleiras da loja começaram a ficar mais vazias, os fregueses iam comprar a outro lado, e aqueles que continuavam fiéis compravam muito pouco e muitas vezes fiado. Pouco a pouco, a família começou a sentir algumas dificuldades. Despediram a criada que tinham a tempo inteiro, a dormir e a comer, pois Rita já estava crescidinha o suficiente para tomar conta dos irmãos e da casa, enquanto a mãe ficava a trabalhar na loja. Os irmãos vinham da escola e ajudavam a mãe na loja. Assim, iam vivendo e crescendo...
Quando tinha 12 anos, Rita pediu à mãe que a deixasse ir tirar o corte de costura, depois de muita insistência dela,  a mãe deixou, mas a mãe foi criticada pela família, por Rita ser ainda muito nova para tamanha responsabilidade. Mas a sua força de vontade, a sua capacidade de aprender foram mais fortes e com 14 anos Rita já costurava para toda a família. Fazia os vestidos, as saias, as combinações, os casacos compridos tanto para a mãe como para as irmãs; para os irmãos fazia-lhes as camisas, os pijamas, as calças que eram cortadas no alfaiate e cozidas por ela, os casacos. Começou também a fazer camisolas de malha para todos lá de casa. Aprendeu a cozinhar aos poucos foi-se tornando numa pequena dona de casa.  Rita cresceu e tornou-se numa mulherzinha muito responsável, era muito desenvolvida fisica e intelectualmente para a idade e quando a mãe tinha momentos de desânimo, pois a vida não estava a ser nada fácil, ela sempre lhe dava coragem e força para continuar.
Quando tinha 12 anos começou a namoriscar o rapaz que mais tarde foi o seu marido. Quando a mãe de Rita desconfiava que ela estava à porta a espreitar o namorado, mandava-a imediatamente para dentro e muitas vezes lhe bateu, por ela “andar de cabeça no ar!” e começar a pensar “em namoro” ainda tão nova!.
 Como a mãe era viúva, não saía de casa, ( era assim a vida de uma viúva numa aldeia! ) , então Rita quando queria ir aos bailes tinha que pedir e insistir com a tia Alice para que fosse com ela, pois caso contrário, a mãe não a deixava ir com mais ninguém. Quando havia cinema ou circo na aldeia, Rita ia com os irmãos que já eram crescidos para lhe fazerem companhia. Passear com as amigas era só em dias de festa ou em dias especiais. Todo o tempo era para trabalhar em casa.
Quando Rita tinha 18 anos, a irmã do meio, com 13 anos,  começou a ficar doente. Cada vez estava mais doente. Estava de cama, muito debilitada, muito mal. Rita acompanhou-a  e deu-lhe toda a assistência, até que esta acabou por morrer de tuberculose. Era Rita quem lhe preparava as refeições, quem a tratava, quem lhe dava todo o carinho que a irmã precisava, pois a mãe, depois de tantos desgostos estava muito, mas muito em baixo psicologicamente. Mais uma vez, naquela casa entrou a tristeza, o desânimo, mas todos esses incidentes fizeram com que a família ficasse cada vez mais unida. Os filhos adoravam aquela mãe coragem que tanto sacrificou para que nada lhes faltasse.

Rita, casou com 20 anos. Sabia que a esperava uma vida de trabalho, o marido tinha comércio e para ela estava destinado o trabalho na loja, o trabalho na salsicharia, o criar os dois filhos, o dar assistência à casa e à família, sempre, mas sempre com um lindo sorriso naquela boca de romã, decorada com os seus dentes alvos a sobressaírem do vermelho natural dos belos lábios...
Zuzu

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

OS DEZ ANÕEZINHOS DA TIA VERDE-ÁGUA

Era uma mulher casada, mas que se dava muito mal com o marido, porque não trabalhava nem tinha ordem no governo da casa; começava uma coisa e logo passava para outra, tudo ficava em meio, de maneira que quando o marido vinha para casa nem tinha o jantar feito, e à noite nem água para lavar os pés nem a cama arranjada. As coisas foram assim, até que o homem lhe a ralhar e a bater, e ela a passar muito má vida. A mulher andava triste por o homem lhe bater, e tinha uma vizinha a quem se foi queixar. Era mulher idosa e muito sábia, e  dizia-se que as fadas a ajudavam. Chamavam-lhe a Tia Verde-Água:
– Ai, Tia! vocemecê é que me podia valer nesta aflição.
– Pois sim, filha; eu tenho dez anõezinhos muito trabalhadores, e mando-tos para tua casa para te ajudarem.
E a velha começou a explicar-lhe o que devia fazer para que os dez anõezinhos a ajudassem:
- que quando pela manhã se levantasse fizesse logo a cama, em seguida acendesse o lume; depois enchesse o cântaro de água, varresse a casa, remendasse a roupa, e no intervalo em  que cozinhasse o jantar fosse dobando as suas meadas, até o marido chegar. Foi-lhe assim indicando o que havia de fazer, que em tudo isto seria ajudada, sem ela o sentir, pelos dez anõezinhos.
A mulher assim o fez, e se bem o fez melhor lhe saiu. Logo à boca da noite foi a casa da Tia Verde-Água agradecer-lhe o ter-lhe mandado os dez anõezinhos, que ela não viu  nem sentiu, mas o trabalho lhe tinha corrido como por encanto.
Foram-se assim passando as coisas, e o marido estava pasmado por ver a mulher tornar-se tão arranjadeira e asseada;
Ao fim de oito dias, ele não se conteve que não lhe dissesse como ela estava outra mulher, e que assim viveriam como Deus com os anjos. A mulher contente por se ver agora feliz, e mesmo porque o ordenado chegava para todo o mês, vai a casa da Tia Verde-Água agradecer-lhe o favor que lhe fez:
– Ai, minha Tia, os seus dez anõezinhos fizeram-me um servição; trago agora tudo arranjado, e o meu homem anda muito meu amigo. O que lhe eu pedia agora é que mos deixasse lá ficar.
A velha respondeu-lhe:
– Deixo, deixo. Pois tu ainda não viste os dez anõezinhos?
– Ainda não; o que eu queria era vê-los.
– Não sejas tola; se tu queres vê-los olha para as tuas mãos, e os teus dedos é que são os dez anõezinhos.

A mulher compreendeu a lição, e foi para casa satisfeita consigo por saber como é que se faz  um bom trabalho. 

Da Minha Aldeia

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe
de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.


Alberto Caeiro

Nem Sempre Sou Igual


Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,

Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ...

Alberto Caeiro

Sou um Guardador de Rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro

COMO A COMIDA QUER O SAL

Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas por sua vez, qual era a mais sua amiga.
A mais velha respondeu:  – Quero mais a meu pai, do que à luz do Sol.
Respondeu a do meio:  – Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.
A mais nova respondeu:  – Quero-lhe tanto, como a comida quer o sal.
O rei entendeu por isto que a filha mais nova  não o amava tanto como as outras, e pô-la fora do palácio.
 Ela foi muito triste por esse mundo fora, e chegou ao palácio de um rei.Aí  ofereceu-se para ser cozinheira. Um dia veio à mesa uma empada de galinha muito bem feita, e o rei ao parti-la achou dentro um anel muito pequeno  e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia: foi passando de dedo em dedo, até que foi chamada a cozinheira, e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.
Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com trajos de princesa. Foi chamar o rei, seu pai e ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda. Para as festas de noivado convidou-se o rei que tinha três filhas, e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não pôs sal de propósito. Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que não comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa, porque é que o rei não comia?
 Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:
– É porque a comida não tem sal.
O pai do noivo fingiu-se muito zangado e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que não tinha posto sal na comida daquele convidado. Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito, que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.



FIM

HISTÓRIA DE JOÃO GRILO

Havia um rapaz chamado João Grilo, que era muito pobrezinho.
Os pais queriam a todo o custo casá-lo rico, apesar da sua pobreza e falta de estudos.
Um dia, espalhou-se por toda a terra que tinham desaparecido as jóias de uma princesa e que o rei seu pai daria a mão da princesa a quem descobrisse o autor do roubo; mas também castigaria com a morte todo aquele que se fosse apresentar e que no fim de três dias não descobrisse o ladrão.
Começaram os pais de João Grilo a meter-lhe na cabeça que fosse tentar fortuna, mas o rapaz não queria, pois sabia que alguns tinham sido mortos por não descobrirem as jóias.
Enfim, tanto o atentaram que o João Grilo se foi apresentar ao rei.
Os guardas do palácio não o queriam deixar entrar por o verem muito mal vestido e roto, e começaram a escarnecer dele,  dizendo-lhe que ele era doido e outras coisas assim...
Por fim, lá o deixaram entrar.
O rei e a princesa também se riram muito dele, mas não tiveram remédio senão cumprir a sua palavra.
Meteram-no num quarto e deram-lhe três dias para pensar.
Ia só um criado dar-lhe de comer; e à noite, quando esse criado lhe perguntou se queria mais alguma coisa, ele respondeu que não, e ao mesmo tempo, dando um suspiro, disse: - Já lá vai um!
O criado saiu muito atrapalhado e foi ter com os outros dois criados, a quem contou as palavras que o João Grilo tinha dito.
Estes três criados eram justamente os que tinham roubado as jóias da princesa e julgaram que o João Grilo tinha conhecido um dos ladrões e por isso tinha dito: - Já lá vai um!
Enganavam-se, porque ele se tinha referido a que já lá ia um dia, e ele ia caminhando para a forca.
Os criados combinaram que no dia seguinte iria outro, para ver se o João Grilo também o conhecia.
Assim fez; e à noite, quando perguntou se queria mais alguma coisa, respondeu João Grilo que não e repetiu: - Já lá vão dois!
O criado ficou assustadíssimo e foi logo contar aos outros. Imagine-se  como eles ficaram.
No dia seguinte foi o outro, e quando à noite se despediu para se ir embora, diz o João Grilo: - Está pronto: já lá vão os três.
O criado, julgando que estava tudo descoberto, deita-se aos pés do João Grilo e diz-lhe:
- É verdade, senhor, fomos nós os três, mas peço-lhe por tudo quanto há, que não diga nada ao rei que somos nós os ladrões, porque ficaríamos desgraçados. Nós damos as jóias todas, mas há-de ser com a condição de que não há-de dizer nada.
Joaõ Grilo caiu das nuvens, mas fingiu que efetivamente tinha adivinhado.
Prometeu ao criado que não diria nada e mandou-lhe buscar as jóias, que ele trouxe logo.
Como tinham acabado os três dias, o rei mandou chamar o João Grilo e perguntou-lhe:
- Então já descobriste o ladrão?
-Saiba Vossa Majestade que sim senhor! – respondeu João Grilo
O rei riu-se muito, julgando que o rapaz era doido, mas ele apresentou-lhe as jóias, sem dizer quem tinha sido o ladrão.
Imagine-se como ficou a princesa, vendo que tinha de casar com aquele maltrapilho! Chorou muito e pediu ao pai que não a casasse com aquele homem, mas o rei dizia-lhe que palavra de rei não volta atrás e que era forçoso que eles se casassem.
A princesa não teve outro remédio senão conformar-se; mas o João Grilo, que tinha bom coração, vendo a repugnância dela, disse que desistia do casamento.
O rei gostou muito dessa atitude e disse-lhe que pedisse o que quisesse, que ele tudo lhe daria.
João Grilo só pediu para ficar no palácio.
O rei concordou e deu-lhe muitos sacos de dinheiro.
Ficou o rapaz no palácio, e o rei julgava-o adivinhão.
Um dia, o rei apanhou um grilo no jardim; fechou-o na mão e chamou o João Grilo.
Veio o rapaz e o rei perguntou-lhe: - Oh João, adivinha lá o que eu tenho fechado nesta mão?
O rapaz coitado, começa a coçar a cabeça e a dizer: - Ai! Grilo, Grilo, em que mãos estás metido!!
O rei julgando que ele se referia ao grilo que ele tinha fechado na mão dele, ficou muito contente, e disse: - Adivinhaste, adivinhaste, é um grilo! E deu-lhe muito dinheiro.
Outro dia, encontrou o rabo de uma porca, que tinham morto e enterrado no quintal.
Chamou o João Grilo e perguntou-lhe: - Oh João, adivinha lá o que está aqui enterrado?
O pobre João Grilo, não sabendo o que havia de fazer à sua vida, começa a dizer: - Aqui é que a porca torce o rabo!
O rei abraça-o muito contente, e diz: - Adivinhaste, adivinhaste, é o rabo de uma porca! E deu-lhe mais dinheiro.
O rapaz vendo-se rico e temendo que não adivinhasse mais alguma coisa, ou para melhor dizer, que o acaso não o favorecesse, escreveu uma carta, fingindo ser a mãe, a pedir que fosse imediatamente para casa, porque ela estava muito doente.
O rei custou-lhe muito a saída dele do palácio, mas não teve outro remédio senão deixá-lo ir.
Despediram-se. O rapaz montou o cavalo e, quando já ia longe, o rei apanhou caganitas de cabra que estavam no chão, meteu-as no lenço e começa a dizer-lhe adeus com o lenço.
O rapaz que ia já longe e estava farto do rei, disse-lhe adeus, dizendo: - Adeus, adeus, caganitas para Vossa Majestade!!!
O rei ficou muito contente, e dizia: - Aquilo é que é um rapaz esperto! Como ele adivinhou que eu tinha caganitas no lenço!
E o rapaz foi para casa dos pais, estava muito rico e assim se viu livre do rei.
Contos Populares Portugueses
Consiglieri Pedroso
Editora Vega


OUTUBRO RECOMEÇO DAS AULAS

Nos primeiros dias de Outubro reiniciámos as nossas aulas. 
O clima era de entusiasmo. Rever colegas do ano anterior e conhecer os novos que se apresentaram, deu origem a grandes conversas cheias de entusiasmo, ale e este ano para além de trabalharmos a poesia e o conto, decidimos enveredar pela escrita criativa. Assim, vamos começar a construir textos autobiográficos que no final do ano irão ser compilados e cada aluno/a vai elaborar um álbum da sua vida que será oferecido aos filhos, aos netos ou a quem da família estiver mais interessado.