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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

RITA, MULHER DE CORAGEM E FORÇA

Vitalino e Amélia
Rita tem 85 anos. Olha-se no espelho e não aceita a velhice; está lúcida e faladora como sempre. O seu corpo encolheu quase 50 centímetros;  a mulher elegante, esbelta e magra que sempre foi, tornou-se numa velhinha de costas encurvadas, muito enrolada, com enorme dificuldade em chegar a tudo que esteja a mais de meio metro dos seus braços. Todos os movimentos  diários que é obrigada a fazer, como pentear-se, vestir-se, tomar banho,  limpar-se, vestir os collants e calçar os chinelos tudo isso é feito com enorme sofrimento, esforço  e dificuldade. As pernas fracas não a deixam caminhar nem passear como sempre gostou. Olha-se no espelho e questiona-se como é que chegou a este ponto!? Como é que em pleno século XXI, ninguém descobriu ou não houve um tratamento para que isto não lhe acontecesse a ela!!! Ela  que tanto gostava da sua figura bonita,  de grandes olhos meigos, rosto perfeito, na boca de lindos dentes brancos e direitos, o sorriso inconfundível sereno, meigo ...
Os desgostos ao longo da sua vida, tão em quantidade quanto as alegrias ( a falência e a necessidade de toda a família partir da aldeia para Lisboa, procurar uma novo modo de vida, a morte do sogro, a morte da sogra, a morte da mãe, a ida do filho para a guerra do ultramar, a morte da neta) , foram-se alojando em cima das suas costas. Camada a camada foram carregando, carregando, até que a tornaram numa velhinha encolhida, pequenina, sem um resquício do que foi Rita, que sempre teve vaidade na sua esbelta figura.
Rita nasceu no seio de uma família de comerciantes, onde não havia dificuldades económicas, pois o pai sempre procurou dar-lhes todo o conforto e bem estar que necessitavam. Mas, com oito anos, ficou orfã de pai. Quando o pai morreu com 38 anos,  a mãe já tinha tido sete gravidezes e estava grávida de 5 meses. Quando a bébé nasceu ficaram a viver na grande e acolhedora  casa a mãe, a Rita e mais 4 irmãos ( dois irmãos tinham morrido antes da morte do pai, uma bébé com ano e meio e outro à nascença). Ela era a mais velha, por isso, mal acabou a instrução primária, ficou em casa onde ajudava com maneiras de menina crescida, nas lides domésticas e na loja.
A família sempre tinha vivido com os ganhos do estabelecimento comercial que o pai explorava, tinham o depósito do tabaco que fornecia toda a aldeia e os montes vizinhos; na loja vendia-se de tudo, desde os principais bens de consumo, fazendas, roupa interior, calçado, petróleo, materiais de construção como pregos, ferramentas e todos as alfaias agrícolas, de que os trabalhadores rurais precisavam para trabalhar no campo, enxadas, foices, sachos, chapéus de palha, etc. etc... Naquela loja fornecida com mercadorias encomendadas aos caixeiros viajantes, das casas comerciais das principais cidades, os clientes podiam encontrar tudo o que necessitavam, pois vendia-se de tudo, como era hábito na província.
Depois da morte do pai, Rita sabia que a vida nunca mais seria a mesma, pois era o pai quem orientava os negócios, quem comprava e vendia e tinha um grande espírito empreendedor. Era um homem que tinha ambições, que sabia que a vida naquela pequena aldeia onde a maioria da população era formada por gente analfabeta, que trabalhava nos campos, de pequenos seareiros e meia dúzia de homens ricos, que davam trabalho nas suas herdades à grande maioria da população, não era a vida que ele desejava para os seus filhos. Muitas vezes dizia para a mãe de Rita que queria trabalhar muito, para poder ter dinheiro afim de dar um curso aos filhos; assim os filhos poderiam sair da aldeia, para irem trabalhar nas profissões que escolhessem, para terem uma vida futura mais equilibrada e desafogada. Mas quando lhe surgiu aquele acidente vascular, tanto ele como a mulher começaram a perder as esperanças de que isso pudesse vir a acontecer.
Estávamos em 1938, início da 2ª Guerra Mundial. Depois da morte do pai, a mãe era o pilar da casa. Cuidou, tratou e educou os filhos o melhor que pôde e soube. Deu-lhes muito amor e muito carinho, e ao mesmo tempo uma educação rígida. Mas aqueles tempos eram tempos difíceis. A mãe começou a não poder encomendar e comprar tanta mercadoria como no tempo do pai. As prateleiras da loja começaram a ficar mais vazias, os fregueses iam comprar a outro lado, e aqueles que continuavam fiéis compravam muito pouco e muitas vezes fiado. Pouco a pouco, a família começou a sentir algumas dificuldades. Despediram a criada que tinham a tempo inteiro, a dormir e a comer, pois Rita já estava crescidinha o suficiente para tomar conta dos irmãos e da casa, enquanto a mãe ficava a trabalhar na loja. Os irmãos vinham da escola e ajudavam a mãe na loja. Assim, iam vivendo e crescendo...
Quando tinha 12 anos, Rita pediu à mãe que a deixasse ir tirar o corte de costura, depois de muita insistência dela,  a mãe deixou, mas a mãe foi criticada pela família, por Rita ser ainda muito nova para tamanha responsabilidade. Mas a sua força de vontade, a sua capacidade de aprender foram mais fortes e com 14 anos Rita já costurava para toda a família. Fazia os vestidos, as saias, as combinações, os casacos compridos tanto para a mãe como para as irmãs; para os irmãos fazia-lhes as camisas, os pijamas, as calças que eram cortadas no alfaiate e cozidas por ela, os casacos. Começou também a fazer camisolas de malha para todos lá de casa. Aprendeu a cozinhar aos poucos foi-se tornando numa pequena dona de casa.  Rita cresceu e tornou-se numa mulherzinha muito responsável, era muito desenvolvida fisica e intelectualmente para a idade e quando a mãe tinha momentos de desânimo, pois a vida não estava a ser nada fácil, ela sempre lhe dava coragem e força para continuar.
Quando tinha 12 anos começou a namoriscar o rapaz que mais tarde foi o seu marido. Quando a mãe de Rita desconfiava que ela estava à porta a espreitar o namorado, mandava-a imediatamente para dentro e muitas vezes lhe bateu, por ela “andar de cabeça no ar!” e começar a pensar “em namoro” ainda tão nova!.
 Como a mãe era viúva, não saía de casa, ( era assim a vida de uma viúva numa aldeia! ) , então Rita quando queria ir aos bailes tinha que pedir e insistir com a tia Alice para que fosse com ela, pois caso contrário, a mãe não a deixava ir com mais ninguém. Quando havia cinema ou circo na aldeia, Rita ia com os irmãos que já eram crescidos para lhe fazerem companhia. Passear com as amigas era só em dias de festa ou em dias especiais. Todo o tempo era para trabalhar em casa.
Quando Rita tinha 18 anos, a irmã do meio, com 13 anos,  começou a ficar doente. Cada vez estava mais doente. Estava de cama, muito debilitada, muito mal. Rita acompanhou-a  e deu-lhe toda a assistência, até que esta acabou por morrer de tuberculose. Era Rita quem lhe preparava as refeições, quem a tratava, quem lhe dava todo o carinho que a irmã precisava, pois a mãe, depois de tantos desgostos estava muito, mas muito em baixo psicologicamente. Mais uma vez, naquela casa entrou a tristeza, o desânimo, mas todos esses incidentes fizeram com que a família ficasse cada vez mais unida. Os filhos adoravam aquela mãe coragem que tanto sacrificou para que nada lhes faltasse.

Rita, casou com 20 anos. Sabia que a esperava uma vida de trabalho, o marido tinha comércio e para ela estava destinado o trabalho na loja, o trabalho na salsicharia, o criar os dois filhos, o dar assistência à casa e à família, sempre, mas sempre com um lindo sorriso naquela boca de romã, decorada com os seus dentes alvos a sobressaírem do vermelho natural dos belos lábios...
Zuzu

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