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terça-feira, 19 de novembro de 2013

A CAMINHO DA ESCOLA

Para chegar à escola tinha que atravessar quase toda a cidade mas sempre fui sozinha desde o primeiro dia. Não como hoje acontece com os pais ou familiares a acompanhar as crianças quatro vezes ao dia.
Eu nunca tinha apetite e muito menos ao pequeno almoço. A minha mãe fazia de tudo para que eu comesse e, quando já não havia nada a fazer, dava-me 5 tostões para comprar um brinhol na  Ti 'Dalina. Por vezes tinha direito a um ovo assado nas brasas da fornalha batido com cerveja preta e muito  açúcar que eu apreciava no primeiro dia mas que depressa enjoava.
Fosse a comer o pequeno almoço em casa, fosse a ir à barraca comprar o brinhol, sempre perdia tempo mais que suficiente para chegar atrasada. Claro que, à minha espera logo que pisava o portado da sala, tinha a D. Ludovina à minha espera de régua em riste e muitas vezes era este o único pequeno almoço do dia.
Mesmo sabendo o que me esperava arranjava sempre alguma entretenga para o caminho. Lembro-me particularmente de uma brincadeira  com que me divertia sempre que encontrava mais companheiras no caminho. Para chegar à escola, depois de sair do Largo de S. José onde morava, tinha que percorrer toda a rua de S. António para entrar no Rossio onde ia ao brinhol. Aí já se iam juntando algumas colegas mas a maior parte só surgiriam no largo onde é agora a praça de taxis e o Tribunal. No lugar deste era a Igreja de S. André e onde estão os táxis era a praça de hortaliças. Nesse largo começava então a brincadeira.
Dávamos todas as mãos e algumas de nós seguíamos de olhos fechados guiadas pelas outras. Todas queriam ser a tapar os olhos e havia sempre discussão. Um dia, sem darmos por isso, todas fechámos os olhos ao mesmo tempo e zás! dou com toda a força num candeeiro!!!
Dali ainda tínhamos de atravessar o Terreiro das Covas, a Rua das Freiras e só depois de passar a Fonte de Espírito Santo chegávamos à escola na Rua da Levada. Estão a ver o que tinha de andar para ir à escola? Não admira que chegasse todos os dias em último lugar...
Naquele dia para além do atraso levava metade da cara toda negra e não consegui convencer a professora que tinha caído da cama e não fora tabefe da minha mãe. Antes isso que descobrir o verdadeiro motivo daquele inchaço. Então é que eu ficava com um inchaço maior do outro lado...
Como todos os dias chegava atrasada lá estava ela sempre atrás da porta à minha espera:
-Outra vez a pisar ovos? E trás! Lá vinha a primeira dose do dia!
Uma vez, ao querer apanhar uma companheira, escapou-lhe a régua e bateu com tanta força na carteira que a partiu. Durante uns dias houve folga mas eu , esperando que ela me ficasse muito agradecida disse-lhe que lhe traria um régua nova. Pediria ao meu tio Júlio que era carpinteiro que a fizesse.
Mas o meu tio nunca arranjava vagar para aceder ao meu pedido e ela não me largava,  todos os dias a pedir- me a régua. Um dia em que já não sabia o que lhe dizer, levantei-me com o propósito de não sair de casa sem a dita.
Fui- me ter com o meu tio e tanto o chateei que ele me mandou esperar e logo ali se pôs a fazê-la. Esperei e esperei até que ele acabasse o trabalho. Era uma linda régua de azinho, única madeira com que o meu tio trabalhava, pesada e bem mais grossa que a primeira.
Desta vez em lugar de chegar atrasada chegaria atrasadíssima. Não importava!  Levava-lhe aquela prenda que tanta falta lhe fazia e até me iria agradecer.
Todo o caminho me fui tentando convencer que assim seria e quando cheguei toda ufana apresentei-lhe a régua novinha em folha.
-Outra vez atrasada! gritou. E agarrando na linda prenda que lhe levava deu-me com ela nas mãos enquanto gritava:
-Pois vais já estreá-la!!!
E,  nem nesse dia,  a megera me poupou...


Maria Helena Alves   Novembro 2013

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