OS NOSSOS ESCRITOS

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terça-feira, 19 de novembro de 2013

A DONA JOANA

Tive alguma dificuldade em escolher a pessoa sobre quem iria escrever tantas foram as que passando pela minha vida muito me marcaram para o bem e para o mal.
Escolhi falar da D. Joana onde me hospedei na minha passagem por Évora.
O meu pai decidiu que as suas três filhas mais novas seriam professoras primárias como as do seu primo Paulo de quem era grande amigo.
Decidiu e não se admitiam dúvidas. Não havia nada que eu pudesse fazer.
Mesmo assim, resisti até ao fim.
De manhã a minha mãe mandou-me levantar para apanhar o combóio para Évora. Resolvi que não havia de sair da cama e quando ela me quis puxar agarrei a roupa e o colchão e foi tudo parar ao chão.
Não tive mais remédio senão despachar- me para chegar a horas. Durante toda a viagem chorei que me fartei...
Chegada a Évora, saí do combóio e ali estava eu com uma mala quase do meu tamanho e sem fazer a mais pequena ideia onde ficava a casa onde ia ficar.
Mal sabia eu o que me esperava! Na mala tinha metido apenas a roupa indispensável, ( só regressaria no Natal...) e dado que era uma leitora compulsiva, acabei de a encher com livros. Era uma mala enorme, de cartão e ninguém faz uma ideia como pesava. Pus-me a caminho perguntando a quem passava como se ia para a Zona de Urbanização número 1. Muito raramente lá havia alguém que conhecia, talvez por morar para aqueles lados...
Com os livros a mala tinha ficado pesadíssima e não sei como consegui chegar a casa com ela.
A dona da casa, a D. Joana Cabeça dos Reis, era uma senhora de mediana estatura, com o cabelo castanho grisalho apanhado atrás. Não  era bonita mas a sua simpatia extrema fazia parecê-lo. Tinha um rosto para o comprido, queixo ligeiramente lançado para a frente com uma leve barba que nunca cortou. Ao falar tinha um tom algo pretencioso coisa que ela , de todo, não era.
Era mais uma maneira de explicar tudo muito bem explicadinho de uma maneira muito pessoal.
Sempre de preto, dizia que não era luto. Tivera uma filha  de uns sete ou oito anos que foi encontrada pelas irmãs morta na cama. Foi um desgosto que a marcou para sempre embora nunca lhe tenha ouvido uma palavra sobre o assunto.
Era uma pessoa muito especial, com uma imaginação que lhe fazia superar a falta de tudo a que estava habituada desde mobília até utensílios de cozinha .
Estava em Évora provisoriamente apenas para acompanhar as filhas enquanto ali estudavam. A filha mais nova, a Felisberta, ficou em Estremoz a acabar o Colégio e hospedada em nossa casa numa troca proveitosa para ambas.
A Mãe  Joana, como eu carinhosamente lhe chamava, era a mestra do desenrasca. Faltava-lhe rolo da massa para fazer pastéis de massa tenra?Eu faria logo qualquer outra coisa mais simples a substituir mas ela não desistia com facilidade. Uma garrafa resolvia o assunto e foram os pastéis melhores que eu já comi onde a carne do recheio, muito bem temperado, tinha sido cortada à faca à laia de máquina de picados que ficara em Sousel.
Na segunda feira  de Páscoa despovoava-se Évora para se ir comer o borrego ao campo. Logo de manhã fomos acordadas para sair da cama e ir cumprir o ritual. Levou-nos até uma herdade nos arredores. Aí abancámos, toalha no chão, farnel em cima, por enquanto ainda fechado em caixinhas.
Uma volta pela herdade levou-nos a um rebanho de cabras que estava a ser ordenhado. Eu, que detestava leite, vi-me obrigada a provar e ainda hoje conservo na memória o gosto quente e adocicado do leite acabado de ordenhar. Nesse tempo ainda não se falava em febre aftosa...
 Mais tarde, a hora muito desejada do lanche, chegou por fim.
O abrir das caixinhas foi um espetáculo! De lá saíram entre muitos outros petiscos os deliciosos pastelinhos e uns biscoitos de chorar por mais...
E como é que ela os fizera se nem forno tinha ? Nada mais simples : foi a uma mercearia pedir uma lata de bolachas das grandes, fez-lhe uns furos dum lado e doutro,  ligou-os com arames, umas brasas por baixo e aí estava um forno com porta e tudo, pronto para cozer uns bolinhos ou fazer um assado como algumas vezes aconteceu.
Nunca comi tanto e tão bem como naqueles dois anos que lá passei. Era tudo tão saboroso que ninguém podia resistir. Até porque ela não deixaria...
Depois de uma refeição mais que farta, lá vinha o chazinho de folha de limoeiro(nunca mais bebi...) que, dizia ela, era para rebater. Mas, não se podia beber assim um chá sem nada a acompanhar. Então aparecia na mesa umas enormes rodas de um bucho, especialidade trazida de Niza pelo dono da casa.
A mãe Joana sempre foi muito amiga de surpresas e mistérios. Um dia ao sentarmo-nos à mesa estranhámos um grande prato com uma enorme porção de bananas, mas descascadas . Explicação dela : hoje no caixote do lixo  da da governada do menino Eduardinho estavam estas bananas assim descascadas. Aos nossos trejeitos de horror responde muito depressa : não tenham nojo. Estavam assim muito limpinhas em cima dum guardanapo de papel. Sabem que a senhora é um vaso de asseio!  Tanto disse que acabámos por comer todas as bananas.
Alguns meses depois quando já ninguém se lembrava do episódio, surge com um belíssimo licor de banana a acompanhar uns bolinhos que tinha feito.
E foi preciso dar ela uma deixa para recordarmos as bananas da vizinha...
Estas pequenas partidas faziam a sua felicidade.
Perto dali havia uma casa onde estavam hospedadas umas colegas. Quando calhava a ir lá a horas do lanche, ficava estasiada e cheia de inveja pois cada uma tinha em frente uma bandeja com um grande copo de leite com chocolate, (coisa de eu até nem gostava) e um prato com uma enorme fatia de pão cortada a toda a largura de um pão de quilo, barrado com uma farta camada de marmelada. Ora nós não tínhamos aquelas mordomias mas podíamos comer até muito mais do que aquilo pois tínhamos acesso a tudo o que nos apetecesse. Se ela soubesse disto ficaria zangada e com muita razão.
Foi realmente uma mãe para mim e para todas as  que por lá passaram .
Só ela para me fazer passar aqueles dois anos horríveis dum curso que fui forçada a seguir.
Obrigada por tudo Mãe Joana!!!


-Milena Falcato

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