OS NOSSOS ESCRITOS
TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS ELABORADOS PELAS ALUNAS DA DISCIPLINA
POESIA ELABORADA PELAS ALUNAS
POESIA, CONTOS E OUTROS TEXTOS TRABALHADOS NA AULA
terça-feira, 19 de novembro de 2013
A CASA DE JANTAR
Antes da construção do primeiro andar a casa de
jantar era na divisão que fica agora debaixo da escada.Tinha três portas. Uma
delas, grande e pesada, dava para o quintal e nem sempre estaria fechada pois
tinha que dar serventia à cozinha. Vindo da rua, entrava-se primeiro numa
pequena casa de entrada que dava diretamente para a casa de jantar assim
como o corredor e tudo isso junto tornavam aquela divisão desagasalhada. Não
consigo visualizar o teto antes da escada ser feita. Não admira pois pouco
tempo lá vivi dado que, nesse tempo, estava em casa dos meus padrinhos.
No entanto há uma recordação recorrente quanto a essa 'casa de jantar'.
Como já disse antes, vivi com os meus padrinhos até aos seis anos e meio, altura em que foram para Angola.
Todos os domingos o meu primo Constantino vinha levar-me de visita a casa dos meus pais. Na minha lembrança calhava sempre na hora de almoço. A mesa era enorme para dar assento a uma família numerosa como a nossa. Para além dos meus pais e nove irmãos havia sempre tios ou primos de Casa Branca ou amigos da casa.
Eu entrava e encostava-me timidamente à parede em frente da mesa , agarrava com muita força a mão do meu primo e dali não arredava um passo. É natural que tivesse que ir falar aos presentes mas, na minha imaginação, só me vejo como espetadora duma qualquer mesa de restaurante cheia de pessoas que não me diziam respeito e com as quais eu não tinha nada a ver. Como se ali não conhecesse ninguém. O que eu queria era libertar-me rapidamente daquela situação. Tornava e tornava a apertar a mão do Constantino e a puxá-lo até que atendendo à minha insistência lá começávamos as despedidas e mais uns instantes e estávamos fora e com tempo para ainda dar um passeiozinho antes de me entregar em casa.
Lembro- me que mais tarde tive alguma dificuldade em habituar- me a comer naquela mesa cheia de gente e até a estar em família. Aquela não era a minha casa e as saudades do meu padrinho doíam ainda. Era uma filha única que de um dia para o outro tinha que aceitar 9 irmãos. Mas as crianças têm um grande poder de adaptação e depressa me senti integrada.
Lembro-me dos almoços de sábado em que as coisa se complicavam. Havia sempre família da Casa Branca: tia Alice e marido (tinham lá o filho o meu amigo Constantino) , tia Bárbara, primo Perninhas, prima Marnoto que trazia um problema qualquer a resolver com um advogado e entre mais uns rtantos a Maria Amélia mãe da Zuzu. Era muito divertida mas ficava um pouco intimidada no meio de tanta gente. O Aníbal para a arreliar gritava-lhe lá do seu lugar: ri-te Amélia!!! E logo ela se escangalhava a rir e com ela toda a mesa.
Claro que nem todas as semanas se reunia tanto pessoal mas as refeições sempre foram uma festa. Sempre tivemos liberdade para rir e falar à mesa..
Uma vez que o primeiro andar foi construído, a casa de jantar passou para o quarto dos meus pais que era uma dependência maior. Aí já estava também o meu tio Chico que impunha ou queria impor algum respeito à mesa. Mais dois empregados da oficina que também lá comiam, a costureira, e os genros e noras e filhos que foram sugindo era sempre um banquete. Diz-se que onde comem dois comem três mas muito mais fácil é quando há quinze comerem vinte... Havia sempre comida que chegasse para mais quatro ou cinco.
O meu irmão mais velho andava a estudar em Lisboa e quando vinha gostava de pôr a escrita em dia como se diz e queria silêncio para se fazer ouvir.
Um dia compraram para a oficina um engenho de furar. A Adélia deu-lhe no goto o nome do objeto e cada vez que eu lho dizia baixinho ou o Armando o mencionava desatava a rir. Tanto riu que ele sai furioso da mesa, agarra-lhe num braço e foi pô-la lá fora no quintal talbez com algum açoite à mistura...
Indiferente ao choro e gritos dela a bater com toda a força na janela, lá continuou tranquilamente a a perorar sobre o 'engenho de furar'...
Este é um episódio entre muitos, muitos outros passados aqui nesta casa de jantar.
Pôr aquela mesa era uma tarefa que levava algum tempo. Trabalhou lá em casa uma rapariga do campo que estava a servir pela primeira vez. No dia da entrada ao serviço mandou-a a minha mãe pôr a mesa. Quase na hora de almoço a minha mãe vendo que ela nunca mais aparecia, gritou-lhe da cozinha:
-Floripes, já puseste a mesa? Ao que responde de lá:
-Aí senhora nã me entendi com isto. Olhe, eu pus tudo em riba e quem quiser que puxe!
E lá estava em cima da toalha, única tarefa que conseguira finalizar, três ou quatro rimas de pratos, uma grande porção de copos e um enorme monte de talheres à espera de quem os puxasse...
Ali casei eu, a Adélia, a Olga, a Natália, o Quím, o Dâmaso, o Jaime e a minha filha Guida. Nessas alturas a casa de jantar mostrava-se insuficiente e era preciso pôr algumas mesas noutras divisões para acomodar tanta família e convidados.
Que saudades das ceias de Natal e Consoada ali passadas!
Também recordo aquela mesa sempre posta todos os três dias de Carnaval onde abancavam grupos de mascarados e não só, trazidos pelo Aníbal ou pelo Jaime.
Enfim, esta é realmente a divisão da casa que mais e melhores recordações me traz à memória.
-Milena Falcato
No entanto há uma recordação recorrente quanto a essa 'casa de jantar'.
Como já disse antes, vivi com os meus padrinhos até aos seis anos e meio, altura em que foram para Angola.
Todos os domingos o meu primo Constantino vinha levar-me de visita a casa dos meus pais. Na minha lembrança calhava sempre na hora de almoço. A mesa era enorme para dar assento a uma família numerosa como a nossa. Para além dos meus pais e nove irmãos havia sempre tios ou primos de Casa Branca ou amigos da casa.
Eu entrava e encostava-me timidamente à parede em frente da mesa , agarrava com muita força a mão do meu primo e dali não arredava um passo. É natural que tivesse que ir falar aos presentes mas, na minha imaginação, só me vejo como espetadora duma qualquer mesa de restaurante cheia de pessoas que não me diziam respeito e com as quais eu não tinha nada a ver. Como se ali não conhecesse ninguém. O que eu queria era libertar-me rapidamente daquela situação. Tornava e tornava a apertar a mão do Constantino e a puxá-lo até que atendendo à minha insistência lá começávamos as despedidas e mais uns instantes e estávamos fora e com tempo para ainda dar um passeiozinho antes de me entregar em casa.
Lembro- me que mais tarde tive alguma dificuldade em habituar- me a comer naquela mesa cheia de gente e até a estar em família. Aquela não era a minha casa e as saudades do meu padrinho doíam ainda. Era uma filha única que de um dia para o outro tinha que aceitar 9 irmãos. Mas as crianças têm um grande poder de adaptação e depressa me senti integrada.
Lembro-me dos almoços de sábado em que as coisa se complicavam. Havia sempre família da Casa Branca: tia Alice e marido (tinham lá o filho o meu amigo Constantino) , tia Bárbara, primo Perninhas, prima Marnoto que trazia um problema qualquer a resolver com um advogado e entre mais uns rtantos a Maria Amélia mãe da Zuzu. Era muito divertida mas ficava um pouco intimidada no meio de tanta gente. O Aníbal para a arreliar gritava-lhe lá do seu lugar: ri-te Amélia!!! E logo ela se escangalhava a rir e com ela toda a mesa.
Claro que nem todas as semanas se reunia tanto pessoal mas as refeições sempre foram uma festa. Sempre tivemos liberdade para rir e falar à mesa..
Uma vez que o primeiro andar foi construído, a casa de jantar passou para o quarto dos meus pais que era uma dependência maior. Aí já estava também o meu tio Chico que impunha ou queria impor algum respeito à mesa. Mais dois empregados da oficina que também lá comiam, a costureira, e os genros e noras e filhos que foram sugindo era sempre um banquete. Diz-se que onde comem dois comem três mas muito mais fácil é quando há quinze comerem vinte... Havia sempre comida que chegasse para mais quatro ou cinco.
O meu irmão mais velho andava a estudar em Lisboa e quando vinha gostava de pôr a escrita em dia como se diz e queria silêncio para se fazer ouvir.
Um dia compraram para a oficina um engenho de furar. A Adélia deu-lhe no goto o nome do objeto e cada vez que eu lho dizia baixinho ou o Armando o mencionava desatava a rir. Tanto riu que ele sai furioso da mesa, agarra-lhe num braço e foi pô-la lá fora no quintal talbez com algum açoite à mistura...
Indiferente ao choro e gritos dela a bater com toda a força na janela, lá continuou tranquilamente a a perorar sobre o 'engenho de furar'...
Este é um episódio entre muitos, muitos outros passados aqui nesta casa de jantar.
Pôr aquela mesa era uma tarefa que levava algum tempo. Trabalhou lá em casa uma rapariga do campo que estava a servir pela primeira vez. No dia da entrada ao serviço mandou-a a minha mãe pôr a mesa. Quase na hora de almoço a minha mãe vendo que ela nunca mais aparecia, gritou-lhe da cozinha:
-Floripes, já puseste a mesa? Ao que responde de lá:
-Aí senhora nã me entendi com isto. Olhe, eu pus tudo em riba e quem quiser que puxe!
E lá estava em cima da toalha, única tarefa que conseguira finalizar, três ou quatro rimas de pratos, uma grande porção de copos e um enorme monte de talheres à espera de quem os puxasse...
Ali casei eu, a Adélia, a Olga, a Natália, o Quím, o Dâmaso, o Jaime e a minha filha Guida. Nessas alturas a casa de jantar mostrava-se insuficiente e era preciso pôr algumas mesas noutras divisões para acomodar tanta família e convidados.
Que saudades das ceias de Natal e Consoada ali passadas!
Também recordo aquela mesa sempre posta todos os três dias de Carnaval onde abancavam grupos de mascarados e não só, trazidos pelo Aníbal ou pelo Jaime.
Enfim, esta é realmente a divisão da casa que mais e melhores recordações me traz à memória.
-Milena Falcato
O MEU QUARTO
Não seria muito grande e, talvez por isso,
sentia-me lá muito aconchegada.
O meu padrinho encomendou a um bom artista de Estremoz a decoração do quarto. Foi assim que eu fiquei com um quarto de sonho muito lindo .
Todas as suas paredes ficaram repletas de figuras do Walt Disney em ponto grande. Miquey, Donaldo e sobrinhos, Pateta, Popey e Margarida e mais alguns que não me lembra passaram a fazer parte das minhas noites.Foram todos os que lá couberam.
Ninguém tinha um quarto tão lindo como o meu!
Mesmo assim havia ocasiões em que eu detestava ficar no quarto. Era na hora da sesta que a minha madrinha me obrigava a dormir. Metia-me na cama e fechava a porta para eu não me escapulir.
Mas a necessidade é mestra de engenho! Depois de alguns minutos de silêncio e quando ela já me julgava ferradinha, abria as portadas da sacada, levava para lá alguns brinquedos e uma vez fora do quarto tornava a fechar as portadas e aí tinha pela frente uma bela tardada de brincadeira. Para melhor os meus vizinhos da frente que já sabiam que aquela hora eu estava em transgressão, metiam-se comigo e ajudavam-me também a passar melhor o tempo. Eu tinha que falar baixo não fosse a minha madrinha ouvir e descobrir a marosca.
E ali ficava até que chegasse a hora de acordar e tudo era reposto pela ordem de partida. A janela era fechada e tornava a meter-me na cama até a minha madrinha chegar para me "acordar"...
-Milena Falcato
O meu padrinho encomendou a um bom artista de Estremoz a decoração do quarto. Foi assim que eu fiquei com um quarto de sonho muito lindo .
Todas as suas paredes ficaram repletas de figuras do Walt Disney em ponto grande. Miquey, Donaldo e sobrinhos, Pateta, Popey e Margarida e mais alguns que não me lembra passaram a fazer parte das minhas noites.Foram todos os que lá couberam.
Ninguém tinha um quarto tão lindo como o meu!
Mesmo assim havia ocasiões em que eu detestava ficar no quarto. Era na hora da sesta que a minha madrinha me obrigava a dormir. Metia-me na cama e fechava a porta para eu não me escapulir.
Mas a necessidade é mestra de engenho! Depois de alguns minutos de silêncio e quando ela já me julgava ferradinha, abria as portadas da sacada, levava para lá alguns brinquedos e uma vez fora do quarto tornava a fechar as portadas e aí tinha pela frente uma bela tardada de brincadeira. Para melhor os meus vizinhos da frente que já sabiam que aquela hora eu estava em transgressão, metiam-se comigo e ajudavam-me também a passar melhor o tempo. Eu tinha que falar baixo não fosse a minha madrinha ouvir e descobrir a marosca.
E ali ficava até que chegasse a hora de acordar e tudo era reposto pela ordem de partida. A janela era fechada e tornava a meter-me na cama até a minha madrinha chegar para me "acordar"...
-Milena Falcato
A DONA JOANA
Tive alguma dificuldade em
escolher a pessoa sobre quem iria escrever tantas foram as que passando pela
minha vida muito me marcaram para o bem e para o mal.
Escolhi falar da D. Joana onde me hospedei na minha passagem por Évora.
O meu pai decidiu que as suas três filhas mais novas seriam professoras primárias como as do seu primo Paulo de quem era grande amigo.
Decidiu e não se admitiam dúvidas. Não havia nada que eu pudesse fazer.
Mesmo assim, resisti até ao fim.
De manhã a minha mãe mandou-me levantar para apanhar o combóio para Évora. Resolvi que não havia de sair da cama e quando ela me quis puxar agarrei a roupa e o colchão e foi tudo parar ao chão.
Não tive mais remédio senão despachar- me para chegar a horas. Durante toda a viagem chorei que me fartei...
Chegada a Évora, saí do combóio e ali estava eu com uma mala quase do meu tamanho e sem fazer a mais pequena ideia onde ficava a casa onde ia ficar.
Mal sabia eu o que me esperava! Na mala tinha metido apenas a roupa indispensável, ( só regressaria no Natal...) e dado que era uma leitora compulsiva, acabei de a encher com livros. Era uma mala enorme, de cartão e ninguém faz uma ideia como pesava. Pus-me a caminho perguntando a quem passava como se ia para a Zona de Urbanização número 1. Muito raramente lá havia alguém que conhecia, talvez por morar para aqueles lados...
Com os livros a mala tinha ficado pesadíssima e não sei como consegui chegar a casa com ela.
A dona da casa, a D. Joana Cabeça dos Reis, era uma senhora de mediana estatura, com o cabelo castanho grisalho apanhado atrás. Não era bonita mas a sua simpatia extrema fazia parecê-lo. Tinha um rosto para o comprido, queixo ligeiramente lançado para a frente com uma leve barba que nunca cortou. Ao falar tinha um tom algo pretencioso coisa que ela , de todo, não era.
Era mais uma maneira de explicar tudo muito bem explicadinho de uma maneira muito pessoal.
Sempre de preto, dizia que não era luto. Tivera uma filha de uns sete ou oito anos que foi encontrada pelas irmãs morta na cama. Foi um desgosto que a marcou para sempre embora nunca lhe tenha ouvido uma palavra sobre o assunto.
Era uma pessoa muito especial, com uma imaginação que lhe fazia superar a falta de tudo a que estava habituada desde mobília até utensílios de cozinha .
Estava em Évora provisoriamente apenas para acompanhar as filhas enquanto ali estudavam. A filha mais nova, a Felisberta, ficou em Estremoz a acabar o Colégio e hospedada em nossa casa numa troca proveitosa para ambas.
A Mãe Joana, como eu carinhosamente lhe chamava, era a mestra do desenrasca. Faltava-lhe rolo da massa para fazer pastéis de massa tenra?Eu faria logo qualquer outra coisa mais simples a substituir mas ela não desistia com facilidade. Uma garrafa resolvia o assunto e foram os pastéis melhores que eu já comi onde a carne do recheio, muito bem temperado, tinha sido cortada à faca à laia de máquina de picados que ficara em Sousel.
Na segunda feira de Páscoa despovoava-se Évora para se ir comer o borrego ao campo. Logo de manhã fomos acordadas para sair da cama e ir cumprir o ritual. Levou-nos até uma herdade nos arredores. Aí abancámos, toalha no chão, farnel em cima, por enquanto ainda fechado em caixinhas.
Uma volta pela herdade levou-nos a um rebanho de cabras que estava a ser ordenhado. Eu, que detestava leite, vi-me obrigada a provar e ainda hoje conservo na memória o gosto quente e adocicado do leite acabado de ordenhar. Nesse tempo ainda não se falava em febre aftosa...
Mais tarde, a hora muito desejada do lanche, chegou por fim.
O abrir das caixinhas foi um espetáculo! De lá saíram entre muitos outros petiscos os deliciosos pastelinhos e uns biscoitos de chorar por mais...
E como é que ela os fizera se nem forno tinha ? Nada mais simples : foi a uma mercearia pedir uma lata de bolachas das grandes, fez-lhe uns furos dum lado e doutro, ligou-os com arames, umas brasas por baixo e aí estava um forno com porta e tudo, pronto para cozer uns bolinhos ou fazer um assado como algumas vezes aconteceu.
Nunca comi tanto e tão bem como naqueles dois anos que lá passei. Era tudo tão saboroso que ninguém podia resistir. Até porque ela não deixaria...
Depois de uma refeição mais que farta, lá vinha o chazinho de folha de limoeiro(nunca mais bebi...) que, dizia ela, era para rebater. Mas, não se podia beber assim um chá sem nada a acompanhar. Então aparecia na mesa umas enormes rodas de um bucho, especialidade trazida de Niza pelo dono da casa.
A mãe Joana sempre foi muito amiga de surpresas e mistérios. Um dia ao sentarmo-nos à mesa estranhámos um grande prato com uma enorme porção de bananas, mas descascadas . Explicação dela : hoje no caixote do lixo da da governada do menino Eduardinho estavam estas bananas assim descascadas. Aos nossos trejeitos de horror responde muito depressa : não tenham nojo. Estavam assim muito limpinhas em cima dum guardanapo de papel. Sabem que a senhora é um vaso de asseio! Tanto disse que acabámos por comer todas as bananas.
Alguns meses depois quando já ninguém se lembrava do episódio, surge com um belíssimo licor de banana a acompanhar uns bolinhos que tinha feito.
E foi preciso dar ela uma deixa para recordarmos as bananas da vizinha...
Estas pequenas partidas faziam a sua felicidade.
Perto dali havia uma casa onde estavam hospedadas umas colegas. Quando calhava a ir lá a horas do lanche, ficava estasiada e cheia de inveja pois cada uma tinha em frente uma bandeja com um grande copo de leite com chocolate, (coisa de eu até nem gostava) e um prato com uma enorme fatia de pão cortada a toda a largura de um pão de quilo, barrado com uma farta camada de marmelada. Ora nós não tínhamos aquelas mordomias mas podíamos comer até muito mais do que aquilo pois tínhamos acesso a tudo o que nos apetecesse. Se ela soubesse disto ficaria zangada e com muita razão.
Foi realmente uma mãe para mim e para todas as que por lá passaram .
Só ela para me fazer passar aqueles dois anos horríveis dum curso que fui forçada a seguir.
Obrigada por tudo Mãe Joana!!!
-Milena Falcato
Escolhi falar da D. Joana onde me hospedei na minha passagem por Évora.
O meu pai decidiu que as suas três filhas mais novas seriam professoras primárias como as do seu primo Paulo de quem era grande amigo.
Decidiu e não se admitiam dúvidas. Não havia nada que eu pudesse fazer.
Mesmo assim, resisti até ao fim.
De manhã a minha mãe mandou-me levantar para apanhar o combóio para Évora. Resolvi que não havia de sair da cama e quando ela me quis puxar agarrei a roupa e o colchão e foi tudo parar ao chão.
Não tive mais remédio senão despachar- me para chegar a horas. Durante toda a viagem chorei que me fartei...
Chegada a Évora, saí do combóio e ali estava eu com uma mala quase do meu tamanho e sem fazer a mais pequena ideia onde ficava a casa onde ia ficar.
Mal sabia eu o que me esperava! Na mala tinha metido apenas a roupa indispensável, ( só regressaria no Natal...) e dado que era uma leitora compulsiva, acabei de a encher com livros. Era uma mala enorme, de cartão e ninguém faz uma ideia como pesava. Pus-me a caminho perguntando a quem passava como se ia para a Zona de Urbanização número 1. Muito raramente lá havia alguém que conhecia, talvez por morar para aqueles lados...
Com os livros a mala tinha ficado pesadíssima e não sei como consegui chegar a casa com ela.
A dona da casa, a D. Joana Cabeça dos Reis, era uma senhora de mediana estatura, com o cabelo castanho grisalho apanhado atrás. Não era bonita mas a sua simpatia extrema fazia parecê-lo. Tinha um rosto para o comprido, queixo ligeiramente lançado para a frente com uma leve barba que nunca cortou. Ao falar tinha um tom algo pretencioso coisa que ela , de todo, não era.
Era mais uma maneira de explicar tudo muito bem explicadinho de uma maneira muito pessoal.
Sempre de preto, dizia que não era luto. Tivera uma filha de uns sete ou oito anos que foi encontrada pelas irmãs morta na cama. Foi um desgosto que a marcou para sempre embora nunca lhe tenha ouvido uma palavra sobre o assunto.
Era uma pessoa muito especial, com uma imaginação que lhe fazia superar a falta de tudo a que estava habituada desde mobília até utensílios de cozinha .
Estava em Évora provisoriamente apenas para acompanhar as filhas enquanto ali estudavam. A filha mais nova, a Felisberta, ficou em Estremoz a acabar o Colégio e hospedada em nossa casa numa troca proveitosa para ambas.
A Mãe Joana, como eu carinhosamente lhe chamava, era a mestra do desenrasca. Faltava-lhe rolo da massa para fazer pastéis de massa tenra?Eu faria logo qualquer outra coisa mais simples a substituir mas ela não desistia com facilidade. Uma garrafa resolvia o assunto e foram os pastéis melhores que eu já comi onde a carne do recheio, muito bem temperado, tinha sido cortada à faca à laia de máquina de picados que ficara em Sousel.
Na segunda feira de Páscoa despovoava-se Évora para se ir comer o borrego ao campo. Logo de manhã fomos acordadas para sair da cama e ir cumprir o ritual. Levou-nos até uma herdade nos arredores. Aí abancámos, toalha no chão, farnel em cima, por enquanto ainda fechado em caixinhas.
Uma volta pela herdade levou-nos a um rebanho de cabras que estava a ser ordenhado. Eu, que detestava leite, vi-me obrigada a provar e ainda hoje conservo na memória o gosto quente e adocicado do leite acabado de ordenhar. Nesse tempo ainda não se falava em febre aftosa...
Mais tarde, a hora muito desejada do lanche, chegou por fim.
O abrir das caixinhas foi um espetáculo! De lá saíram entre muitos outros petiscos os deliciosos pastelinhos e uns biscoitos de chorar por mais...
E como é que ela os fizera se nem forno tinha ? Nada mais simples : foi a uma mercearia pedir uma lata de bolachas das grandes, fez-lhe uns furos dum lado e doutro, ligou-os com arames, umas brasas por baixo e aí estava um forno com porta e tudo, pronto para cozer uns bolinhos ou fazer um assado como algumas vezes aconteceu.
Nunca comi tanto e tão bem como naqueles dois anos que lá passei. Era tudo tão saboroso que ninguém podia resistir. Até porque ela não deixaria...
Depois de uma refeição mais que farta, lá vinha o chazinho de folha de limoeiro(nunca mais bebi...) que, dizia ela, era para rebater. Mas, não se podia beber assim um chá sem nada a acompanhar. Então aparecia na mesa umas enormes rodas de um bucho, especialidade trazida de Niza pelo dono da casa.
A mãe Joana sempre foi muito amiga de surpresas e mistérios. Um dia ao sentarmo-nos à mesa estranhámos um grande prato com uma enorme porção de bananas, mas descascadas . Explicação dela : hoje no caixote do lixo da da governada do menino Eduardinho estavam estas bananas assim descascadas. Aos nossos trejeitos de horror responde muito depressa : não tenham nojo. Estavam assim muito limpinhas em cima dum guardanapo de papel. Sabem que a senhora é um vaso de asseio! Tanto disse que acabámos por comer todas as bananas.
Alguns meses depois quando já ninguém se lembrava do episódio, surge com um belíssimo licor de banana a acompanhar uns bolinhos que tinha feito.
E foi preciso dar ela uma deixa para recordarmos as bananas da vizinha...
Estas pequenas partidas faziam a sua felicidade.
Perto dali havia uma casa onde estavam hospedadas umas colegas. Quando calhava a ir lá a horas do lanche, ficava estasiada e cheia de inveja pois cada uma tinha em frente uma bandeja com um grande copo de leite com chocolate, (coisa de eu até nem gostava) e um prato com uma enorme fatia de pão cortada a toda a largura de um pão de quilo, barrado com uma farta camada de marmelada. Ora nós não tínhamos aquelas mordomias mas podíamos comer até muito mais do que aquilo pois tínhamos acesso a tudo o que nos apetecesse. Se ela soubesse disto ficaria zangada e com muita razão.
Foi realmente uma mãe para mim e para todas as que por lá passaram .
Só ela para me fazer passar aqueles dois anos horríveis dum curso que fui forçada a seguir.
Obrigada por tudo Mãe Joana!!!
-Milena Falcato
A ESCADA
Era bastante perigosa a escada que nos levava à
rua. Tinha uns degraus muito altos e uma inclinação que a tornava difícil para
minha idade e tamanho. Sempre que a descia ou era acompanhada ou ouvia uma
série de recomendações que eu fazia por não ouvir pois já me achava muito
crescida para ouvir conselhos.
Por ela descia todos os dias em que me conseguia escapulir para ir brincar com o Carlinhos, meu único amigo, que morava uns metros abaixo da minha casa. Era com grande alegria que galgava os degraus deixando para trás os gritos da madrinha que fosse devagar, que ia cair...
Pior era quando os subia de regresso pois quase sempre me esperavam uns açoites, bem merecidos por sinal porque, muitas vezes a mãe dele já se tinha adiantado a vir contar à minha madrinha as asneiradas em que tinham terminado as nossas brincadeiras. Muito nos divertíamos nós e que saudades eu guardo do meu amigo Carlinhos...
Eu era sonâmbula e uma noite ouvi como se verdade fosse, a minha madrinha chamar-me e dizendo para me apressar para irmos sair.
Muito obediente desta vez, saí da cama, bem enrolada nos cobertores e dirigi-me para a escada. Ali chegada não existiram degraus e só me lembro de me --encontrar no patinho cá em baixo ainda com os cobertores atrás e os meus padrinhos de roda de mim muito assustados sem saberem como tinha eu ali ido parar. Valeram-me os cobertores que me fizeram escapar a resultados muito sérios ou até à morte. Um galarô que toda a noite cantou e por aqui se ficou a aventura sonambulesca...
-Milena Falcato
Por ela descia todos os dias em que me conseguia escapulir para ir brincar com o Carlinhos, meu único amigo, que morava uns metros abaixo da minha casa. Era com grande alegria que galgava os degraus deixando para trás os gritos da madrinha que fosse devagar, que ia cair...
Pior era quando os subia de regresso pois quase sempre me esperavam uns açoites, bem merecidos por sinal porque, muitas vezes a mãe dele já se tinha adiantado a vir contar à minha madrinha as asneiradas em que tinham terminado as nossas brincadeiras. Muito nos divertíamos nós e que saudades eu guardo do meu amigo Carlinhos...
Eu era sonâmbula e uma noite ouvi como se verdade fosse, a minha madrinha chamar-me e dizendo para me apressar para irmos sair.
Muito obediente desta vez, saí da cama, bem enrolada nos cobertores e dirigi-me para a escada. Ali chegada não existiram degraus e só me lembro de me --encontrar no patinho cá em baixo ainda com os cobertores atrás e os meus padrinhos de roda de mim muito assustados sem saberem como tinha eu ali ido parar. Valeram-me os cobertores que me fizeram escapar a resultados muito sérios ou até à morte. Um galarô que toda a noite cantou e por aqui se ficou a aventura sonambulesca...
-Milena Falcato
A BARAFUNDA
Em casa do meu tio Carreço havia uma dependência que apesar de ficar no 1ºandar, era para nós o sótão e tinha um nome: BARAFUNDA.
Ali se se guardava de um tudo . Móveis, caixas, arcas cheias de roupas antigas que nós mais tarde aproveitámos para nos mascararmos e um número interminável de objetos considerados sem préstimo ou à espera de melhores dias em que fossem chamados porque se lhe achara serventia. Havia uma cadeira de verga recostáveis onde eu gostava de me balouçar.
Aquele era o sítio de eleição para nos reunirmos, eu, a Adélia e as minhas primas Maria Inácia e Maria Odete.
Devia haver janela mas nunca a vi aberta e a luz da rua nunca ali entrava. A dependência permanecia numa penumbra que mais adensava o mistério daquele lugar.
Um dia, estávamos nós mais uma vez remexendo, abrindo e fechando arcas e malas, encontrámos um lindo colar vermelho de macias contas ovais não sei se de coral ou qualquer pedra semi preciosa. As contas iam crescendo das mais pequeninas até uma enorme ao meio. Agora à distância vejo que devia ser de grande valor e fora parar aqui por um descuido infeliz.
Virámos e revirámos o colar a imaginar o que poderíamos fazer com ele.
Às tantas uma de nós, parece-me que a Adélia, teve uma brilhante idéia:
-Comêmo-lo!
Bem dito melhor feito. Sentámos-nos em roda no chão e no meio o 'apetitoso' manjar. Partimos o fio e espalhámos as contas pela mesma ordem .
À vez lá fomos engolindo pedra a pedra em seco. Quando começáramos a crescer já era precisa alguma coragem para as mandar goela abaixo mas ninguém se ousou recusar... E ali estava a enorme pedra do meio. Quem se atrevia com ela? Todas sabíamos quem iria ser: seria a Adélia, guela de pato que tudo engolia desde caroços de azeitona a caroços de nêsperas.
Com um grande ritual lá assistimos ao grande e único momento do dia.
Sem mostrar esforço que se visse meteu a pedra na boca e num ápice COMEU-A !!!
Muitos anos depois, já eu adulta e com mais juízo falando com a Natália soube que o colar era da minha prima Flor, mãe da Mina.
MuItos anos ainda se passaram até ganhar coragem para contar à Flor o acontecido.
O meu tio era um grande viajante e de uma dessas viagens trouxera-lhe aquela prenda. Tinha tido um grande desgosto quando o perdera e levou o tempo com medo que ele se lembrasse de lhe perguntar por que não usava a prenda que lhe dera. Vivia naquele tempo lá em casa do tio como foi o caso de muitas outras sobrinhas entre elas a Natália, minha irmã mais velha.
Como era muito minha amiga, assim que lhe contei disse logo:
- já estou a ver! Foi obra da Maria Inácia! Vocês nunca se iriam lembrar duma coisa dessas!
Realmente esta minha prima tinha idéias que não lembravam ao diabo mas daquela vez a obra saíra de todas as nossas cabecinhas. Agradeci mentalmente a amizade da Flor e lá confirmei que realmente a idéia tinha partido da Maria Inácia. Ela que me perdoe...
O AUTOMÓVEL NO SÓTÃO
Não resisto a contar a estória dum outro sótão que até parece anedota.
Em casa dos meus pais não havia sótão mas o telhado por cima do primeiro andar estava a uma altura tal que dava à vontade para outro andar e ainda sobrava espaço.
A pessoa que nos comprou o prédio, sabendo disso, resolveu fazer lá mais uma dependência. Qual não foi o seu espanto quando ao abrir o teto se deparou com um automóvel !
Nem toda a gente se pode gabar de ter um automóvel no sótão...
Explicação para o fenómeno:
O meu pai tinha ao lado da casa uma oficina. Havia na família um carro grande que foi substituído por outro mais moderno. Como não o quiseram deitar fora resolveram içá-lo para o telhado da casa. A oficina foi vendida e o dono, na hora da venda, exigiu que fosse levantada uma parede até ao telhado. Quem fez a obra não tirou o automóvel que lá ficou para surpreender o novo dono da casa que não deve ter ganho para o susto!
-Milena Falcato
Outubro 2013
A CAMINHO DA ESCOLA
Para chegar à escola tinha que atravessar quase toda a cidade
mas sempre fui sozinha desde o primeiro dia. Não como hoje acontece com os pais
ou familiares a acompanhar as crianças quatro vezes ao dia.
Eu nunca tinha apetite e muito menos ao pequeno almoço. A minha mãe fazia de tudo para que eu comesse e, quando já não havia nada a fazer, dava-me 5 tostões para comprar um brinhol na Ti 'Dalina. Por vezes tinha direito a um ovo assado nas brasas da fornalha batido com cerveja preta e muito açúcar que eu apreciava no primeiro dia mas que depressa enjoava.
Fosse a comer o pequeno almoço em casa, fosse a ir à barraca comprar o brinhol, sempre perdia tempo mais que suficiente para chegar atrasada. Claro que, à minha espera logo que pisava o portado da sala, tinha a D. Ludovina à minha espera de régua em riste e muitas vezes era este o único pequeno almoço do dia.
Mesmo sabendo o que me esperava arranjava sempre alguma entretenga para o caminho. Lembro-me particularmente de uma brincadeira com que me divertia sempre que encontrava mais companheiras no caminho. Para chegar à escola, depois de sair do Largo de S. José onde morava, tinha que percorrer toda a rua de S. António para entrar no Rossio onde ia ao brinhol. Aí já se iam juntando algumas colegas mas a maior parte só surgiriam no largo onde é agora a praça de taxis e o Tribunal. No lugar deste era a Igreja de S. André e onde estão os táxis era a praça de hortaliças. Nesse largo começava então a brincadeira.
Dávamos todas as mãos e algumas de nós seguíamos de olhos fechados guiadas pelas outras. Todas queriam ser a tapar os olhos e havia sempre discussão. Um dia, sem darmos por isso, todas fechámos os olhos ao mesmo tempo e zás! dou com toda a força num candeeiro!!!
Dali ainda tínhamos de atravessar o Terreiro das Covas, a Rua das Freiras e só depois de passar a Fonte de Espírito Santo chegávamos à escola na Rua da Levada. Estão a ver o que tinha de andar para ir à escola? Não admira que chegasse todos os dias em último lugar...
Naquele dia para além do atraso levava metade da cara toda negra e não consegui convencer a professora que tinha caído da cama e não fora tabefe da minha mãe. Antes isso que descobrir o verdadeiro motivo daquele inchaço. Então é que eu ficava com um inchaço maior do outro lado...
Como todos os dias chegava atrasada lá estava ela sempre atrás da porta à minha espera:
-Outra vez a pisar ovos? E trás! Lá vinha a primeira dose do dia!
Uma vez, ao querer apanhar uma companheira, escapou-lhe a régua e bateu com tanta força na carteira que a partiu. Durante uns dias houve folga mas eu , esperando que ela me ficasse muito agradecida disse-lhe que lhe traria um régua nova. Pediria ao meu tio Júlio que era carpinteiro que a fizesse.
Mas o meu tio nunca arranjava vagar para aceder ao meu pedido e ela não me largava, todos os dias a pedir- me a régua. Um dia em que já não sabia o que lhe dizer, levantei-me com o propósito de não sair de casa sem a dita.
Fui- me ter com o meu tio e tanto o chateei que ele me mandou esperar e logo ali se pôs a fazê-la. Esperei e esperei até que ele acabasse o trabalho. Era uma linda régua de azinho, única madeira com que o meu tio trabalhava, pesada e bem mais grossa que a primeira.
Desta vez em lugar de chegar atrasada chegaria atrasadíssima. Não importava! Levava-lhe aquela prenda que tanta falta lhe fazia e até me iria agradecer.
Todo o caminho me fui tentando convencer que assim seria e quando cheguei toda ufana apresentei-lhe a régua novinha em folha.
-Outra vez atrasada! gritou. E agarrando na linda prenda que lhe levava deu-me com ela nas mãos enquanto gritava:
-Pois vais já estreá-la!!!
E, nem nesse dia, a megera me poupou...
Maria Helena Alves Novembro 2013
Eu nunca tinha apetite e muito menos ao pequeno almoço. A minha mãe fazia de tudo para que eu comesse e, quando já não havia nada a fazer, dava-me 5 tostões para comprar um brinhol na Ti 'Dalina. Por vezes tinha direito a um ovo assado nas brasas da fornalha batido com cerveja preta e muito açúcar que eu apreciava no primeiro dia mas que depressa enjoava.
Fosse a comer o pequeno almoço em casa, fosse a ir à barraca comprar o brinhol, sempre perdia tempo mais que suficiente para chegar atrasada. Claro que, à minha espera logo que pisava o portado da sala, tinha a D. Ludovina à minha espera de régua em riste e muitas vezes era este o único pequeno almoço do dia.
Mesmo sabendo o que me esperava arranjava sempre alguma entretenga para o caminho. Lembro-me particularmente de uma brincadeira com que me divertia sempre que encontrava mais companheiras no caminho. Para chegar à escola, depois de sair do Largo de S. José onde morava, tinha que percorrer toda a rua de S. António para entrar no Rossio onde ia ao brinhol. Aí já se iam juntando algumas colegas mas a maior parte só surgiriam no largo onde é agora a praça de taxis e o Tribunal. No lugar deste era a Igreja de S. André e onde estão os táxis era a praça de hortaliças. Nesse largo começava então a brincadeira.
Dávamos todas as mãos e algumas de nós seguíamos de olhos fechados guiadas pelas outras. Todas queriam ser a tapar os olhos e havia sempre discussão. Um dia, sem darmos por isso, todas fechámos os olhos ao mesmo tempo e zás! dou com toda a força num candeeiro!!!
Dali ainda tínhamos de atravessar o Terreiro das Covas, a Rua das Freiras e só depois de passar a Fonte de Espírito Santo chegávamos à escola na Rua da Levada. Estão a ver o que tinha de andar para ir à escola? Não admira que chegasse todos os dias em último lugar...
Naquele dia para além do atraso levava metade da cara toda negra e não consegui convencer a professora que tinha caído da cama e não fora tabefe da minha mãe. Antes isso que descobrir o verdadeiro motivo daquele inchaço. Então é que eu ficava com um inchaço maior do outro lado...
Como todos os dias chegava atrasada lá estava ela sempre atrás da porta à minha espera:
-Outra vez a pisar ovos? E trás! Lá vinha a primeira dose do dia!
Uma vez, ao querer apanhar uma companheira, escapou-lhe a régua e bateu com tanta força na carteira que a partiu. Durante uns dias houve folga mas eu , esperando que ela me ficasse muito agradecida disse-lhe que lhe traria um régua nova. Pediria ao meu tio Júlio que era carpinteiro que a fizesse.
Mas o meu tio nunca arranjava vagar para aceder ao meu pedido e ela não me largava, todos os dias a pedir- me a régua. Um dia em que já não sabia o que lhe dizer, levantei-me com o propósito de não sair de casa sem a dita.
Fui- me ter com o meu tio e tanto o chateei que ele me mandou esperar e logo ali se pôs a fazê-la. Esperei e esperei até que ele acabasse o trabalho. Era uma linda régua de azinho, única madeira com que o meu tio trabalhava, pesada e bem mais grossa que a primeira.
Desta vez em lugar de chegar atrasada chegaria atrasadíssima. Não importava! Levava-lhe aquela prenda que tanta falta lhe fazia e até me iria agradecer.
Todo o caminho me fui tentando convencer que assim seria e quando cheguei toda ufana apresentei-lhe a régua novinha em folha.
-Outra vez atrasada! gritou. E agarrando na linda prenda que lhe levava deu-me com ela nas mãos enquanto gritava:
-Pois vais já estreá-la!!!
E, nem nesse dia, a megera me poupou...
Maria Helena Alves Novembro 2013
sábado, 16 de novembro de 2013
HISTÓRIA DA CAROCHINHA
Era uma vez uma carochinha que andava
a varrer a casinha e achou cinco réis e foi logo ter com uma vizinha e
perguntou-lhe: “Oh vizinha, que hei-de eu fazer a estes cinco réis?”
Respondeu-lhe a vizinha: “ Compra
doces!”
Nada, nada, que é lambarice!” –
respondeu a carochinha
Foi ter com outra vizinha e ela
disse-lhe o mesmo; depois foi ter com outra que lhe disse:” Compra fitas,flores,braceletes
e brincos, vai-te pôr à janela e diz: "Quem quer casar com a carochinha, que é bonita e
perfeitinha?”
Foi a carochinha comprar muitas fitas,
rendas, flores, braceletes de ouro e brincos; enfeitou-se muito enfeitada e
foi-se pôr à janela, dizendo:
“Quem
quer casar com a carochinha,
que é bonita e perfeitinha?”
Passou um boi e disse:” Quero eu!”
Como é a tua fala?” –perguntou a
carochinha
“Ummm, Ummmm, Ummmmmm” – Mugiu o boi.
“ Nada, nada, não me serves, que me
acordas os meninos de noite” – disse a carochinha
O boi foi-se embora. Depois a
carochinha tornou outra vez dizer:
”
Quem quer casar com a carochinha
que é bonita e perfeitinha?”
Passou um burro e disse: “Quero eu,
quero eu!”
Como é a tua fala? – perguntou a
carochinha
“Em ...ó...em....ó...em....ó...” -
zurrou o burro
“Nada, nada, não me serves, que me
acordas os meninos de noite!” – disse a carochinha
E o burro foi-se embora.
”
Quem quer casar com a carochinha
que é bonita e perfeitinha?”
Depois passou um porco e a carochinha
disse-lhe: - “Deixa-me ouvir a tua fala!”
“Onnnnn, onnnnn, onnnn” - grunhiu o porco
“Nada, nada, não me serves que me
acordas os meninos de noite.”
E o porco foi-se embora.
Passou um cão e a carochinha
disse-lhe: “Deixa-me ouvir a tua fala?
“Béu, béu, béu” – ladrou o cão
“Nada, nada, não me serves que me
acordas os meninos de noite!”
E o cão foi-se embora.
Passou um gato, e a carochinha
disse-lhe:- ” Deixa-me ouvir a tua fala?”
“Miau, miau, miau” – respondeu o gato
“Nada, nada, não me serves, que me
acordas os meninos à noite!” – respondeu a carochinha.
O gato foi-se embora. A carochinha já
estava muito triste por não encontrar com quem casar. Pôs-se de novo à janela a
dizer:
”
Quem quer casar com a carochinha
que é bonita e perfeitinha?”
Passou um rato e disse : - “Quero eu!”A
carochinha perguntou-lhe: “ Como é a tua fala?”
“Chi, chi, chi” – respondeu o rato.
“Tu sim, tu sim, quero casar contigo!”
– disse a carochinha muito contente.
Então o ratinho casou com a carochinha
e ficou-se chamando João Ratão. Viveram alguns dias muito felizes, mas tendo
chegado o Domingo, a Carochinha disse ao João Ratão que ficasse ele a tomar
conta na panela que estava ao lume a cozer a sopa, enquanto ela ia à missa.
O João Ratão foi para junto do lume
para ver se a sopa estava cozida, meteu a mãe na panela e ficou-lhe lá. Meteu a
outra; também lá ficou; meteu-lhe um pé; sucedeu-lhe o mesmo e sem ele dar por
isso deu um trambolhão para dentro do caldeirão. E ficou cozido no caldeirão.
Voltou a carochinha da missa e como
não visse o João Ratão procurou por todos os buracos e não o encontrou, e disse
para consigo: “Ele virá quando quiser, deixa-me ir comer a minha sopa!” . Mas
ao deitar a sopa no prato encontrou o João Ratão dentro da panela, morto e
cozido.
A carochinha começou a chorar em altos
gritos e uma tripeça que ela tinha em casa perguntou-lhe:
Que
tens carochinha,
Que estás
a chorar?
Morreu
o João Ratão
E por
isso estou a chorar.
E eu
que sou tripeça
Ponho-me
a chorar.
Que
estás a dançar?
Morreu
o João Ratão
Carochinha
está a chorar.
E eu
que sou tripeça
Pus-me
a dançar.
E eu
que sou porta
Ponho-me
a abrir e a fechar.
Diz
dali uma trave:
Que estás
a abrir e a fechar?
Morreu
o João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A
tripeça está a dançar,
E eu que sou porta
Pus-me
a abrir e a fechar.
E eu
que sou trave
Quebro-me.
Diz
dali um pinheiro:
Que
te quebraste?
Morreu
o João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A
tripeça está a dançar,
E eu que sou porta
Pus-me
a abrir e a fechar,
E eu
quebrei-me.
E eu que
sou pinheiro
Arranco-me.
Vieram
os passarinhos para descansar no pinheiro e viram-no arrancado e disseram:
Que
tens, pinheiro,
Que
estás no chão?
Morreu
o João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A
tripeça está a dançar,
A
porta a abrir e a fechar,
A
trave quebrou-se,
E eu arranquei-me.
E nós
que somos passarinhos
Vamos
tirar os olhinhos.
Os
passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram á fonte beber água. E diz-lhe a
fonte:
Porque
foi passarinhos,
Que tirastes
os olhinhos?
Morreu
o João Ratão
A
carochinha está a chorar,
A
tripeça a dançar,
A porta
a abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se,
O pinheiro
arrancou-se,
E nós
passarinhos,
Tirámos
os olhinhos
E eu
que sou fonte
Seco-me
Vieram
os meninos do rei com os seus cantarinhos para levarem água da fonte e
acharam-na seca e disseram:
Que
tens fonte,
Que
secaste?
Morreu
o João Ratão
A
carochinha está a chorar,
Atripeça
a dançar,
A porta
a abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se
O pinheiro
arrancou-se,
Os passarinhos
tiraram os olhinhos,
E eu sequei-me.
E nós
quebramos os cantarinhos.
E
foram os meninos para o palácio e a rainha perguntou-lhes:
Que
tendes meninos,
Que quebrastes os cantarinhos?
Morreu
o João Ratão
A
carochinha está a chorar,
A tripeça
a dançar,
A porta
a abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se
O pinheiro
arrancou-se,
Os passarinhos
tiraram os olhinhos,
A fonte secou-se.
E nós
quebramos os cantarinhos.
Pois
eu que sou rainha
Andarei
em fralda pela cozinha.
Diz
dali o rei:
E eu
vou arrastar o cu
Pelas
brasas....
(Versão de Coimbra)
Contos
Populares Portugueses, Adolfo
Coelho, Ed. Leya (Pág. 43-47)
A FORMIGA E A NEVE
Disse a formiga:: “Oh neve, tu és tão forte
que o meu pé prendes!”
Responde a neve: “
Tão forte sou eu que o Sol me derrete”
Disse a formiga: “
Oh Sol tu és tão forte que derretes a neve que o meu pé prende!”
Responde o Sol:”
Tão forte sou eu que a parede me impede!”
Disse a formiga: “Oh
parede tu és tão forte que impedes o Sol, que derrete a neve, que o meu pé
prende!”
Responde a
parede:” Tão forte sou eu que o rato me fura!”
Disse a formiga: “Oh
rato tu és tão forte que furas a parede que impede o Sol, que derrete a neve, que
o meu pé prende!”
“Responde o rato:”
Tão forte sou eu, que o gato me come!”
Disse a formiga: “Oh
gato tu és tão forte que comes o rato, que fura a parede que impede o Sol, que
derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o gato:”Tão
forte sou eu, que o cão me morde!”
Disse a formiga: “Oh
cão, tu és tão forte que mordes o gato, que come o rato, que fura a parede, que
impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o cão:”
Tão forte sou eu que o pau me bate!”
Disse a formiga: “Oh
pau tu és tão forte que bates no cão, que morde o gato, que come o rato, que
fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o pau: “
Tão forte sou eu, que o lume me queima!”
Disse a formiga: “Oh
lume, tu és tão forte que queimas o pau, que bate no cão, que morde o gato, que
come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu
pé prende!”
Responde o lume:”Tão
forte sou eu que a água me apaga!”
Disse a formiga: “Oh
água, tu és tão forte que apagas o lume, que queima o pau, que bate no cão, que
morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete
a neve, que o meu pé prende!”
Responde a água: “
Tão forte sou eu que o boi me bebe!”
Disse a formiga: “Oh
boi, tu és tão forte que bebes a água, que apaga o lume, que queima o pau, que
bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o
Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o boi:”
Tão forte sou eu que o carniceiro me mata!”
Disse a formiga: “Oh
carniceiro, tu és tão forte que matas o boi, que bebe a água, que apaga o lume,
que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura
a parede, que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o
carniceiro: “ Tão forte sou eu, que a morte me leva!”
Contos Populares
Portugueses, Adolfo Coelho, Ed. Leya,
(pág 48-49)
O MACACO E A ROMÃZEIRA
Era uma vez um macaco que estava em
cima de uma oliveira a comer uma romã; sucedeu que caiu um grão da romã para a
terra em que estava a oliveira e, passado pouco tempo, nasceu uma romãzeira.
Quando o macaco viu a romãzeira
nascida, foi-se ter com o dono da oliveira e disse-lhe:
“Arranca a tua oliveira para crescer a
minha romãzeira!”
Responde o homem: “Não estou para
isso!”
Foi-se o macaco ter com a justiça e
disse-lhe: “Justiça, prende o homem para que arranque a oliveira para crescer a
minha romãzeira!”
Responde a justiça: “ Não estou para
isso!”
Foi-se o macaco ter com o rei e
disse-lhe:”Rei, tira a vara à justiça, para ela prender o homem, para ele
arrancar a oliveira, para crescer a minha romãzeira!”
Responde o rei: “ Não estou para isso!”
Foi o macaco ter com a rainha: “
Rainha, põe-te mal com o rei, para ele tirar a vara à justiça, para ela prender
o homem, para ele arrancar a oliveira, para crescer a minha romãzeira!”
Responde a rainha: “ Não estou para
isso!”
Foi-se ter com o rato:”Rato, rói as
camisas à rainha, para ela se pôr mal com o rei, para ele tirar a vara à justiça,
para ela prender o homem, para ele arrancar a oliveira, para crescer a minha
romãzeira!”
Responde o rato: “Não estou para isso!”
Foi ter com o gato: “ Oh gato, come o rato,
para ele roer as camisas à rainha para ela se pôr mal com o rei, para ele tirar
a vara à justiça, para ela prender o homem, para ele arrancar a oliveira, para
crescer a minha romãzeira!”
Responde o gato:”Não estou para isso!”
Foi-se ter com o cão:”Oh cão, morde o
gato, para ele comer o rato , para ele roer as camisas à rainha, para ela se
pôr mal com o rei, para ele tirar a vara à justiça, para ela prender o homem,
para ele arrancar a oliveira, para crescer a minha romãzeira!”
Responde o cão:” Não estou para isso!”
Foi ao pau e disse-lhe: Pau, bate no
cão, para o cão morder o gato, para ele comer o rato , para ele roer as camisas
à rainha, para ela se pôr mal com o rei, para ele tirar a vara à justiça, para
ela prender o homem, para ele arrancar a oliveira, para crescer a minha
romãzeira!”
Responde o pau:”Não estou para isso!”
Foi ter com o lume: “Oh lume, queima o
pau, para ele bater no cão, para o cão morder o gato, para ele comer o rato ,
para ele roer as camisas à rainha, para ela se pôr mal com o rei, para ele
tirar a vara à justiça, para ela prender o homem, para ele arrancar a oliveira,
para crescer a minha romãzeira!”
“Responde o lume: “ Não estou para isso!”
Foi ter com a água:”Oh água, apaga o
lume, para ele queimar o pau, para ele bater no cão, para o cão morder o gato, para
ele comer o rato , para ele roer as camisas à rainha, para ela se pôr mal com o
rei, para ele tirar a vara à justiça, para ela prender o homem, para ele
arrancar a oliveira, para crescer a minha romãzeira!”
A água responde: “ Não estou para
isso!”
Foi ter com o boi: “Oh boi, bebe a
água para ela apagar o lume, para ele queimar o pau, para ele bater no cão, para
o cão morder o gato, para ele comer o rato , para ele roer as camisas à rainha,
para ela se pôr mal com o rei, para ele tirar a vara à justiça, para ela
prender o homem, para ele arrancar a oliveira, para crescer a minha romãzeira!”
O boi responde: “Não estou para isso!”
Foi ter com o carniceiro: “ Oh
carniceiro, mata o boi para ele beber a água, para ela apagar o lume, para ele
queimar o pau, para ele bater no cão, para o cão morder o gato, para ele comer
o rato , para ele roer as camisas à rainha, para ela se pôr mal com o rei, para
ele tirar a vara à justiça, para ela prender o homem, para ele arrancar a
oliveira, para crescer a minha romãzeira!”
Responde o carniceiro: “ Não estou
para isso!”
Foi ter com a morte:” Oh morte, leva o
carniceiro, para ele matar o boi, para ele beber a água, para ela apagar o lume,
para ele queimar o pau, para ele bater no cão, para o cão morder o gato, para
ele comer o rato , para ele roer as camisas à rainha, para ela se pôr mal com o
rei, para ele tirar a vara à justiça, para ela prender o homem, para ele
arrancar a oliveira, para crescer a minha romãzeira!”
A morte disse que sim. A morte ia
levar o carniceiro e ele disse:lhe: “Não me leves que eu mato o boi!”
Disse o boi: “Não me mates que eu bebo
a água!”
Disse a água:”Não me bebas que eu apago
o lume!”
Disse o lume:” Não me apagues que eu
queimo o pau!”
Disse o pau: “Não me queimes que eu
bato no cão!”
Disse o cão:”Não me batas que eu mato
o gato!”
Disse o gato:Não me mordas que eu como
o rato!”
Disse o rato:” Não me comas que eu roo
as camisas à rainha!”
Disse a rainha: “ Não me roas as
camisas que eu ponho-me de mal com o rei!”
Disse o rei:”Não te ponhas de mal
comigo que eu tiro a vara à justiça!”
Disse a justiça: “ Rei não me tires a
vara que eu prendo o homem!”
Disse o homem: “Justiça, não me
prendas que eu arranco a oliveira!”
E o homem arrancou a oliveira e o
macaco ficou com a sua romãzeira.
Contos Populares Português, Adolfo Coelho,
Ed Leya, (pág.53-54
Subscrever:
Mensagens (Atom)